2005-08-31

Pontos de vista

Tem vindo a lume a notícia de que, possivelmente, o modelo Marraquesh da VW vai ser construído na Autoeuropa.
Não obstante a empresa ter decidido fabricar este modelo na Alemanha, só o fará, se os operários alemães aceitarem baixar os seus salários ou, em caso negativo, a fabricação mudará para Portugal onde, ainda assim, se paga um pouco menos aos operários portugueses.
Os nossos media e os trabalhadores da Autoeuropa têm a esperança que, talvez as negociações com os seus colegas alemães abortem e as perspectivas para o seu futuro se tornem mais risonhas.
O que é uma luz ao fundo do túnel, para nós, é uma espada sobre a cabeça dos alemães.
Imagino que na Roménia e alhures sigam com o mesmo interesse e torcendo para que não haja acordo, as negociações que conduzem ao encerramento de fábricas em Portugal e a sua deslocalização para esses países, mandando os nossos trabalhadores para uma semimiséria mas abrindo um caminho de esperança para eles.
De facto o grito “Operários de todo o mundo uni-vos”, já era.
Agora é mais “Salve-se quem puder”.
Isto digo eu facilmente, dado que o Marraquesh não me aquece nem me arrefece.
Rima e é verdade.

2005-08-28

Uma interessante questão semântica

A seca que, de tempos a tempos, vivemos em Portugal é muito perniciosa para a agricultura em geral e muitíssimo para a produção pecuária.
Todo os sistema de produção se desorganiza, não há pastos capazes e, se for o caso, têm que se comprar rações e nutrientes específicos que não seriam necessários normalmente e os custos de tudo isto podem ser muito significativos.
Naturalmente os agricultores querem partilhar estes custos com a sociedade, dizem: “não vêem como isto está ? querem continuar a comer borregos e queijo a preços razoáveis, têm que nos ajudar”.
A SIC, como os média em geral, vive num mundo encantado, onde as alegres ovelhas correm e saltam em prados verdejantes e bebericam agua de algum riacho e, estando o tempo de seca, logo as vê lacrimejantes procurando o seu sustento por entre as pedras e percorrendo quilómetros desesperadamente à procura de água perecendo, por vezes, nessa aventura. Morrendo à sede.
Esta forma de ver o mundo convém, naturalmente, aos agricultores que dão assim um toque emocional à defesa das suas carteiras e, de tempos a tempos lá temos imagens dessas ovelhas mortas ... à sede !.
Na realidade, enquanto as modernas máquinas tendem a “animar-se”, como tenho referido nalgumas crónicas, os animais domésticos, pelo contrário, e devido sobretudo a intenso “melhoramento” genético, tendem a “desanimar-se”, são, cada vez mais máquinas de fazer carne, leite e lã, desde que se meta comida, água e medicamentos, por um lado. Nada romântico, mas verdadeiro.
Os animais domésticos só bebem a água que lhes dão, se não lha derem morrem de facto à sede, mas qual o criador que lhes nega agua ? Antes de chegar a uma situação tão dramática, prefere, naturalmente abater o animal e quanto mais não seja, comer um belo ensopado.
Falando neste registo o Sr Ministro da Agricultura profere a frase do escândalo: “nenhum animal morre à sede na nossa lavoura”
A SIC fica estupefacta: “como assim ?, se as coitadinhas nem acham água com esta intensa seca”.
Corre a perguntar aos agricultores, estes, que perceberam bem o que o Sr. Ministro disse, e não lhes convém nada esta descida à terra, tratam de rasgar as vestes, ranger os dentes e alimentar o sonho, e lá vêm imagens de ovelhas mortas num ambiente hostil e o público confirma que o Sr. Ministro é uma besta insensível.
Só que todos os dias morrem ovelhas por causas ditas naturais, acidentes, infecções não detectadas, indigestões, envenenamentos, doenças diversas, isto com seca ou sem seca e assim será enquanto a genética não lhes tirar completamente a vida.
Assim se misturam dois mundos semânticos.
Uns falam em alhos e outros em Bugalhos.

2005-08-27

As listas negras de companhias aéreas

O capital que controla os Estados fortes e os seus aparelhos ideológicos, passa por cima de tudo e de todos para defender os seus interessesinhos.
Mais se justificava que Moçambique e todos nós interditássemos os voos da Air France.
Afinal, poucas companhias aéreas ceifaram tantas vidas duma vez só como a Air France com o seu Concorde.
Um pouco mais de vergonha na cara por favor.

2005-08-24

Provérbio que o povo ainda não inventou

"Em terra de zarolhos quem tem os dois olhos limpa sanitas."

