2005-12-24

Reflexões sobre o Natal

Assim como o cristianismo se apropriou dos ritos sociais que desde as sociedades mais primitivas marcavam os ritmos cíclicos da natureza, introduzindo-lhes novos significados, novos conteúdos, começa a provar agora do mesmo veneno.
O “Deus Mercantilista”, insidiosa e persistentemente impõe uma nova alienação.
Para os cristãos é o nascimento de Cristo que se celebra e, por extensão, mesmo para os não cristãos, é também uma festa da família, da criança, dos grupos de vizinhança e da solidariedade em geral.
A sua importância na ordem social é ainda enorme. Dizia-me um advogado brasileiro especializado em divórcios, que, no Brasil, um dos aspectos determinantes que só um advogado muito inexperiente deixa passar em branco é o da formalização de regras claras e inequívocas sobre as futuras celebrações do Natal dos filhos do casal separado.
Os presépios que desde S. Francisco ou talvez mesmo desde os primeiros cristãos se construem nesta época, marcavam simbolicamente de forma directa a unidade familiar e a solidariedade. Muitas tradições regionais vão no mesmo sentido, doações a pobres, o perdão de faltas, o manter a mesa tão farta quanto possível e aberta a quem apareça, ou essa tradição lindíssima da consoada tradicional polaca, a “Vigilia” (ler o g como em gato) onde se põe na mesa sempre mais um lugar do que o necessário, pronto para quem chegue e, se alguém chega mesmo e o ocupa, novo lugar livre deve ser criado, são tudo tradições simbólicas daquilo que se denomina como “espirito de Natal” cristão.
Vestígios das velhas tradições pre-cristãs também se mantêm, sobretudo em certos ritos gastronómicos específicos da época.
Mas para o “Deus mercantilista” não se comemora nada, apenas se pretende aproveitar a tradicional boa vontade natalícia para encher o seu “ventre” ávido e trata de arranjar a sua estória e os seu próprios símbolos, que persistentemente se vão impondo ao Natal.
Falo, claro, do chamado “Pai Natal”, figura grotesca que vive no Polo Norte, e se desloca anualmente num trenó puxado por renas voadoras. Para explicar este absurdo e fingir que ainda estão na tradição cristã dizem que é um tal S. Nicolau Bispo da Ásia Menor e que, não sei porque artes, se viu assim condenado ao gelo polar.
Eu, não suporto o Pai Natal e as suas renas, que estão a matar o Natal. Aida por cima se deixa abandalhar despudoradamente pelos media.
Morra o Pai Natal ! Morra! pim!

2005-12-19

As desistências

Candidato que desista não tira votos a ninguém, dá-os apenas.
No caso presente é óbvio que ninguém, com um mínimo de senso, que pretenda votar em Cavaco Silva mudará o seu voto para Soares alegando que os outros desistiram. Di-lo o bom senso e as próprias sondagens que já abordaram o assunto.
No entanto é isto que afirmam mentes supostamente iluminadas, do PS e também Marcelo Rebelo de Sousa.
São burros ? não, simplesmente desonestos:
Marcelo quer promover Cavaco à primeira volta tentando manter uma imagem de comentador imparcial.
No PS parecem pretender evitar a humilhação de uma derrota de Soares com um número insignificante de votos ou será que no fundo, no fundo também eles querem uma vitória rápida de Cavaco ?

2005-12-17

Sol na eira e chuva no nabal

Foi o que colhi das notícias sobre o acordo financeiro alcançado na UE nesta madrugada.
A nós deram-nos muitos milhões, ainda mais milhões do que os da anterior proposta luxemburgueza.
Os novos Estados Membros também são bem contemplados.
A França mantém por mais algum tempo a sua PAC.
A Inglaterra fica com o seu cheque e perspectivas de o aumentar ainda mais, disse Blair.
Enfim, tudo feliz, não sei para que foi tanto barulho embora pressinta que alguém foi bem enganado.

2005-12-06

O « Debate »

Viram o debate ? A Alegre Cavaqueira como ouvi hoje referir na rádio, com muito humor mas pouco tino ? Porque, de facto, não foi cavaqueira, nem alegre.
Eu aguentei até ao intervalo, largos minutos portanto, posso mesmo dizer que vi praticamente tudo, só que não foi um debate, foi uma dupla entrevista, não simultânea mas alternada.
Parece que o modelo americano de debates entrou para ficar: O fundamental é o tempo, o que é importante e democrático é que ambos os candidatos falem o mesmo número de minutos e segundos. As emoções próprias de um debate, o “espírito” ou a “presença de espírito”, já não são valores a considerar, apenas a capacidade que cada um demonstra de dizer qualquer coisa, com um mínimo de sentido, em x minutos e y segundos, é preciso reduzir os debates a um concurso, a um “quiz show”.
Ah que saudades do: “olhe que não, olhe que não !”.

2005-12-02

Portugal – peças soltas



Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Fernando Pessoa – in Mensagem-

2005-11-28

Este país não estaria melhor

Se Sócrates fosse apenas um venerável filósofo Grego ?
Se Cavaco não fosse mais que aquele excelente crustáceo açoreano semelhante à lagosta ?
Se Mário se limitasse à condição de canalizador em jogo de computador ?
Se Alegre fosse só o estado normal da nossa população ?
Se Jerónimo referisse exclusivamente um antigo e muito notável Chefe Índio ?
Se Louçã não se substantivasse e se limitasse à sua condição de adjectivo significando “ornado, enfeitado” ?
Se Partido não fosse mais do que quebrado ?
Se PS não significasse mais nada do que “post scriptum” ?
Eu acho que sim.

2005-11-27

Portugal

Ouço dizer que não sei que legionário ou historiador romano, referindo-se aos nossos avós lusitanos tê-los-á classificado como um povo que não se deixava governar nem se sabia governar sozinho
Eu confesso que esta observação, feita certamente com grande desprezo por nós e com o intuito de nos colocar ao nível das bestas, desperta em mim um imenso orgulho nacional.
O gajo topou-nos bem, o malandro do romano, só que apesar de tudo, cá continuamos há quase 900 anos, mesmo sem nos sabermos governar, o que é um facto indesmentível, e até contribuímos para esta abominável civilização global, muito mais do que a maioria dos povos deste mundo, mesmo os que mais partido tiram dela, o que também é inegável e é precisamente essa contradição que me fascina, essa capacidade de vivermos entre a miséria e a maior grandeza, ao mesmo tempo e igualmente bem.
Partilho com Agostinho da Silva uma certa ideia “messiânica” de Portugal, ou talvez não, a única coisa de que estou seguro é de que pertenço e me identifico com um país singular, único, diferente de todos os outros.
Para meu próprio proveito irei deixar aqui, de tempos a tempos, algumas peças para este “puzzle” que não está ainda perfeitamente elaborado na minha cabeça.

2005-11-24

Discurso esotérico

Eu, que escolhi viver na margem, vou dar hoje um mergulho mesmo no âmago do “main stream”, apenas porque tenho a coisa.
A água vai estar fria e é, naturalmente, pouco profunda.

2005-11-20

A greve dos Professores

Não foi no Uíge em Angola, foi em Carmona, no Estado de Angola e se bem que geograficamente não haja diferenças entre estes dois locais elas existem e são necessárias para precisar o contexto.
Como de costume, passava as terdes de fim de semana no aeródromo, confraternizando com os pára-quedistas amadores e beberricando cervejas no bar do aeródromo.
Naquele dia, enquanto conversava numa mesa, um rapaz lavava energicamente os largos painéis de vidro que separavam o bar da esplanada.
Terminada a tarefa, surgiu a patroa para apreciar o trabalho feito e, ainda que todos nós víssemos vidros limpos, resplandecentes, ela apenas via grandes manchas de sujidade, não sei bem se no vidro se na sua cabeça: “este trabalho está uma porcaria”, disse, “não mereces o que comestes, hoje não te pago”. O rapaz calou-se, pesou o semblante mas resignou-se e eu percebi como é tão natural quebrar contratos quando se tem toda a força e o poder na mão.
Aliás esta prepotência é velhíssima ainda mesmo antes de Labão, pai de Raquel, serrana bela, e persiste ainda com naturalidade quando Sócrates diz aos funcionários públicos “O vosso trabalho é uma porcaria, estão a arruinar o Estado, têm de trabalhar mais 5 anos antes de se reformarem”. Nós, também não gostamos mas calamo-nos, para quê refilar se são eles que têm toda a força e o poder.
Foi assim interessado que vi os professores passarem à acção, julgando eu que para combater a prepotente alteração de contrato decidida pelo Governo, mas não, segundo o que fui ouvindo, a questão principal não era essa, antes pelo contrário, o grande motivo de descontentamento era uma simples medida racional do Governo: que professores disponíveis na escola substituam os seus colegas que faltem ainda que noutra matéria ou com outra actividade.
Os Professores parece que têm uma concepção da educação aos quadradinhos, no horário de inglês não se pode aprender matemática ou filosofia, ou vice-versa, só a matéria que estava previamente definida, parece que o cérebro dos jovens não capta a essência da “química” nas horas em que se preparou previamente para os segredos da biologia, prevista no horário.
Afinal é isto que apoquenta os professores, ora que porra !

2005-11-13

Um facto indesmentível

Apesar de tudo, Nossa Senhora de Fátima é muito mais mediática e atrai muito mais gente do que a Madona.

Subscrevo

Penso que este texto de Miguel Sousa Tavares merece ser lido, mesmo por quem não compra o Público.
Aqui fica:

Viva Campo de Ourique!
Miguel Sousa Tavares
Tarde na manhã de sábado vou ao mercado de Campo de Ourique, um quadrado ocupando todo um quarteirão e com entradas por cada um dos lados dos pontos cardeais. Cheira a fruta e a legumes, ainda orvalhados da terra, cheira a cebolas, a coentros, a maçãs e a laranjas: nenhum supermercado cheira assim. Uma peça de fruta nunca é igual à outra, há que escolhê-las uma a uma, porque algumas têm bicho e outras não, algumas estão maduras de mais e outras ainda verdes. Saboreio este prazer de escolher peça a peça a fruta e os legumes, as saladas e os temperos, sem ter de levar, e sem poder escolher, embalagens já prontas de fruta asséptica e normalizada, legumes de sabor sempre igual trazidos de Espanha em camiões TIR pelas auto-estradas que construímos para lhes facilitar a vida. Aqui, até há pêras de Alcobaça, grandes e castanhas, em que se tem de pegar delicadamente para que o seu sumo não escorra pelas mãos, há tangerinas e laranjas que não vêm de Israel já com o selo colado na casca, mas dos pomares que ainda restam à volta de Lisboa, há uvas tardias, mas moscatel ou D. Maria genuínas, e não aquelas uvas monstruosas e que não sabem rigorosamente a nada, que vêm da África do Sul e que encontramos inevitavelmente, como sinal de boas-vindas, nos quartos de hotel em qualquer paragem do mundo. E há frutos secos a granel e a peso: figos, passas, castanhas, ameixas, amendoins, pinhões, nozes. E azeitonas verdadeiras e tremoços, meu Deus!Depois vou até às bancas de mármore das peixeiras, onde o peixe vindo de madrugada de Sesimbra ou de Peniche brilha com uma humidade prateada, misturada com uma quase imperceptível camada de gordura ainda à flor da pele, sinal iniludível da frescura do dia. O sol da manhã de Outono entra disfarçado pelas janelas altas do mercado e reflecte-se nos olhos dos peixes, que repousam nas bancas como se ainda estivessem vivos. E eis o peixe mais fantástico do mundo, esse verdadeiro luxo que ainda nos resta: pregados, linguados, imperadores, salmonetes, besugos, carapau francês, peixe-galo, garoupa, cherne, lulas e choquinhos com tinta: tenho pena do resto do mundo dito civilizado, onde nem sequer se conhecem os peixes pelo nome!Um bairro para viver tem de começar assim: com um mercado que é uma festa para os sentidos, um regresso aos sabores e aos cheiros que nos educaram. Campo de Ourique começa assim e continua depois, com tudo aquilo que faz deste bairro quase um milagre de espaço urbano perfeito: ruas largas, onde se passeiam casais, carrinhos de crianças e empregados no intervalo do almoço; comércio tradicional e personalizado, com algumas lojas ainda conhecidas pelo nome dos donos - a florista, o cabeleireiro, a loja de comida feita, o electricista, o oculista, a loja de ferragens, a papelaria-tabacaria, a casa das fechaduras, a loja de surf; e os cafés, com esplanadas conquistadas ao passeio e ao Millenium-BCP, com os seus quiosques de jornais cujos donos nos conhecem já tão bem que os dias nem sequer começariam sem o bom-dia deles. Campo de Ourique tem tudo isso, mais o jardim central, os seus pequenos restaurantes de culto, os seus excêntricos ou loucos já familiares a todos. Outras coisas felizmente não tem e muito do prazer de andar nestas ruas deve-se a essas ausências: prédios em altura e de fachadas preconceituosas, porteiros e seguranças de prédios, polícias de trânsito a tentar tornar a vida impossível. Aqui funciona como que uma auto-regulação da via pública, com um sentido natural de comunidade, em que ninguém se mete com os outros e toda a autoridade se torna dispicienda graças ao respeito mútuo pela liberdade de cada um. O melhor exemplo deste espírito de liberdade e tolerância mútua que aqui presenciei é um exemplo muito politicamente incorrecto, ocorrido manhã cedo, no café onde sempre tomo o pequeno-almoço. Uma senhora, cliente habitual, pediu um café e acendeu um cigarro. Nessa altura, um sujeito que eu nunca ali tinha visto e nunca voltei a ver, empertigou-se todo e, rico de novos conhecimentos adquiridos, interpelou-a: "Minha senhora, o cheiro do seu cigarro está-me a incomodar!" E ela, sem sequer se voltar, soltou de lado, mas alto e bom som: "Olhe, também o seu cheiro me está a incomodar, mas eu não lhe ia dizer nada." E o intruso saiu, de rabo entre as pernas e perante os sorrisos cúmplices dos habituées (oh, eu sei, um bando de selvagens!).Pensando na explosão de ódio e de revolta que agora se vive à roda das cidades francesas, naquelas comunidades inteiras de populações imigrantes que não se sentem ligadas cultural e afectivamente aos locais onde vivem, que vêem o bairro como uma prisão e a rua como um terreno de confronto, dou-me conta até que ponto Campo de Ourique (não sei se por gestação espontânea, se porque alguém planeou e previu bem as coisas) é um bairro modelar, em termos de integração social interclassista e intergeracional, de justo equilíbrio entre comércio, serviços e habitação, entre espaços públicos e privados. E, afinal, este tão raro exemplo de harmonia e qualidade de vida urbana não precisa de nenhuma grande construção de referência, nenhuma urbanização de encher o olho, nenhum centro comercial (antes pelo contrário, o segredo é não o ter), nenhuma piscina municipal nem pavilhão gimnodesportivo, nenhuma rotunda com canteiros e estátuas pseudomodernas, enfim, nada que encha o olho e que mostre dinheiros públicos ou fortunas privadas. Apenas bom senso, sentido de equilíbrio e proporção humana. Depois, as pessoas fazem o resto: andam na rua sem pressa nem atropelos, param para conversar à porta das lojas, saúdam-se nas esquinas, passeiam as crianças, os velhos ou os cães, namoram ou lêem o jornal nas esplanadas, almoçam a horas certas na sua mesa de sempre dos seus pequenos restaurantes, numa palavra, vivem a cidade, não se limitam a sofrê-la ou a passar por ela. Certamente que aqui também há gente triste, sozinha, com vidas terríveis. Mas, pelo menos, a rua não os agride: conforta-os, distrai-os e, acima de tudo, dá-lhes um sentido de pertença a uma comunidade - que hoje é coisa tão rara e tão preciosa numa cidade, como o são o peixe, a fruta e os legumes do mercado de Campo de Ourique.Sei que este texto pode parecer um bocado absurdo, no meio desta eterna agitação em que vivemos. Mas trata-se de uma dívida de gratidão para com o "meu" bairro, que eu precisava de saldar um dia. E também, já agora e aproveitando a oportunidade, trata-se igualmente de um apelo que faço a quem manda e a quem pode: por favor, não estraguem Campo de Ourique! Não é preciso muito: basta não fazerem nada.
Jornalista

2005-11-08

Óbidos

Fez uma aposta certeira numa das drogas legais, ao escolher o chocolate como base da sua estratégia de “marketing” territorial.
O festival do chocolate de Óbidos tornou-se já um acontecimento nacional que atrai àquela Vila, anualmente, milhares de visitantes.
Este ano decidiu ainda aliar o chocolate ao cinema, propondo-se apresentar várias figuras do mundo cinematográfico feitas em chocolate, branco ou castanho conforme o mais apropriado.
Um dos atractivos previstos será o de Marilin Monroe totalmente construída em chocolate.
Um só senão, parece que, mesmo assim, a organização não permite que satisfaçamos uma velha fantasia da minha juventude:
Nem assim podemos comer a Marilin Monroe ! Que pena !

2005-11-06

França

Tenho para mim que o caminho que o mundo trilha no início deste século XXI, será tudo menos sustentável.
Não obstante nós, que escrevemos e lemos blogues, podermos viver nalgum conforto, todos os dias nos vão entrando ao jantar pela televisão, alguns “fantasmas anónimos” tentando saltar os muros de Melilha, manifestando-se à frente de uma fábrica que fecha, chorando convulsivamente, tendo nos braços um filho morto por um mundo absurdo.
Esta é apenas uma minoria mediática do imenso exército de “escumalha” que esta civilização segrega.
É certo que tememos já o terrorismo anónimo e artesanal que nos tem apoquentado e, os mais pessimistas, vão já receando que esse terrorismo ultrapasse a sua fase artesanal e entre na era nuclear ou da guerra biológica, acabando definitivamente com a nossa paz relativa.
A insustentabilidade desta civilização parece-me transparente como a água, apenas me espanta que a reacção se tenha limitado a grupos mais ou menos sofisticados, meio inseridos no sistema, como a chamada “Al Caida”.
Certo dia, pude ver na tv uma interessante reportagem sobre jovens delinquentes que vandalizavam os comboios suburbanos de Paris:
Dizia um jovem: “estou desempregado, quase toda a minha família também está, onde moro não há empregos, para vir para o centro da cidade tenho que vir de comboio, como não tenho dinheiro para o bilhete o que quer que eu faça ?”
Apesar da reportagem mostrar as fugas aos revisores, os assaltos a cidadão pacatos para roubar uns cobres, e todo o antipático comportamento desses jovens, não pude deixar de pensar que o rapaz tinha razão.
Tão simples como isto: Onde está a saída ? Que solução tem esta civilização global para estas situações ?
Um dia isto tem de rebentar, pensei.
E rebentou, em França, a revolta dessa “escumalha” que quer deixar de o ser.
Penso que o que se passa agora em França só poderá repetir-se noutros lugares e aumentar de intensidade.
O que será quando toda essa gente ouvir a canção heróica de Lopes Graça e acordar ?

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

José Gomes Ferreira

2005-11-04

Bem me parecia !

Eu já desconfiava que aquele argumento, mil vezes repetido, por comentadores e políticos e até, sobretudo, por comentadores-políticos, segundo o qual o aumento das remunerações de gestores públicos e políticos é fundamental para atrair os mais qualificados, não é perfeitamente linear.
A minha desconfiança fundamenta-se em duas ordens de razão:
Em primeiro lugar a simples observação: vemos agora que as remunerações de políticos e gestores públicos têm aumentado muito significativamente, quer de forma directa quer indirecta, sem que se descortine a tal qualidade desejada, antes pelo contrário, (a má moeda tem, de facto, expulsado a boa).
Em segundo lugar o mero raciocínio lógico: A partir de certo nível o acréscimo de remuneração atrai, mais do que a qualidade, a mais sórdida ambição.
Lembro-me aliás de um interessante modelo formal apresentado pelo saudoso Professor Alfredo de Sousa que correlacionava os níveis de remuneração com os da produtividade, concluindo que essa correlação era positiva até certo limite (o que permite uma vida com um quotidiano confortável) tornando-se negativa a partir desse ponto.
Ou seja: o excesso de rendimento só parece ser útil se puder ser usufruído e, para isso, exige mais lazer (se não quando é que eu posso passear no meu iate ?) e consequentemente com menor dedicação ao trabalho que confere a dita remuneração.
Se esse excesso o permitir até poderei pagar a alguém para fazer o trabalho que eu deixo de fazer, remunerando-o ao nível que, no fundo, deveria ser o meu.
Por tudo isto quando ouço esse argumento de que os políticos e gestores públicos estão mal pagos, soa-me sempre a “canção do bandido” para levar discretamente a água ao seu moinho.
Mas isto sou eu que penso assim porque a generalidade dos media e da opinião pública tem tido este argumento como bom.
Foi assim com espanto que ouvi hoje o Sr. Ministro Alberto Costa dizer esta coisa espantosa:
- As defesas oficiosas que o Estado paga, a advogados, para assegurarem a defesa de cidadãos mais pobres têm sido muito deficientes, logo:
- Vamos reduzir a metade a dotação para o efeito.
Ao contrário do “coro” habitual o raciocínio de Alberto Costa é:
- Pague-se menos que tudo vai correr melhor !
E a verdade é que, desta vez. se arrisca a ter razão.

2005-11-03

Tempos estranhos !

People are crazy and times are strange
I am locked in time, I am out of range
I used to care but ... things have changed.

Bob Dylan

2005-11-01

Quotidiano

Na frente ocidental nada de novo
O povo continua a resistir
Sem ninguém que lhe valha.
Segue e trabalha
Até cair

Miguel Torga

2005-10-29

Pontos de vista

Imaginemos que, amanhã, logo de madrugada, esse tema permanentemente latente no nosso imaginário, que gera filmes e romances de grande sucesso mediático se transforma de facto em realidade.
Somos invadidos por extraterrestres !
É fácil imaginar como o pânico nos invadiria, como faríamos tudo para ripostar e afastar essa ameaça e como lamentaríamos que não fosse, desta vez, mais um filme, e que Bruce Willis não estivesse lá para nos salvar milagrosamente.
Todavia, racionalmente, podemos perguntar; “salvar de quê ?”.
Esses invasores com tecnologia suficientemente evoluída para cá chegar antes que a nossa tecnologia suspeitasse sequer da sua existência, não auguraria com certeza um futuro melhor ?
Os excessos que provavelmente cometeriam os invasores não seriam justificados pelo nosso primitivismo relativo e a nossa incapacidade para falar na sua língua superior ?
Não desprezaríamos os “traidores” que tendo uma visão mais utilitária do mundo se apressariam em tentar passar para o inimigo, obtendo de imediato alguns privilégios invejáveis ?
Provavelmente, alguns “intelectuais marginais” dessa cultura de invasores lutariam contra os excessos cometidos pelos seus pares, falando de alguns valores que os terráqueos também tinham e diriam que alguns mesmo estão a fazer um grande esforço de adaptação e já se integram minimamente na nossa cultura, os tais, para nós, “traidores”
Foi esta a impressão que colhi, ao ouvir a entrevista ao jornalista da SIC que acompanhou a luta dos Índios “Ianomanis”, parece que é assim que se transcreve, da Amazónia, em luta contra a invasão da nossa civilização “superior” e global.
“Estes ainda não falam português, mas têm valores tradicionais e comunitários de grande interesse, embora as mâes matem os filhos que não têm hipótese de sobreviver mas a missão católica já está a actuar contra estes aspectos, o problema são os fazendeiros, bla, bla, bla”
É este discurso inocentemente hipócrita que eu já não posso ouvir, para mim é tudo mais simples:
Deixem os índios “Ianomanis”, viver em paz, sem terem de aprender português à força ou fazer seja o que for não queiram.
A terra é ocupada por eles há séculos e mesmo segundo as nossas normas de justiça, têm direito a continuar aí na sua “sacrossanta propriedade”, “quietos no seu galho”. Ponto. Mais argumentos para quê ?