2005-08-23

Quando assisto aos noticiários

Ouço sempre este murmúrio:

No céu cinzento
Sobre o astro mudo
Batendo as asas na noite calada
Vêm em bandos, com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada.

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada

Como saberão, é um velho tema de Zeca Afonso, escrito ainda na “noite fascista”, mas, para mim, nunca esteve tão actual como agora.

2005-08-22

A corrida eleitoral

Há livros fabulosos (poucos) que, de uma maneira simples conseguem transmitir simultaneamente muitas mensagens para diferentes leitores.
As histórias de Alice, no país das maravilhas e por trás do espelho, são dois desses livros, para todas as idades.
Para ilustrar esta minha opinião e pelo prazer que proporciona lê-lo, deixo aqui um pequeno trecho sobre a “corrida eleitoral” que os personagens fantásticos decidiram fazer para se secarem de um banho forçado nas lágrimas de Alice.
Escolhi este por me ter parecido muito adequado ao momento que começamos a viver agora em Portugal no ano de 2005.

- O que eu ia dizer – disse Dodó, ofendido, - era que a melhor coisa para nos secar seria uma Corrida Eleitoral.
- O que é uma Corrida Eleitoral ? – inquiriu Alice, não tanto por querer saber, mas porque Dodó se calara como se pensasse que alguém devia falar, e mais ninguém parecia disposto a dizer fosse o que fosse.
- Ora, a melhor maneira de explicar é fazê-la – respondeu o Dodó. (E como vocês poderão querer experimentá-la, num dia invernoso, vou contar-vos como procedeu.)
Primeiro, desenhou uma pista de corridas, numa espécie de circunferência (“não interessa a forma exacta”, disse ele), e depois colocou cada um deles num ponto da pista. Não havia nenhum “um, dois, três, já”, mas principiava-se a correr quando se queria, e desistia-se também quando apetecia, de maneira que não era fácil de perceber quando terminava a corrida. Todavia, após terem corrido cerca de meia hora. E estarem de novo secos, o Dodó gritou de repente:
- Acabou a corrida !
E todos o rodearam, ofegantes, a perguntar: - Mas quem é que ganhou ?
O Dodó só pôde responder a esta questão depois de pensar longamente, e permaneceu durante muito tempo com um dedo apoiado na testa (a posição em que se costuma ver Shakespeare, nos retratos), enquanto os outros aguardavam em silêncio. Por fim, disse:
- Ganhámos todos e todos devemos receber prémios.

Lewis Carrol – “As aventuras de Alice no País das Maravilhas”

2005-08-21

Crónica do quotidiano

Termino o meu almoço de Domingo, só eu e a Fátima, com as notícias da SIC como pano de fundo.
O almoço esteve óptimo, frango de tomatada com batatas fritas às rodelas, batatas pequenas, velhas, que tinham de se comer antes de que se estragassem e o frango, que estava divinal, de tomatada, para o que contribuío o “tomate frito”; não sabem o que é ? é natural, nunca o vi à venda em Portugal, apesar de ser um produto de consumo de massas, não chegou ainda cá, faz parte das minhas compras, em quantidades industriais, sempre que dou um salto a Espanha.
Imagino que seja como os nossos vulgares tremoços. Em Portugal há-os por todo o lado e até são baratos mas nunca os vi em mais parte nenhuma do mundo, tirando alguns PALOP. Pobre de algum Sueco que seja amante de tremoços, deve sofrer...
Tive, aliás, um amigo inglês na minha juventude, o David, o seu pai era da marinha e ensinou-lhe o que Lisboa significava para si nas suas passagens por este porto: sardinhas e tremoços, isso tornou-se numa obsessão para David em Lisboa.
Enquanto vagueio o pensamento ouço na SIC que morreu o tal golfinho de que falei no último poste, isto apesar da competência e zelo do Zoo Marine que até já salvou uma tartaruga que nada agora feliz nas Caraíbas ou sítio parecido, dizem-nos.
Espero que o golfinho descanse em paz e nós também.
Recosto-me, saboreando aquele bem estar; um bom almoço também é psico-activo. Ensombra-me apenas a perspectiva de ter de me levantar, participar no arrumo da mesa.
Olho a televisão e falam-me de incêndios, gente desesperada correndo de um lado para o outro, impotentes para conter aquele castigo terrível que lhes destrui as vidas, apelando para tudo e para todos.
São as notícias que estou a ver e ouvir, o país real. Onde estarei eu então ? gozando o meu conforto ? num país irreal ? Que posso eu fazer por essa gente ?
Esta dicotomia incomoda-me, não tenho o direito a estar feliz quando me mostram aquele sofrimento e aquela realidade e, se não ma mostrassem, será que ela deixava de existir ?
Recordo-me que também eu já vivi situações em que os meus apelos desesperados são apenas escutados por gente mais preocupada em digerir bem o seu almoço e isso revoltou-me e fez-me pensar como as pessoas podem ser tão cegas à realidade.
Agora, estou eu deste lado, cego à realidade. Será ? ou será, pelo contrário que estou muito atento, à realidade, à minha realidade, à única realidade verdadeira para mim.
Pensando nisto, preparo-me para me levantar da mesa, quando me pergunta a Fátima:
- Então, não tomas o teu café ?
Esta questão trouxe-me verdadeira e definitivamente à realidade.

2005-08-19

Publicidade

Para alguns o significado desta palavra identifica-se com todo o “marketing”, para outros com uma parte deste, a promoção, mas na realidade para compreender o “marketing” precisamos utilizar a sua linguagem própria e aí o termo publicidade tem pouca serventia.
Publicidade recobre duas noções distintas: a de “advertising” que corresponde aos anúncios que vemos na TV, rádio, jornais, “outdoors” etc e a que poderemos, talvez, chamar em português publicidade paga e a de “publicity” que corresponde a eventos, notícias, entrevistas etc., referentes à empresa ou produto que se pretende promover, notícias essas que na realidade não pagamos directamente e poderemos, talvez chamar de publicidade não paga.
Conseguir a “publicity” não é tarefa fácil, porque não está directamente ao nosso alcance, embora seja naturalmente almejada por todos.
Algumas empresas, porém, por razões “misteriosas”, têm uma constante atenção mediática, que correspondem a ofertas de “publicity”, totalmente injustificadas e tão forçadas que roçam o escândalo: é o caso do “Zoo Marine” que, volta e meia, como hoje, capta a atenção dos média com golfinhos, supostamente salvos pelas suas “mãos hábeis” e que são depois acompanhados mediaticamente durante vários dias em horário nobre até à morte habitual do animal, certamente por excesso de atenção.
Já não há pachorra para isto.

2005-08-16

O chapéu de Bono

Estávamos em pleno PREC, corriamos para uma importante reunião na Casa do Povo do Ladoeiro. Em causa os eternos conflitos de interesses em torno da reforma agrária, que dividia o povo ao meio naquela região Beirã.
No caminho cruzámo-nos com o carro de uns colegas (da Administração) que voltavam em grande velocidade a caminho do hospital de Castelo Branco.
“O que se passou ?” perguntei eu, “uma confusão, está um ambiente de cortar à faca, o Capelo foi agredido e vai para o hospital, não vão lá sem a GNR” foi o que nos disseram.
Mas nós éramos então jovem e, um pouco inconscientes, “não há de ser nada” pensámos.
De facto não foi nada, as pessoas receberam-nos civilizadamente e a reunião decorreu sem mais sobressaltos.
Viemos a saber então o que se tinha passado com o Capelo:
“O homem entrou na Casa do Povo de chapéu na cabeça”, disseram.
Assim foi, Capelo, anacronicamente, usava sempre chapéu e entrou na reunião com o dito na cabeça.
Uns anos atrás, teria sido considerado um capricho do Sr. Engenheiro, afronta que o povo suportaria em silêncio, comentaria em privado e classificaria definitivamente o Sr. Engenheiro Capelo de mal criado, mas naquele tempo não, o povo é quem mais ordenava e não faltaram as vozes de “tira o chapéu”, num coro crescente, a que Capelo, na sua pose altiva de funcionário do Castelo, não obedeceu.
Até que alguém, mais afoito, se chegou a ele e com um gesto brusco lhe fez saltar o chapéu da cabeça. Capelo reagiu violentamente e o povo perdeu a cabeça e desancou o Engenheiro que teve que ser levado, pelos seus colegas presentes, a correr para o hospital.
Para justificar a sua acção, ao contarem-nos esta história disseram-nos:
“A Casa do Povo é como uma Igreja. Se na Igreja um homem de chapéu afronta Deus, na Casa do Povo afronta o povo”
Mesmo nesse momento quente da nossa história recente, quando se vivia uma profunda desagregação de valores, havia comportamentos simbólicos que mantinham o seu papel identificador.

Lembrei-me desta história que vivi, quando vi Bono, com o seu enorme “stetson” na cabeça, a ser condecorado por Jorge Sampaio.
Entristece-me este laxismo, esta falta de vergonha na cara, este achar tudo natural e engraçado, este gozo com símbolos nacionais.
Se a condecoração já foi mais do que duvidosa, naquelas condições foi repelente e creio que desvaloriza toda a “Ordem da Liberdade”, todos os que receberam já e todos os que a irão receber.
Foi um ultraje.
Eu, senti-me afrontado, como Português, e sei que muitos mais sentiram o mesmo, apesar de que na minha volta pelos jornais e pela blogosfera, não tenha detectado uma única referência ao caso.