2005-10-26

O regresso do rebanho – Epílogo

Obras ema casa obrigaram-me a passar uns dias no Alto Lumiar, local que se chamava Musgueira até nascer uma nova e moderna urbanização que progressivamente se vai enchendo de jovens casais da média burguesia lisboeta.
É, nesta forma, um bairro novo da cidade, que já tem “sites” na internete, e blogues como este, entre outros, mas ao que falta ainda “alma”, procura ainda o seu “spiritus loci”.
Como sempre, há duas forças dominantes a moldar esse espírito:
Uma, dessas forças, nasce daquelas mentes modernas ou pós-modernas que conceberam o bairro e ainda o dominam de certa forma.
Visa a “ordem” e a homogeneização.
Nada de consentir rasgos de criatividade individual, que estraguem a “estética” do conjunto.
Estendais de roupa, nem pensar, “era só o que faltava sermos confrontados com esse símbolo do gosto individual como umas cuecas às bolinhas ondulando orgulhosamente ao vento como uma bandeira a declarar: aqui moro Eu”.
Não o fizeram ainda abertamente mas gostariam de regulamentar, os trajes apropriados para frequentar os átrios das casas, e o tempo concedido a brincadeiras das crianças, nos espaços públicos.
É um condomínio aberto mas tem horror a “estranhos”, todos os que não são dos “nossos”. Gostariam de fechar tudo à chave. Eu, para me mover no condomínio preciso dumas 8 ou 9 chaves e faltam-me algumas...
Na garagem colectiva está escrito junto à porta de saída, que, assim que sair, devo bloquear o acesso até que o portão se feche novamente, não vá entrar algum “estranho”, sem se lembrarem de que assim nunca deixaremos todos de ser estranhos uns para os outros.
Outras forças porém, de alguns moradores que querem apenas viver em paz e harmonia com os seus semelhantes, vão lentamente procurando impor novas regras que humanizem o bairro.
Tenho esperança que dentro de alguns anos se possa já viver ali alegremente, agora ainda não e foi assim que certo dia, ao fim da tarde, quando me dirigia ao meu carro, estacionado no interior da garagem, para sair, vi com espanto, ao longe, os portões permanentemente escancarados.
O que se passaria ali, seria uma revolução ou simplesmente uma avaria no mecanismo de abertura e fecho do portão ?
Percorri o caminho até à saída até que comecei a distinguir uma fila de carros que, um a um, calmamente, recolhia à garagem. À porta, dirigindo este fluxo, estava um agente da segurança privada que vela pelo condomínio, cumprimentado todos e detendo-se, de vez em quando, a trocar breves palavras com um ou outro.
Todas aquelas imagens de rebanhos que descrevi atrás, assaltaram o meu espírito:
Tudo aquilo me pareceu o regresso de um rebanho, neste caso, rebanho de quadros técnicos ou administrativos que regressavam ao “redil” após um dia de “pastagem” em diversas empresas e repartições. Até tinham o seu “pastor”, o segurança, a quem me pareceu ouvir murmurar: “anda “bonita”, vai “malhada”, como está a tua mamite “lanzuda” ?”.
Aprendi depois que tudo isto se repete diariamente.
Vários anos depois pude ver, de novo, em Lisboa, um “regresso do rebanho”, só que deste eu também faço parte, por vezes.

2005-10-21

Para que queremos um Presidente da República

A constituição dá-nos algumas pistas: nomeia o Governo, promulga leis, nomeia para alguns altos cargos, é o Supremo Comandante das Forças Armadas, essa “ociosidade organizada”, como lhe chamava Eça, e pode também, em certas situações, dissolver a Assembleia da República.
Para fazer tudo isto e coisa no género (visto que não conheço a constituição de cor) terá que ter bom senso, indiscutivelmente, um mínimo de bom senso, mas pode também contar com inúmeras ajudas: tem a sua Casa Civil, a Casa Militar, o Conselho de Estado, pode ouvir quem quiser, pedir conselhos, enfim, se não for muito alvoreado, lá sobreviverá mais ou menos, mesmo que a história lhe faça alguma partida como a de levar Santana Lopes ou alguém no género à condição de poder ser poder.
É claro também, que poderá surgir uma situação difícil imponderável, sei lá, sermos invadidos militarmente, por exemplo, mas aí creio que teremos que fazer mais por nós, do que esperar que o Presidente resolva as coisas.
Há no entanto uma outra função, o Presidente é um símbolo nacional, como o hino ou a bandeira, o Presidente tem de conviver com Chefes de Estado, Presidentes e Reis, participar em banquetes elegantíssimos, frequentar palácios, sentar-se em bons sofás, sem dar pulinhos para lhes experimentar as molas (como se viu Bush fazer) e tem que fazer tudo isso com “saber estar”, com educação, com etiqueta, direi mesmo, de forma que não envergonhe o país. Voltando às palavras de Eça (embora dirigidas ao corpo diplomático, também se aplicam aqui) deve saber comer ostras com elegância.
Ora para isto não há Casa Civil nem Chefe de Protocolo que lhe valha, isto não se ensina, ou se tem ou se não tem.
Em resumo, um bom candidato tem que ter: bom senso e boa presença.
Analisemos a esta luz os candidatos que se perfilam:
Francisco Louçã, parece que nem sabe usar gravata, não o consigo ver de gravata, foge-lhe o pé para a palhaçada, que fora do contexto habitual poderia ser dramático e bom senso não sei se o terá em suficiência.
Jerónimo de Sousa, bom senso tem, e apresenta-se bem, é um homem culto, vê-se que leu muito, mas operário é sempre operário e não o vejo à vontade em certos ambientes mais refinados.
Mário Soares, estará como peixe na água nos altos círculos que dominam o mundo, muito à vontade, direi mesmo talvez até um pouco à vontade demais. Não nos envergonharia mas uma gafe ou outra não se poderá evitar, quanto a bom senso parece ter quanto baste.
Cavaco Silva, bom senso tem para dar e vender mas é demasiado hirto, tímido, como ele próprio diz, parece que nunca cabe bem no fato que veste e não há um dia em que se fale na sua provável vitória, que não tenha o pesadelo de o ver a comer bolo rei, de boca aberta em frente ao Papa, credo !
Resta-nos Manuel Alegre e este sim tem boa presença, tem tudo o que se pode esperar, até cria e diz poesia lindamente o que fica muito bem em qualquer salão. Adivinha-se que sabe valsar, é brilhante na conversação, com este sim, Portugal estará bem representado e bom senso terá quanto baste.
Meus amigos, a escolha não parece nada difícil: O melhor candidato é Manuel Alegre e juro que nem ele me pagou para dizer isto, nem me prometeu nada, nem mesmo me meteu em nenhuma Comissão de Honra ou de outra coisa qualquer, nem sequer o conheço, é mesmo o que eu acho, através de análise racional e objectiva.
Vão por mim que vão bem.

2005-10-18

Peseiro saiu

Enquanto os media se preocupam com o orçamento de Estado para 2006, a SIC notícias avançou com as notícias verdadeiramente importantes, que eu amplifico aqui para o mundo:

1. PESEIRO JÁ SAÍU DO SPORTING !

2. A Princesa Letízia teve contracções, sempre acompanhada pelo Príncipe, todavia o herdeiro ainda não nasceu.

2005-10-17

O regresso do rebanho – capítulo 4

Numa unidade de turismo rural, perto de Vila Flor, existe uma varanda ampla e larga, debruçada sobre um pequeno vale que logo se levanta numa colina que deixa adivinhar novo vale, desenhando o ondulado típico da paisagem de montanha que se contempla aí.
Eu, preparava-me para sair para a minha vida, quando vejo na referida varanda um grupo de turistas nórdicos, sentados lado a lado, debruçados sobre a balaustrada como se estivessem numa frisa de camarote.
Eu sei que a paisagem é linda, mas estranhei aquela postura.
Parecia-me melhor usufruir a beleza do lugar de forma mais descontraída, fazendo uma roda de cadeiras, conversando amenamente, talvez beberricando num copo, deixando a calma do lugar envolver-nos suavemente.
Mas eles lá estavam em silêncio, um pouco tensos de expectativa, esperavam qualquer coisa, o quê ?
Perguntei, à minha hospedeira, o que estariam a fazer aqueles turistas ali. Seria qualquer espectáculo invulgar que se passaria mesmo por baixo da varanda e que eu não descortinava do ponto em que me encontrava ?
“não” disse-me ela, “aguardam o regresso do rebanho, que já não tarda”.
Ao meu espírito afluíram duas imagens, “teatro”, “rebanho”. O regresso do rebanho também pode ser... é, um espectáculo.

Infelizmente

O que eu escrevi relativamente ao Sportimg, parece confirmar-se:
os jogadores estão decididos a não jogar até que Peseiro saia.
A Direcção está a fazer um braço de ferro que perderá forçosamente, mais cedo ou mais tarde.
Pelo caminho vão ficando estragos difíceis de reparar.

2005-10-16

O valor das coisas

Os melhores bens que usufruo e os melhores serviços que me prestaram foram-me gratuitos.
Preço e valor são apenas duas noções distintas que por vezes coincidem.

2005-10-11

O regresso do rebanho – Capítulo 3

Tive dois encontros estranhos no caminho entre Moncorvo e Mirandela, em pontos diferentes do caminho e em noites diferentes, mas ambos envolveram luzes misteriosas.
Um deles é quase indiscritível, eram luzes que atravessavam o carro vindas de todas as direcções, sem ritmo definido e sem que eu conseguisse descortinar a sua fonte. Muitas outras pessoas presenciaram o mesmo, muitas teorias foram formuladas, luzes de uma discoteca distante, efeitos eléctricos naturais, eu sei lá, até hoje não sei o que foi, costumo chamar-lhe o meu primeiro, e até hoje único, encontro com um ovni
O outro encontro foi mais definível: ia numa recta da estrada, ao começo da noite, quando comecei a ver a uns pontos luminosos verdes, muitos, centenas, ondulantes, como se fosse produzido por um exército de pirilampos em marcha organizada.
Era um espectáculo simultaneamente belo e insólito.
Abrandei o carro, apreensivo, até que pude distinguir claramente o que se passava: era um rebanho de ovelhas que avançava uns metros pela estrada contra a direcção do carro para a abandonar mais adiante.
Desejei boa noite ao pastor que as acompanhava e segui viagem.

2005-10-10

Autárquicas

Ontem, durante o dia, ouvi um político apelar para o voto com a seguinte argumentação:
- Quem não votar não se poderá queixar das escolhas que outros fizeram.
É bem verdade, no entanto eu nunca me queixei das escolhas feitas pelos outros, do que me tenho queixado é das escolhas que eu próprio fiz.

2005-10-09

O regresso do rebanho – Capítulo 2

Visitava mais uma queijaria no sul de França, em plena região demarcada do Roquefort.
Uma pequena queijaria artesanal como a generalidade das que se dedicam à fabricação deste notável queijo, famoso no mundo inteiro.
Meditava precisamente nesta contradição da vida moderna:
Aquela queijaria, tão precária e tão pouco higiénica, como já quase não há em Portugal, mantinha-se assim precisamente apenas por ser francesa, um dos grandes da Europa, mas irá ver, ainda assim, julgo eu, mesmo em França, o seu inexorável fim, ditado pelos zelosos guardiões da saúde pública, que não descansarão enquanto não nos obrigarem a todos a comer exclusivamente plástico esterilizado.
No entanto, não fosse precisamente a existência daquelas condições, naquele lugar e ainda hoje não teríamos a contaminação do queijo com Penicilium roquefortis, e a descoberta desse sabor único, responsável hoje por um negócio de milhões.
Enquanto o meu pensamento deambulava por estas paragens, começo a ouvir uma música estranha mas simultaneamente familiar de um imenso repicar de pequenos sinos.
A música casava na perfeição com a calma e a solidão do lugar.
Era o regresso do rebanho, centenas de ovelhas, cada uma com o seu badalo tinindo preso ao pescoço.
Comandava o seu percurso um cão guia, em frenética actividade, não permitindo que uma só se afastasse mais do que alguns metros do rebanho e se apartasse e os próprios latidos do cão emprestavam uma beleza estranha aquela “sinfonia” de sinos.
Calmamente o rebanho recolheu ao seu redil, são e salvo e, na minha memória, ficou gravado até hoje aquele instante magnífico.

2005-10-07

O Regresso do rebanho – Capítulo 1

Sou um homem urbano, nado e criado na cidade, não tenho, nunca tive, férias ou Natal na terra, as minhas raízes rurais perdem-se a 3 ou 4 gerações de distância, são apenas histórias vagas e nebulosas.
Apesar disso ou talvez por isso a ruralidade fascina-me, a sua dimensão humana, as relações simples entre pessoas concretas, Manéis e Marias, com todos os seus atributos, as suas prendas, as suas manias, as suas vantagens e os seus defeitos, e também a sua história que transportam consigo.
Na cidade somos anónimos, serei quanto muito o vizinho das barbas, para caras e pessoas que “conheço” há 30 anos, a quem digo bom dia diariamente, mas que não sei verdadeiramente quem são ou o que fazem ou qual é o seu papel na sociedade.
Mas sou de Lisboa, das avenidas novas, nem sequer dos velhos bairros e pátios onde se reproduziam um pouco as relações da aldeia, dentro da cidade, onde se mantinha uma dimensão humana pela qual ainda lutam ingloriamente sonhadores como o Arquitecto Ribeiro Teles e, talvez, José Sá Fernandes.
Todavia, tenho memórias de infância, passada na Av. António Augusto de Aguiar, mesmo em frente ao que é hoje, já há bastante tempo, a estação de metro do Parque, memórias estranhas na Lisboa de hoje, memórias de vestígios de uma ruralidade perdida:
Pelos meus 5 ou 6 anos, lembro-me, claramente, de correr diariamente para a varanda da casa, a determinadas horas, para ver passar um rebanho de ovelhas, com o seu pastor, que calmamente descia a Av. António Augusto de Aguiar vindo de não sei onde, e ali, à minha frente, subia para pastos verdejantes no Parque Eduardo VII, regressando mais tarde para o seu redil misterioso.

2005-10-02

2005-10-01

SPORTING

Tenho um amigo, que conhece bem o meio, e me diz que são geralmente os jogadores quem põe os treinadores na rua.
Se estão fartos deles basta deixarem de jogar, é claro que é sempre mais fácil mudar um treinador do que 20 jogadores.
Receio que o processo se tenha iniciado no Sporting e que Peseiro tenha já os seus dias contados.

2005-09-26

Clamando no deserto

Portugal é um país singular e só não estou estupefacto, como o Prof Cavaco, porque já sei há muito do que a casa gasta.
Diz-se, por todo o lado, que a corrupção campeia no país mas se alguém tenta lutar contra esta situação apontando algum caso sobre o qual tem uma forte suspeita, logo é ostracisado pela opinião pública:
- Tem provas do que diz ? não ? então esteja caladinho.
O cidadão é que tem que investigar e reunir provas para a polícia não ter muito trabalho.
Se alguém, porque está em risco de destruir a sua vida, tenta fazer uma denuncia anónima, que o proteja, é visto como abaixo de cão, e muitas vezes a denúncia é rasgada sem sequer ser lida.
É um paraíso para os infractores.
E isto porquê ? “Para proteger o bom nome dos cidadãos contra calúnias e invejas” dizem, mas isto só até um dado ponto, porque se, pelo contrário, o caso começa a ser investigado pela polícia, dispensa-se logo o julgamento, aí já não são precisas provas, bastam suspeitas e tem que se prender o homem logo, já !
O abuso da prisão preventiva é uma vergonha nacional, pode um cidadão estar anos na cadeia, sem culpa formada, com o bom nome nas ruas da armagura, até que depois, se se verifica em tribunal que afinal não havia fundamento para a acusação, dizer-se:
-“woops”, desculpe qualquer coisinha, pode ir para casa descansado.
Por outro lado, se se é condenado e se os factos são provados em tribunal, a prisão já é secundária, pode sair-se num ápice que ninguém se incomoda. “já pagou na preventiva, que é como deve ser” pensa-se.
E assim nos vamos queixando da situação mas fazendo tudo para que ela não se altere.
Felizmente vão aparecendo algumas “ilhas” de bom senso neste lamaçal da justiça, como a juiza que apreciou, recentemente, o caso de Fátima Felgueiras:
“Julgue-se primeiro e puna-se depois se for caso disso” decidiu.
Para a opinião pública e publicada esta juiza não sabe o que faz, o fundamental é prendê-la já, já, imediatamente, depois, logo se vê !

2005-09-19

E nós para aqui a dizermos mal !

Afinal, os submarinos que Portas queria comprar, longe de serem um gasto publico desnecessário só demonstram a clarividência do ex-ministro:
Ele já suspeitava que o país havia de chegar ao fundo, de tanta água que mete.

2005-09-17

Wisła Kraków

Sendo eu um dos pouquíssimos portugueses que têm algumas luzes sobre a língua polaca, permito-me falar com a segurança daquele rei zarolho e míope que governava um reino de cegos.
Ora, como todos sabemos, o Polaco é uma língua de raiz eslava que, ainda assim, utiliza na sua escrita o alfabeto latino e este simples facto é já por si significante do esforço de demarcação da diferença daquele povo, entalado e oprimido, ao longo da sua história, por germânicos, de um lado, e russos do outro.
O seu catolicismo visceral, mais do que uma religião foi sempre mais uma oposição.
O alfabeto latino, que vem da sua profunda ligação à Igreja de Roma, separa-os, pela escrita, dos seus irmãos eslavos da Rússia, de fala com alguma afinidade mas alfabeto cirílico enquanto que dos germânicos se afastam pela fala, ao ponto de, em Polaco, se chamar à Alemanha Niemięc o que significa, etimologicamente, “os que não falam” (nada de parecido com o Polaco, obviamente)
Mas este recurso ao alfabeto latino, que tem servido muito bem às línguas novi-latinas e germânicas, tem também o seu preço na sua adaptação a uma fonologia eslava e vêm-se forçados a juntar alguns signos, que constam no nosso “word” como “latim expandido – A”.
Um desses símbolos é o l barrado, ł que é, curiosamente, uma consoante que todavia se lê como a vogal U.
Se pensarmos bem também nos dava um jeitão, sobretudo para os brasileiros que poderiam dizer que são do “Brasiu”, como dizem, escrevendo Brasił mas continuando a ser brasileiros e para nós em palavras como “palco” e “talco” que na fala andam próximas do “pauco” e “tauco”.
No polaco também é assim o ł, que se lê U transforma-se, de novo, em l nalguns casos e nalgumas variações da palavra.
É por isto que me fere um pouco o ouvido quando ouço chamar ao ex-Papa Woitiła como “Voitila” e ao “Wisła Kraków”, que o Vitória de Guimarães arrasou há dias, como o “Visla” de Cracóvia.
Neste caso ainda porque tem uma tradução exacta em português: “Vístula de Cracóvia”, dado que Wisła não é mais do que o nome o rio que banha Cracóvia, rio que em Português se chama Vístula tendo incorporado, à nossa maneira, o U polaco contido no seu l barrado.
Desculpem-me esta deriva mas se há tantos blogues, conceituados, que usam o Inglês e o Francês a seu belo prazer, porque não poderei eu, de quando em vez , utilizar um pouco de Polaco ?

2005-09-16

Reflexões sobre a língua

Eu, como os leitores mais frequentes sabem, cometo frequentemente erros de ortografia de palmatória,
Reconheço-o e envergonho-me, porque não o faço por ignorância, muitas vezes sou eu próprio que os detecto, com as faces rubras de vergonha, mas também não por arrogância, por me sentir superior a essas “pequenas” questões, pelo contrário, acho que o culto da correcção na língua é um dever de todos os falantes.
Porque o faço então desde sempre ?(a minha primeira redacção, feita no primeiro ano da instrução primária é conhecida por toda a família por ter contido num só parágrafo 12 erros, 3 dos quais na assinatura e foi aí, nesse tempo, que compreendi literalmente nas minhas mãos o que significava a expressão “erro de palmatória” ).
Na verdade nem eu próprio sei exactamente porque sou assim mas aprendi recentemente que há uma vulgar disfunção cerebral a que se chama dislexia e que afecta este tipo de funções e eu reconheço que tenho outros sintomas que apontam para aí, como a perfeita incapacidade de escrever datas, sem parar para pensar, ainda que o tenha de fazer sucessivamente centenas de vezes.
Hoje, posso cobrir os meus erros de cabeça levantada: “desculpe mas sou, um pouco disléxico” e isso basta-me para me poupar da humilhação e sentir mesmo um pouco de simpatia nos meus interlocutores.
Colocados estes pontos nos is, queria dizer mesmo que entendo que o conhecimento da linguística é fundamental para compreender a sociedade, e as suas particularidades.
Não será por acaso que Noam Chomsky, um dos chamados pais da moderna linguística é, também, um dos mais lúcidos pensadores sobre a sociedade que nos rodeia.
Mas toda esta introdução é necessária para um outro poste que penso escrever apenas amanhã, para não chatear de uma só vez o leitor e que se chamará o “Wisła Kraków”.

2005-09-15

O Katrina

Ainda que digam:
“Foi porque os EUA não ratificaram Kioto”
ou
“Foi porque New Orleans era uma “sin city” onde meninas e senhoras exibiam as suas mamas nuas em público, no “mardi gras”, desafiando Deus e a sua moral e a devassidão imperava nos seus bares”
O Katrina, o castigo divino, terá sido apenas um grande par de açoites na cidade.
A verdade verdadeira é mais terrena:
O que destruiu mesmo Nova Orleães, o que trouxe o caos, a morte, a fome, a sede, o choro e o ranger de dentes à cidade, foi o rebentamento de diques, feitos por homens e bem ou mal conservados por decisões de homens, como o leitor ou eu.

2005-09-09

A situação na Ucrânia

José Milhazes, seguindo, certamente, a “vox populi” ucraniana, caracterizou a crise que atravessa a Ucrânia e conduziu à substituição do Governo como:
A luta dos milionários contra os multimilionários.
Eu, que não percebo nada do assunto, instintivamente, estou com os mais fracos, torço pelos milionários.

2005-09-05

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Já aqui falei deste excelente “site” de apoio aos falantes de português.
Competente, rápido, sempre prestável.
Para quem não o conhece basta consultar a sua vastíssima base de dados de dúvidas de português e os interessantíssimos debates que aí se geraram e que se mantêm “on line”, para se aperceber do serviço que desde há anos tem prestado a falantes de todos os Palop e a muitos estudantes da nossa língua de várias nacionalidades.
É um verdadeiro serviço público mantido com o esforço e a carolice de privados.
Não sei as “tricas” que estão a pôr em risco a sua manutenção mas sei que já fez o suficiente para merecer o reconhecimento do Estado Português pelos serviços prestados e para que todos os seus colaboradores possam exercer o seu trabalho sem estarem preocupados com quem paga as contas.
O cíberdúvidas está, mais uma vez, em risco de fechar definitivamente as portas.
Fala-se em transformá-lo em “site pago” o que restringiria o seu acesso apenas a profissionais e a alguns curiosos, perdendo quase toda a sua eficácia.
Se há situações em que não restarão dúvidas que o dinheiro dos contribuintes é bem empregue, será no apoio a iniciativas como esta.
O mínimo que podemos fazer é ir ao site do ciberdúvidas e assinar a petição aí contida, dirigida a várias instâncias governamentais e esperar que alguém, com a “faca e o queijo” na mão decida definitivamente salvar este “site” de serviço público.

2005-09-03

Nova Orleães

Afinal o Império tem pés de barro, como nós.

2005-08-31

Pontos de vista

Tem vindo a lume a notícia de que, possivelmente, o modelo Marraquesh da VW vai ser construído na Autoeuropa.
Não obstante a empresa ter decidido fabricar este modelo na Alemanha, só o fará, se os operários alemães aceitarem baixar os seus salários ou, em caso negativo, a fabricação mudará para Portugal onde, ainda assim, se paga um pouco menos aos operários portugueses.
Os nossos media e os trabalhadores da Autoeuropa têm a esperança que, talvez as negociações com os seus colegas alemães abortem e as perspectivas para o seu futuro se tornem mais risonhas.
O que é uma luz ao fundo do túnel, para nós, é uma espada sobre a cabeça dos alemães.
Imagino que na Roménia e alhures sigam com o mesmo interesse e torcendo para que não haja acordo, as negociações que conduzem ao encerramento de fábricas em Portugal e a sua deslocalização para esses países, mandando os nossos trabalhadores para uma semimiséria mas abrindo um caminho de esperança para eles.
De facto o grito “Operários de todo o mundo uni-vos”, já era.
Agora é mais “Salve-se quem puder”.
Isto digo eu facilmente, dado que o Marraquesh não me aquece nem me arrefece.
Rima e é verdade.

2005-08-28

Uma interessante questão semântica

A seca que, de tempos a tempos, vivemos em Portugal é muito perniciosa para a agricultura em geral e muitíssimo para a produção pecuária.
Todo os sistema de produção se desorganiza, não há pastos capazes e, se for o caso, têm que se comprar rações e nutrientes específicos que não seriam necessários normalmente e os custos de tudo isto podem ser muito significativos.
Naturalmente os agricultores querem partilhar estes custos com a sociedade, dizem: “não vêem como isto está ? querem continuar a comer borregos e queijo a preços razoáveis, têm que nos ajudar”.
A SIC, como os média em geral, vive num mundo encantado, onde as alegres ovelhas correm e saltam em prados verdejantes e bebericam agua de algum riacho e, estando o tempo de seca, logo as vê lacrimejantes procurando o seu sustento por entre as pedras e percorrendo quilómetros desesperadamente à procura de água perecendo, por vezes, nessa aventura. Morrendo à sede.
Esta forma de ver o mundo convém, naturalmente, aos agricultores que dão assim um toque emocional à defesa das suas carteiras e, de tempos a tempos lá temos imagens dessas ovelhas mortas ... à sede !.
Na realidade, enquanto as modernas máquinas tendem a “animar-se”, como tenho referido nalgumas crónicas, os animais domésticos, pelo contrário, e devido sobretudo a intenso “melhoramento” genético, tendem a “desanimar-se”, são, cada vez mais máquinas de fazer carne, leite e lã, desde que se meta comida, água e medicamentos, por um lado. Nada romântico, mas verdadeiro.
Os animais domésticos só bebem a água que lhes dão, se não lha derem morrem de facto à sede, mas qual o criador que lhes nega agua ? Antes de chegar a uma situação tão dramática, prefere, naturalmente abater o animal e quanto mais não seja, comer um belo ensopado.
Falando neste registo o Sr Ministro da Agricultura profere a frase do escândalo: “nenhum animal morre à sede na nossa lavoura”
A SIC fica estupefacta: “como assim ?, se as coitadinhas nem acham água com esta intensa seca”.
Corre a perguntar aos agricultores, estes, que perceberam bem o que o Sr. Ministro disse, e não lhes convém nada esta descida à terra, tratam de rasgar as vestes, ranger os dentes e alimentar o sonho, e lá vêm imagens de ovelhas mortas num ambiente hostil e o público confirma que o Sr. Ministro é uma besta insensível.
Só que todos os dias morrem ovelhas por causas ditas naturais, acidentes, infecções não detectadas, indigestões, envenenamentos, doenças diversas, isto com seca ou sem seca e assim será enquanto a genética não lhes tirar completamente a vida.
Assim se misturam dois mundos semânticos.
Uns falam em alhos e outros em Bugalhos.

2005-08-27

As listas negras de companhias aéreas

O capital que controla os Estados fortes e os seus aparelhos ideológicos, passa por cima de tudo e de todos para defender os seus interessesinhos.
Mais se justificava que Moçambique e todos nós interditássemos os voos da Air France.
Afinal, poucas companhias aéreas ceifaram tantas vidas duma vez só como a Air France com o seu Concorde.
Um pouco mais de vergonha na cara por favor.

2005-08-24

Provérbio que o povo ainda não inventou

"Em terra de zarolhos quem tem os dois olhos limpa sanitas."

2005-08-23

Quando assisto aos noticiários

Ouço sempre este murmúrio:

No céu cinzento
Sobre o astro mudo
Batendo as asas na noite calada
Vêm em bandos, com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada.

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Como saberão, é um velho tema de Zeca Afonso, escrito ainda na “noite fascista”, mas, para mim, nunca esteve tão actual como agora.

2005-08-22

A corrida eleitoral

Há livros fabulosos (poucos) que, de uma maneira simples conseguem transmitir simultaneamente muitas mensagens para diferentes leitores.
As histórias de Alice, no país das maravilhas e por trás do espelho, são dois desses livros, para todas as idades.
Para ilustrar esta minha opinião e pelo prazer que proporciona lê-lo, deixo aqui um pequeno trecho sobre a “corrida eleitoral” que os personagens fantásticos decidiram fazer para se secarem de um banho forçado nas lágrimas de Alice.
Escolhi este por me ter parecido muito adequado ao momento que começamos a viver agora em Portugal no ano de 2005.

- O que eu ia dizer – disse Dodó, ofendido, - era que a melhor coisa para nos secar seria uma Corrida Eleitoral.
- O que é uma Corrida Eleitoral ? – inquiriu Alice, não tanto por querer saber, mas porque Dodó se calara como se pensasse que alguém devia falar, e mais ninguém parecia disposto a dizer fosse o que fosse.
- Ora, a melhor maneira de explicar é fazê-la – respondeu o Dodó. (E como vocês poderão querer experimentá-la, num dia invernoso, vou contar-vos como procedeu.)
Primeiro, desenhou uma pista de corridas, numa espécie de circunferência (“não interessa a forma exacta”, disse ele), e depois colocou cada um deles num ponto da pista. Não havia nenhum “um, dois, três, já”, mas principiava-se a correr quando se queria, e desistia-se também quando apetecia, de maneira que não era fácil de perceber quando terminava a corrida. Todavia, após terem corrido cerca de meia hora. E estarem de novo secos, o Dodó gritou de repente:
- Acabou a corrida !
E todos o rodearam, ofegantes, a perguntar: - Mas quem é que ganhou ?
O Dodó só pôde responder a esta questão depois de pensar longamente, e permaneceu durante muito tempo com um dedo apoiado na testa (a posição em que se costuma ver Shakespeare, nos retratos), enquanto os outros aguardavam em silêncio. Por fim, disse:
- Ganhámos todos e todos devemos receber prémios.

Lewis Carrol – “As aventuras de Alice no País das Maravilhas”

2005-08-21

Crónica do quotidiano

Termino o meu almoço de Domingo, só eu e a Fátima, com as notícias da SIC como pano de fundo.
O almoço esteve óptimo, frango de tomatada com batatas fritas às rodelas, batatas pequenas, velhas, que tinham de se comer antes de que se estragassem e o frango, que estava divinal, de tomatada, para o que contribuío o “tomate frito”; não sabem o que é ? é natural, nunca o vi à venda em Portugal, apesar de ser um produto de consumo de massas, não chegou ainda cá, faz parte das minhas compras, em quantidades industriais, sempre que dou um salto a Espanha.
Imagino que seja como os nossos vulgares tremoços. Em Portugal há-os por todo o lado e até são baratos mas nunca os vi em mais parte nenhuma do mundo, tirando alguns PALOP. Pobre de algum Sueco que seja amante de tremoços, deve sofrer...
Tive, aliás, um amigo inglês na minha juventude, o David, o seu pai era da marinha e ensinou-lhe o que Lisboa significava para si nas suas passagens por este porto: sardinhas e tremoços, isso tornou-se numa obsessão para David em Lisboa.
Enquanto vagueio o pensamento ouço na SIC que morreu o tal golfinho de que falei no último poste, isto apesar da competência e zelo do Zoo Marine que até já salvou uma tartaruga que nada agora feliz nas Caraíbas ou sítio parecido, dizem-nos.
Espero que o golfinho descanse em paz e nós também.
Recosto-me, saboreando aquele bem estar; um bom almoço também é psico-activo. Ensombra-me apenas a perspectiva de ter de me levantar, participar no arrumo da mesa.
Olho a televisão e falam-me de incêndios, gente desesperada correndo de um lado para o outro, impotentes para conter aquele castigo terrível que lhes destrui as vidas, apelando para tudo e para todos.
São as notícias que estou a ver e ouvir, o país real. Onde estarei eu então ? gozando o meu conforto ? num país irreal ? Que posso eu fazer por essa gente ?
Esta dicotomia incomoda-me, não tenho o direito a estar feliz quando me mostram aquele sofrimento e aquela realidade e, se não ma mostrassem, será que ela deixava de existir ?
Recordo-me que também eu já vivi situações em que os meus apelos desesperados são apenas escutados por gente mais preocupada em digerir bem o seu almoço e isso revoltou-me e fez-me pensar como as pessoas podem ser tão cegas à realidade.
Agora, estou eu deste lado, cego à realidade. Será ? ou será, pelo contrário que estou muito atento, à realidade, à minha realidade, à única realidade verdadeira para mim.
Pensando nisto, preparo-me para me levantar da mesa, quando me pergunta a Fátima:
- Então, não tomas o teu café ?
Esta questão trouxe-me verdadeira e definitivamente à realidade.

2005-08-19

Publicidade

Para alguns o significado desta palavra identifica-se com todo o “marketing”, para outros com uma parte deste, a promoção, mas na realidade para compreender o “marketing” precisamos utilizar a sua linguagem própria e aí o termo publicidade tem pouca serventia.
Publicidade recobre duas noções distintas: a de “advertising” que corresponde aos anúncios que vemos na TV, rádio, jornais, “outdoors” etc e a que poderemos, talvez, chamar em português publicidade paga e a de “publicity” que corresponde a eventos, notícias, entrevistas etc., referentes à empresa ou produto que se pretende promover, notícias essas que na realidade não pagamos directamente e poderemos, talvez chamar de publicidade não paga.
Conseguir a “publicity” não é tarefa fácil, porque não está directamente ao nosso alcance, embora seja naturalmente almejada por todos.
Algumas empresas, porém, por razões “misteriosas”, têm uma constante atenção mediática, que correspondem a ofertas de “publicity”, totalmente injustificadas e tão forçadas que roçam o escândalo: é o caso do “Zoo Marine” que, volta e meia, como hoje, capta a atenção dos média com golfinhos, supostamente salvos pelas suas “mãos hábeis” e que são depois acompanhados mediaticamente durante vários dias em horário nobre até à morte habitual do animal, certamente por excesso de atenção.
Já não há pachorra para isto.

2005-08-16

O chapéu de Bono

Estávamos em pleno PREC, corriamos para uma importante reunião na Casa do Povo do Ladoeiro. Em causa os eternos conflitos de interesses em torno da reforma agrária, que dividia o povo ao meio naquela região Beirã.
No caminho cruzámo-nos com o carro de uns colegas (da Administração) que voltavam em grande velocidade a caminho do hospital de Castelo Branco.
“O que se passou ?” perguntei eu, “uma confusão, está um ambiente de cortar à faca, o Capelo foi agredido e vai para o hospital, não vão lá sem a GNR” foi o que nos disseram.
Mas nós éramos então jovem e, um pouco inconscientes, “não há de ser nada” pensámos.
De facto não foi nada, as pessoas receberam-nos civilizadamente e a reunião decorreu sem mais sobressaltos.
Viemos a saber então o que se tinha passado com o Capelo:
“O homem entrou na Casa do Povo de chapéu na cabeça”, disseram.
Assim foi, Capelo, anacronicamente, usava sempre chapéu e entrou na reunião com o dito na cabeça.
Uns anos atrás, teria sido considerado um capricho do Sr. Engenheiro, afronta que o povo suportaria em silêncio, comentaria em privado e classificaria definitivamente o Sr. Engenheiro Capelo de mal criado, mas naquele tempo não, o povo é quem mais ordenava e não faltaram as vozes de “tira o chapéu”, num coro crescente, a que Capelo, na sua pose altiva de funcionário do Castelo, não obedeceu.
Até que alguém, mais afoito, se chegou a ele e com um gesto brusco lhe fez saltar o chapéu da cabeça. Capelo reagiu violentamente e o povo perdeu a cabeça e desancou o Engenheiro que teve que ser levado, pelos seus colegas presentes, a correr para o hospital.
Para justificar a sua acção, ao contarem-nos esta história disseram-nos:
“A Casa do Povo é como uma Igreja. Se na Igreja um homem de chapéu afronta Deus, na Casa do Povo afronta o povo”
Mesmo nesse momento quente da nossa história recente, quando se vivia uma profunda desagregação de valores, havia comportamentos simbólicos que mantinham o seu papel identificador.

Lembrei-me desta história que vivi, quando vi Bono, com o seu enorme “stetson” na cabeça, a ser condecorado por Jorge Sampaio.
Entristece-me este laxismo, esta falta de vergonha na cara, este achar tudo natural e engraçado, este gozo com símbolos nacionais.
Se a condecoração já foi mais do que duvidosa, naquelas condições foi repelente e creio que desvaloriza toda a “Ordem da Liberdade”, todos os que receberam já e todos os que a irão receber.
Foi um ultraje.
Eu, senti-me afrontado, como Português, e sei que muitos mais sentiram o mesmo, apesar de que na minha volta pelos jornais e pela blogosfera, não tenha detectado uma única referência ao caso.

Lamento que ninguém do protocolo lho tenha tirado, á força se preciso fosse. Era o mínimo.

2005-08-15

Ao ir mais longe

Ou ao ficar para trás
Ou ao lado
É indiferente ...
Fica-se só !

"Eu queria gostar das revistas e das coisas que não prestam
Porque são muito mais que as boas
E enche-se o tempo mais !"

Almada Negreiros (Cena do Ódio)

2005-08-12

From gosties and goolies ...

Modernamente, como nunca antes, a tecnologia é complexa e pluridisciplinar.
Enquanto há pouco tempo as máquinas estavam à nossa escala e se não as dominávamos podíamos encontrar alguém que o fazia, agora, um simples telemóvel ou computador com acesso à net, não há ninguém, literalmente ninguém, capaz de os dominar na totalidade. Alguns sabem bastante de um ou outro pequeno aspecto dessa tecnologia mas ninguém a domina totalmente sozinho.
Este facto, como ouvi há dias exprimir por um investigador português, confere um caracter “mágico” a essa tecnologia, como se ganhasse vida autónoma e tivesse os seus caprichos, já não sendo regida pelas leis da física.
Assim, curiosamente, voltamos, por excesso de civilização, a reviver velhos sentimentos mais medievais que nos levavam a abençoar o forno antes de fazer o pão e a culpar os nossos pecados pela má colheita, a chuva, a seca ou a doença.
É certo que ainda não fazemos benzeduras ao computador ou ao telemóvel, embora tenhamos já certos rituais e mezinhas, que alguém nos ensinou, e que talvez levem à cura das doenças ou comportamento estranho que essas máquinas por vezes têm. Às vezes resulta, outras não, e geralmente não sabemos porquê ou porque não, nem o que realmente estamos a fazer.
Dantes dizia-se:
“Vai ao cemitério, em noite de lua cheia, reza o responso de Santo Ildefonso 3 vezes, e enterra junto a um carvalho um lenço velho”
Hoje é mais isto:
“Quando aparecer aquela mensagem, carregas em control t, fazes 3 tabs, insert e page down e o problema desaparece.”, “ok, vou experimentar” e resulta.
Estas reflexões tomaram conta do meu espírito quando vivi aquela aventura que descrevi uns postes abaixo.
Toda a nossa ciência e arrogância é impotente perante as incongruências e a irracionalidade aparente deste “Brave new world”.
Em breve teremos que reeditar novas fórmulas de protecção perante a moderna tecnologia semelhantes aquela velha recomendação para viajantes utilizada na velha Inglaterra:
“From goasties and goollies and long legged beasties and things that go pump(ing) in the night, may the Lord protect us”
Se calhar, talvez nem precisemos de reinventar nada e esta mesma ainda nos sirva.

2005-08-09

Nagasaki

Comemora-se hoje a tragédia provocada pela bomba nuclear lançada sobre Nagasaki.
Há dias houve comemorações semelhantes em Hiroshima.
Sabemos que houve centenas de milhares de mortos nesses atentados contra humanidade.
Sabemos que não foram Ben Laden nem Sadam Hussein os responsáveis que aliás andam ainda a monte.

A indústria dos incêndios

Os incêndios fazem parte do ecossistema mediterrânico, sempre houve e haverá incêndios mas não é nada disto a que temos assistido ano após ano.
E as receitas que nos têm dado e que são muito boas para o controlo dos incêndios normais não resultam nem servem para a escala que se tem verificado.
Podem limpar muito bem cada centímetro de floresta, não acender um único cigarro, deixar de deitar foguetes e fazer fogueiras e passaremos a ter muitos, muitos incêndios em vez de muitos, muitos, muitos incêndios.
Felizmente há mais gente que vê isto claramente, está tudo aqui neste artigo de José Gomes Ferreira da SIC, chamado precisamente “A indústria dos incêndios” que, pela sua importância, para além do link, eu transcrevo aqui.


A indústria dos incêndios

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:
1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país. Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios. Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.

José Gomes Ferreira

MATRIX

O Semiramis é um Blogue interessante.
Eu gosto muito do Semiramis.
O Semiramis tem muito boa escrita, clara, com um toque de humor e pode também dizer-se que é extremamente “rigoroso”.
Isto, naquele mesmo sentido em que o Dr. Ferreira da Quercus é “rigoroso” quando nos diz categoricamente coisas do tipo: “a temperatura em Portugal vai subir 4,7 graus nos próximos 20 anos”.
Só que o Semiramis é ainda mais rigoroso do que o Dr. Ferreira, não faz afirmação que não apoie com referencias bibliográficas e isto apenas quando a não ilustra com bonitos quadros e gráficos.
O Semiramis não se define ideologicamente, mas mostra-se ultra-liberal. Tem uma fé inabalável no mercado e acha que o Estado é a fonte de todos os males.
O Semiramis é, para mim, claramente anarco-mercantilista.
Ler o Semiramis é extremamente aprazível e educativo.
Vem isto a propósito de uma interessante e bem humorada opinião, que o Semiramis manifestou há tempos (Poste “Conversas de fim de semana” de 3 de Julho de 2005), a de que Ana Sousa Dias tem o condão de transformar em ectoplasma os seus entrevistados e que o próprio Professor Marcelo já começava a dar sinais desta metamorfose.
Para os leitores menos versados nas “ciências ocultas” eu direi que ectoplasma é, mais ou menos, uma suposta manifestação material de um ser espiritual, tal como um rasto viscoso que dizem ser deixado por alguns fantasmas.
Depois de ler isto eu passei de facto a ver o Professor Marcelo, aos domingos, como um ser etéreo, irradiando um halo de luz e deixando escorrer como uma substância, um discurso viscoso que se vai aproximando de um discurso real e sobre a realidade.
De facto, também, todos os entrevistados de Ana Sousa Dias têm essa aura de gente que não existe neste mundo real, cru, previsível, traduzido e explicado pelos números da economia, que nos incomoda todos os dias e onde ao dizerem-me e demonstrarem-me que estou em crise eu passo a sentir de facto a crise ainda que a minha vida esteja tal qual como “dantes no quartel de Abrantes”
Ao assistir ontem à fabulosa entrevista de Ana Sousa Dias a Godlieve Meersschaert tocou-me uma inspiração Divina:
Olhe que não Semiramis, olhe que não, a realidade hoje é como o mundo do “MATRIX”, os ectoplasmas somos de facto nós e muito em particular o Semiramis e o seu mundo de números e gráficos a que falsamente chamamos realidade, os entrevistados da Ana Sousa Dias são apenas gente real, são mesmo “a gente real” que nós, fantasmas, olhamos com estranheza.
Eu, por mim, ando a tentar saltar para o lado de lá.

2005-08-07

A escolha não é difícil

Disse Jerónimo de Sousa, referindo-se à escolha do candidato do PCP ou da CDU à Presidência da República.
Esta declaração, que ouvi repetidamente, chocou-me um pouco, intuitivamente penso que Jerónimo de Sousa deveria ter dito “a escolha não é fácil”.
Vejamos os factos:
Ninguém terá dúvidas que seja quem for que o PCP escolha independentemente não será nunca um candidato vencedor, isto independentemente de merecer sê-lo ou não.
Neste caso, Jerónimo de Sousa falou verdade, a escolha não é nada difícil, basta sortear alguém entre um número anónimo de indivíduos que poderia incluir mesmo um cão ou um macaco. Dado que o objectivo não é claramente alcançável qualquer candidato serve.
Mas poderá dizer-se isto à comunicação social, assim, confessar à partida que tudo isto é uma farsa, julgo que não. Seria talvez para o Louçã dos velhos tempos ou para qualquer partido fora do sistema, por exemplo o eterno candidato, sempre presente e sempre ausente, o candidato Vieira dos “Ena pá 2000”.
Porque o disse então ? Jerónimo de Sousa, terá todos os defeitos mas não é, manifestamente parvo.
Claro que o que ele queria dizer, e deixou implícito, é que o PCP, na sua Direcção tem tanta gente capaz de preencher o cargo que pode fechar os olhos e apontar que sairá um bom candidato. Não é difícil escolher, portanto.
Mas mesmo assim foi incorrecta a declaração. Banalizar a escolha real, que todos suspeitamos irá ser Carlos Carvalhas.
Quando tornar pública essa escolha dará a ideia de que foi este mas poderia ter sido qualquer outro porque tem muitos e bons, enfraquecendo-o à partida.
Está claro, para mim, que ainda que seja a escolha mais fácil do mundo, para quem está dentro do sistema, o que se terá de se dizer sempre é que é muito complicado, face à suposta importância do lugar em causa: Presidente da República, a escolha, mesmo que seja entre os mais brilhantes candidatos e até por ser entre os mais brilhantes candidatos, deverá ser sempre de grande transcendência e dificuldade e tanto mais quanto mais simples for.
A língua tem muita importância, essa é que é essa.

2005-08-05

Lucidez

O Homem perdeu a sua capacidade de prever e de prevenir.
Acabará por destruir a terra.


Albert Shweitzer

Ao abrir da manhã

Ouvi uma notícia que me acompanhou todo o dia embora a não tenha ouvido mais:
Em Setúbal, um polícia suicidou-se na sua viatura da polícia, tendo deixado escrita uma mensagem que dizia: “Adeus reforma”
Se eu fosse jornalista acho que não tinha largado este caso.

2005-08-04

Uma aventura real na sua virtualidade

Nesta minha deambulação pelo país, por locais onde não tinha acesso à net, a chegada ao Hotel Lamego e a visão, logo à entrada, de um cartaz dizendo que ali era um ponto de acesso à wlan Vodafone, fez-me lembrar as maravilhas deste “Brave new world”.
Na recepção deram-me um folheto que explicava tudo, apenas um senão, era caríssimo: 5 Euros por uma hora, 20 por 24 ou 30 por 72 horas.
Resolvi experimentar uma hora para ver como era. Segui as instruções religiosamente, enviei um e-mail pedindo a “password” para uma hora e obtive a resposta num abrir e fechar de olhos.
Depois, começou o pesadelo, o sinal era fraquíssimo, não conseguia sequer entrar na rede e o tempo passava.
Mas tudo isso estava previsto, havia um número de socorro: liguei, responderam-me que tentasse mais tarde porque as chamadas eram muitas, o tempo passava, por mais 3 vezes deram-me a mesma resposta até que por fim recebi o mais confortador “aguarde que a sua chamada será atendida dentro de 5 minutos”.
Deram-me então música entrecortada a cada 10 segundos por um “não desligue”, ao fim de uns 20 minutos o telemóvel desliga-se sozinho. Volto a tentar e recebo esta mensagem “o teu saldo yorn não permite fazer esta ligação”.
Resumindo, puseram-me de “tanga” cibernética ou mesmo sem tanga, tiraram-me até ao último cêntimo do telemóvel, para além dos 5 Euros da internet e o serviço prestado foi zero, nem consegui falar com ninguém, nem uma cara que eu pudesse partir, nem uma orelha para desancar.
De regresso, chego a casa ligo o computador e vejo que o meu “wall paper” tinha sido sequestrado por propaganda a um anti-virus e o browser redireccionados para o “site” do tal anti-virus. Todas as mensagens me diziam que o computador estava em perigo mas o único perigo que eu sentia era o da insistência na cura que não me largava.
Não lhes conto mais detalhes, foi uma luta que durou 2 dias e terminou com a solução final: a formatação voluntária do meu disco e um novo início com perdas terríveis pelo caminho.
Mas aqui estou de novo, pronto para a luta, embora não tenha deixado de extrair ilações deste episódio insólito em que os deuses informáticos se zangaram comigo.
Depois eu conto.

2005-07-24

Palavras sábias


Caminante, son tus huellas
el camino y nada más,
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino
sino estelas en el mar...

Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre el mar.

Antonio Machado

Se nós fossemos como as formigas

Que bem correria este mundo global, cada um saberia bem o seu papel, a razão de ser da sua vida, nunca perguntaria o por quê de nada, olharia apenas para si e nunca questionaria o trabalho dos outros e a sua utilidade: “é para o bem de todos” diriamos.

2005-07-21

Qual é o espanto ?

Eu não tinha já dito que os seis anos no Banco de Portugal tinham deixado o Ministro exausto.
Que a sua reforma era a justa compensação desses esforço.
Puseram a trabalhar o velho reformado, o que é que esperavam ? claro que ele se cansou rapidamente.

2005-07-18

O argumento

Pacheco Pereira, na última “Quadratura do Círculo”, e noutras instâncias, procurou “demonstrar” a “falsidade” da interpretação de Mário Soares sobre o fenómeno do terrorismo utilizando a argumentação que resumo aqui, de memória:
“a pobreza e a exclusão social não tem nada a ver com o terrorismo, como insinua Mário Soares, porque, como se sabe, este terrorismo não é praticado por pobres e excluídos”
De facto, não restam dúvidas, que a prática desses actos tem mostrado um nível tecnológico, de organização e de envolvimento de meios, não acessível aos “deserdados da terra” e que é até de gente que está muito "in" sobre o que é a nossa civilização ocidental, todavia o modo como fundamenta a relação de causa e efeito, faz-me lembrar um episódio que se passou há vários anos, quando o fogo florestal ainda não era uma indústria:
Durante um incêndio, numa zona rural, alguns populares juravam ter visto o incendiário, que seria um rapaz jovem, desconhecido nas redondezas, e que trazia um boné. Alguns partiram mesmo à procura do tal jovem que acabaram por encontrar, perseguiram e arrastaram preso para junto das autoridades. Quando a GNR quis registar os testemunhos que incriminavam o rapaz, ninguém se prontificou a assinar os autos:
De facto o jovem era muito parecido com o incendiário que tinham visto mas na realidade não podia ser:
Este não tinha boné !

Chame o ladrão, chame o ladrão

Como dizia Chico Buarque de Holanda.
O Ministério da Administração Interna já deve estar a seleccionar candidatos, com cães de ataque, para formar um corpo civil de intervenção que possa reprimir a polícia quando esta proceder aos anunciados bloqueios da ou das pontes.
Se não, como é que vai ser ?

2005-07-13

Está-me a parecer que o rei vai nu !

Pois é, estou a vê-lo de longe, a passar lá em baixo, tenho muita gente à frente, mas a ideia que me dá é que o rei vai nu. Ponho-me em bicos dos pés, dou uns saltinhos e não é que tudo se parece confirmar: vai nu sim senhor ! Ou então tem uma roupa muito transparente.
Até que, ao meu lado, ouço uma voz tímida a dizer também: o rei vai nu ! está aqui, basta seguir o link. Ganhei coragem para dizer o mesmo em voz alta.

De facto, o respeitável Banco de Portugal, primeiro engana-se nas contas, e confessa que também se enganou noutras estimativas. Agora vem dizer que PIB vai crescer só 0,5% e porquê ? essencialmente por razões estruturais da nossa economia, diz.
Ouviram bem ? por razões estruturais, mas tão estruturais que há apenas uns meses ainda não se manifestavam, no tempo em que o PIB ia crescer 1,6% (mais de 3 vezes mais), segundo pensava o mesmo Banco de Portugal, ou será que então o Banco ainda não tinha dado por elas, pelas tais causas estruturais.
Eu é que fico sem saber se é um número ou outro ou ambos ou nenhum.
Por estas e por outras começo a dar razão ao “mal criado” amigo do meu filho que costuma dizer:
- O défice o quê ?, vai pr`o caralho !
Só que para alem do “défice o quê ?” posso dizer também “o PIB o quê ?” ou “a inflação o quê ?” ou seja que indicador for saído daquela veneranda instituição.
Ai Greenspan que falta cá fazes !

Preocupante

É saber que, muito provavelmente, serão alguns dos muitos jovens agora chumbados a matemática no exame do 9º ano, que irão fazer os cálculos da minha reforma

2005-07-08

A coisa

Por vezes, creio que quase sempre, há sempre alguém que já disse melhor aquilo que queremos dizer.
Aqui fica um ”poste”, publicado em 1834 mas que continua a aplicar-se hoje:

Imagine-se um rico fabricante que está a fazer grandes negócios, e com o qual eu quero concorrer. “Muito bem”, diz o Estado, “não tenho nada a objectar à tua pessoa como concorrente.” “Pois”, respondo eu, “mas preciso de espaço para construir, preciso de dinheiro!”, “É pena, mas se não tens dinheiro, não podes concorrer. E não podes tirar a ninguém o que é seu, porque eu protejo e privilegio a propriedade.” A livre concorrência não é, de facto, livre, porque me falta a coisa mesma que me permite entrar nela. Contra a minha pessoa, não há nada a objectar; mas, como não disponho da coisa, também a minha pessoa tem de desistir. E quem é que tem a coisa indispensável? Talvez aquele fabricante, e então eu podia tirar-lha! Mas não, porque o Estado é que é o seu proprietário, e o fabricante apenas vassalo, aquele que tem a posse dela.
A minha tentativa não deu resultado com o fabricante; por isso, vou fazer outra, concorrendo com aquele Professor de Direito. O homem é um idiota, e eu, que sei cem vezes mais do que ele, vou-lhe esvaziar o auditório. “Ouve lá amigo, fizeste estudos e tens graus?” “ Não, mas que importa isso? Sei mais do que o suficiente para ensinar a matéria.” “Tenho muita pena, mas a concorrência aqui não é livre. Nada contra a tua pessoa, mas falta-te a coisa, o grau de doutor. E eu, o Estado, exige esse grau. Se me pedires com bons modos, veremos o que podemos fazer por ti.


Stirner, Max: “O Único e a Sua Propriedade”

2005-07-06

Porque será ?

Que eu tenho a sensação de que o TGV e a OTA são umas entidades míticas, tipo deuses no Olimpo, que são invocados de tempos a tempos para salvar o país mas que não vêm nunca.
Eles lá vão repetindo como as crianças:
- Até agora foi a brincar, não valeu, mas agora é mesmo a sério, agora é que é.
Mas como é que hão de vir, pois, se não existem na realidade !
Talvez, se fizermos “muita força” e fecharmos os olhos, eles se materializem, mas receio bem que, se isso acontecer e como é costume, eles se mostrem bem mais feios e impotentes do que a nossa imaginação os concebia.
Talvez seja melhor deixá-los no Olimpo.

2005-07-05

O cu da terra

Eu não sou, de modo nenhum, especialista em mudanças climáticas, tema que irá também ocupar o G8 amanhã.
Todavia, não sou também um total leigo, tenho alguma formação, vejo debates, tenho conversado com especialistas e leio o que vou encontrando sobre o assunto. Sei o suficiente para saber que se sabe ainda muito pouco disto, muito menos do que a opinião pública e os media supõem.
Começa logo pela questão central, a própria noção de temperatura da terra.
Na realidade a terra tem muitas temperaturas a cada momento: agora, à hora em que escrevo, estão 27º em Lisboa, 24º no Porto, 12º em Anchorage no Alasca e 5º em Chepes na Argentina e isto para falar apenas de zonas habitadas, as amplitudes totais, a cada momento são enormes..
Qual é então a temperatura da terra ? a tal que está a aumentar, na verdade ninguém sabe exactamente, há apenas diferentes métodos e critérios, todos polémicos, para encontrar esse número.
É por isso que achei imensa piada quando vi numa comédia televisiva onde se discutia esta magna questão, alguém dizer que tinham, metido o termómetro mesmo no cu da terra.
Ora aí está, eis a solução do problema, basta encontrar o cu da terra e acaba-se a questão.
Será que alguém me pode ajudar com esta informação ?

2005-07-02

Reflexões sobre a idade

Numa referência na RTP 2 a amantes do “rectro gaming”, que até têm já uma organização internacional, quer dizer que há muitos que pensam assim, assisti interessado a uma reportagem onde se expressaram (jovens ?) estariam no escalão etário entre os 27 e os 35 anos, amantes dos jogos do ATARI e Commodore, que tinham alegrado as suas infâncias.
Do venerável Spectrum, sempre evocado, falaram já com o respeito devido a um ancião notável; talvez o início de tudo, mas que já não era das suas relações mais directas.
Diziam que a simplicidade visual e auditiva desses jogos arcaicos tinham “uma magia” que os atraía imenso.
Eu, que sou mais velho e sage, penso o mesmo do pião, das caricas e do berlinde, que geraram na minha infância sensações e estados de alma que nenhum jogo de consola ou computador pode reproduzir.
Estou convencido que as crianças de hoje, quando virem os seus filhos brincarem num jogo virtual a 3 dimensões, vestidos de capacete e armadura irão também recordar-lhes com saudade os encantos das “play station”.
É que, na verdade, a “magia” de que falavam não está na tecnologia nem nos jogos em si, a “magia” está simplesmente dentro de nós mesmos e nesse momento da vida em que todos somos mais humanos ... a infância.

2005-07-01

Não sei por que razão

Alguns jornalistas lembraram-se agora de confirmar todas as continhas dos diversos relatórios financeiros que por aí circulam ameaçadores e que todos pensávamos que, vindo de onde vinham, mais a mais com a ajuda dos computadores o máximo que poderiam conter seria algumas pequenas diferenças nos arredondamentos.
E não é que logo às primeiras cavadelas encontraram minhocas, desvios de milhões
Primeiro no orçamento rectificativo, como se lembrarão e agora, no próprio relatório Constâncio, esse mesmo, o produzido por aquelas sumidades de rara competência e que se matam a trabalhar ao ponto de receberem logo que ficam completamente exaustas, ao fim de poucos anos, umas, vamos lá, suficientemente confortáveis reformas.
O Governo ainda se justificou mais ou menos bem, dizendo qualquer coisa como isto:
- Nós até topámos o gato antes de vocês e tratámos logo de o corrigir mas, também, o que é que querem ?, isto é um orçamento feito, em tempo recorde, em cima de outro orçamento (de merda) além de que o erro até foi apenas num quadrito acessório, sem grande relevância que, por isso, ficou para o fim nas nossas verificações.

Agora o Banco de Portugal não deu o braço a torcer e o que consegui perceber foi que o erro foi num sentido mas recaiu sobre umas estimativas que eles acham que estão pouco realistas pelo que uma coisa dá para a outra e não muda nada do essencial, o défice estimado era de 6,83 e com erro ou não continua nos 6,83.
Ou seja:
- O erro não tem iportância porque veio a afectar umas estimativas, também elas erradas, tanto faz e acabou a discussão e mais nada e é o que a gente já disse e prontos !?

2005-06-29

Referendo sobre o aborto

Sócrates defende o referendo em 2005, Marques Mendes em 2006, eu, cá por mim, 2002 é que tinha sido um ano bonito, até era capicua.
Agora, não sei o que lhes diga sobre esta momentosa questão, 2005 ?, 2006 ?, pelo meu critério seria 3003 mas já devemos estar todos mortos por essa altura.
Graças a Deus temos os nossos políticos a queimar os seus neurónios com estas grandes questões nacionais:Que ano escolher, carago.

2005-06-28

Afinal foi falso alarme

Pois é, a deslocalização do nosso Estado, como noticiei no último poste, já se não vai concretizar.
Segundo as nossas fontes bem colocadas, não houve um só país que aceitasse a instalação do nosso Estado.
- Para merda já basta a que temos, penso que chegou mesmo a dizer o Primeiro Ministro de um dos países contactados.
Rapidamente teve de se passar ao plano B, que segue:
Como todos sabemos e não se cansam de nos lembrar, os nossos políticos ganham uma miséria e isto impede a atracção dos mais capazes e competentes.
É aliás por esse motivo que temos a classe política que temos ou, como dizem os americanos, quando se paga com amendoins não se pode esperar mais do que trabalho de macaco.
Por outro lado, temos um funcionalismo excelente, como todos sabemos também, e isto apenas porque são regiamente pagos, como nos recordam diariamente, permitindo atrair assim os mais competentes.
Ora deste modo a bota não dá com a perdigota e, como os tempos não estão famosos, não sendo possível equiparar tudo por cima, só resta uma solução: equiparar tudo por baixo, levar definitiva e absolutamente a mediocridade ao poder e à administração.
É aliás esta súbita mudança estratégica que explica os erros, perdão, as incorrecções apresentadas no recente orçamento rectificativo.

2005-06-24

Segundo fonte bem colocada.

Cresce em círculos ligados ao Governo a ideia da sua deslocalização para um país do Leste da Europa ou, eventualmente da Àsia, seguindo os múltiplos exemplos da economia privada e a fim de beneficiar da mão de obra barata aí praticada.

- Na Eslováquia, por exemplo, podemos beneficiar de um funcionalismo público, extremamente competente e de grande produtividade, sem os custos exorbitantes do funcionalismo português.
Nesta época de globalização e de novas tecnologias de informação, nada impede a gestão do país à distância permitindo a resolução definitiva do insuperável problema do défice.
O Património que não poder ser transportado será vendido em hasta pública.
A educação poderá recorrer à telescola e, para as forças de segurança, bombeiros e serviços afins que exijam a presença física de funcionários tiraremos partido da directiva Bolkestein, e pensamos utilizar, por exemplo, uma polícia Romena.
Também para o combate à evasão fiscal pensamos contratar fiscais Finlandeses ou Suecos.

Disse-nos a fonte bem colocada.

Entretanto os sindicatos ligados à função pública parece que já estão a organizar piquetes para impedir a saída do vasto equipamento e arquivos das diferentes repartições e serviços.

- Eles podem ir para o raio-que-os-parta mas nem um agrafador há de sair daqui.

Confidenciou-nos um dirigente sindical, também bem colocado.

2005-06-21

Será que eu é que estou maluco ?

No seu artigo de opinião, publicado hoje no DN, Joana Amaral Dias combate a intenção de se criarem círculos eleitorais uninominais com o seguinte raciocínio que transcrevo:

“Este método é a pior forma de regionalização possível, porque o candidato eleito representa os interesses do seu eleitorado e não obrigatoriamente do seu partido (e muito menos do país).”

Pois é Joana, eu é que não estava a ver bem a coisa, imagina a nossa desgraça quando os deputados começarem a defender os interesses de quem os elege, era só o que faltava !

2005-06-20

Por uma questão estatística

Porque a qualidade não se impõe por si, necessariamente.
Pelo que me ensinam a experiência e as pérolas que vou encontrando, por vezes no meio do mais fétido lixo.
Vivo a angustia de saber que a melhor música ainda não a ouvi, o melhor filme ainda não o vi e o melhor livro ainda não o li e, mais do que provavelmente, nunca os descobrirei.

2005-06-19

O fracasso da Cimeira Europeia

José Sócrates, comentando o fracasso da cimeira europeia referiu que os países europeus não se libertaram de uma visão egoísta da Europa e limitaram-se a considerar o que cada um pode ganhar ou perder com a decisão tomada.
Vendo-o tão consciente desta verdade, pressuponho que essa pouco relevante questão não ocupou demasiado o espírito de Sócrates durante a negociação.
Antes assim.

2005-06-16

De Álvaro Cunhal que dizer ?

Foi um homem notável, mesmo admirável, contudo não encontro os adjectivos necessários para explicitar a razão de o considerar assim.
A Coerência que se lhe atribui muitas vezes, ainda que seja uma virtude rara, muito rara hoje em dia, não é necessariamente boa: Hitler também foi coerente e, muitas vezes essa mesma coerência pode diluir-se legitimamente na teimosia ou caturrice.
A Inteligência que nele era notória é o produto de um mero acaso genético, por si não dignifica o homem.
Há também a verticalidade, que tinha decerto, mas que traduz uma noção de contornos vagos.

Enquanto procurava as palavras adequadas para dizer aqui porque admiro Álvaro Cunhal, ouvi alguém, creio que Rosa Lobato Faria, lembrar palavras de Sá de Miranda que na sua linguagem poética dizem muito mais do uma estrita análise semântica sugere.
Creio que ela as dedicou a Eugénio de Andrade mas, para mim, vão direitinhas para Álvaro Cunhal.

Homem de um só parecer,
Dum só rosto, uma só fé,
Dantes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte homem não é.

2005-06-12

“Private Joke”

Não sou amante da praia, ainda que goste do mar, aquelas longas horas silenciosas, que passamos seminus, voltados todos para o mesmo lado, de olhos fechados ou olhando um horizonte longínquo, suados, picados de areia, torcendo os corpos, para encontrar uma posição com um mínimo de conforto, ora deitados, ora sentados ou, poucas vezes, deambulando sem objectivo perceptível, faz-me questionar sempre que sentido faz tudo aquilo.
Mas seja lá por que razão for, a praia parece fascinar muita gente e quando sou “forçado” a acompanhar os meus, nunca deixo de me vingar do facto, comentando para quem me acompanha:
- Olha em volta e diz-me se toda esta gente, esfarrapada, de ar triste (porque na praia a maioria tem sempre um ar sisudo e triste), sentados ou deitados lado a lado, sem trocar uma palavra, não se parece mais com um grupo de refugiados, sem abrigo, num campo de concentração, do que o de alegres veraneantes ?
Se isto é uma “private joke” que repito sempre que me encontro nessa situação, ao ver ontem as imagens da polícia de intervenção, em Carcavelos, armada de metralhadoras e calçados de pesadas botas guardando os banhistas, pareceu-me que a minha “anedota” se começa a transformar numa imagem assustadoramente real.

2005-06-10

Referendos

Em Portugal, e não só, a figura do referendo, ao contrário do que se possa pensar, não visa dar ao povo a capacidade de decidir em questões concretas, não senhor, o que se pretende é apenas a legitimação de políticas já decididas.
E este equívoco é encarado da forma mais natural, ao ponto de se discutir os recentes casos francês e Holandês não como uma decisão legitimamente tomada mas antes como um embaraço processual ao qual ninguém sabe ainda como dar a volta.
Note-se que apesar da minha insistência nesta incoerência democrática, o meu coração até pende mais para o sim a esta carta constitucional, mas isso é uma questão comigo mesmo, apenas.