Lamento que ninguém do protocolo lho tenha tirado, á força se preciso fosse. Era o mínimo.

2005-08-15

Ao ir mais longe

Ou ao ficar para trás
Ou ao lado
É indiferente ...
Fica-se só !

"Eu queria gostar das revistas e das coisas que não prestam
Porque são muito mais que as boas
E enche-se o tempo mais !"

Almada Negreiros (Cena do Ódio)

2005-08-12

From gosties and goolies ...

Modernamente, como nunca antes, a tecnologia é complexa e pluridisciplinar.
Enquanto há pouco tempo as máquinas estavam à nossa escala e se não as dominávamos podíamos encontrar alguém que o fazia, agora, um simples telemóvel ou computador com acesso à net, não há ninguém, literalmente ninguém, capaz de os dominar na totalidade. Alguns sabem bastante de um ou outro pequeno aspecto dessa tecnologia mas ninguém a domina totalmente sozinho.
Este facto, como ouvi há dias exprimir por um investigador português, confere um caracter “mágico” a essa tecnologia, como se ganhasse vida autónoma e tivesse os seus caprichos, já não sendo regida pelas leis da física.
Assim, curiosamente, voltamos, por excesso de civilização, a reviver velhos sentimentos mais medievais que nos levavam a abençoar o forno antes de fazer o pão e a culpar os nossos pecados pela má colheita, a chuva, a seca ou a doença.
É certo que ainda não fazemos benzeduras ao computador ou ao telemóvel, embora tenhamos já certos rituais e mezinhas, que alguém nos ensinou, e que talvez levem à cura das doenças ou comportamento estranho que essas máquinas por vezes têm. Às vezes resulta, outras não, e geralmente não sabemos porquê ou porque não, nem o que realmente estamos a fazer.
Dantes dizia-se:
“Vai ao cemitério, em noite de lua cheia, reza o responso de Santo Ildefonso 3 vezes, e enterra junto a um carvalho um lenço velho”
Hoje é mais isto:
“Quando aparecer aquela mensagem, carregas em control t, fazes 3 tabs, insert e page down e o problema desaparece.”, “ok, vou experimentar” e resulta.
Estas reflexões tomaram conta do meu espírito quando vivi aquela aventura que descrevi uns postes abaixo.
Toda a nossa ciência e arrogância é impotente perante as incongruências e a irracionalidade aparente deste “Brave new world”.
Em breve teremos que reeditar novas fórmulas de protecção perante a moderna tecnologia semelhantes aquela velha recomendação para viajantes utilizada na velha Inglaterra:
“From goasties and goollies and long legged beasties and things that go pump(ing) in the night, may the Lord protect us”
Se calhar, talvez nem precisemos de reinventar nada e esta mesma ainda nos sirva.

2005-08-09

Nagasaki

Comemora-se hoje a tragédia provocada pela bomba nuclear lançada sobre Nagasaki.
Há dias houve comemorações semelhantes em Hiroshima.
Sabemos que houve centenas de milhares de mortos nesses atentados contra humanidade.
Sabemos que não foram Ben Laden nem Sadam Hussein os responsáveis que aliás andam ainda a monte.

A indústria dos incêndios

Os incêndios fazem parte do ecossistema mediterrânico, sempre houve e haverá incêndios mas não é nada disto a que temos assistido ano após ano.
E as receitas que nos têm dado e que são muito boas para o controlo dos incêndios normais não resultam nem servem para a escala que se tem verificado.
Podem limpar muito bem cada centímetro de floresta, não acender um único cigarro, deixar de deitar foguetes e fazer fogueiras e passaremos a ter muitos, muitos incêndios em vez de muitos, muitos, muitos incêndios.
Felizmente há mais gente que vê isto claramente, está tudo aqui neste artigo de José Gomes Ferreira da SIC, chamado precisamente “A indústria dos incêndios” que, pela sua importância, para além do link, eu transcrevo aqui.


A indústria dos incêndios

A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.

Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:
1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país. Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios. Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo.

José Gomes Ferreira

MATRIX

O Semiramis é um Blogue interessante.
Eu gosto muito do Semiramis.
O Semiramis tem muito boa escrita, clara, com um toque de humor e pode também dizer-se que é extremamente “rigoroso”.
Isto, naquele mesmo sentido em que o Dr. Ferreira da Quercus é “rigoroso” quando nos diz categoricamente coisas do tipo: “a temperatura em Portugal vai subir 4,7 graus nos próximos 20 anos”.
Só que o Semiramis é ainda mais rigoroso do que o Dr. Ferreira, não faz afirmação que não apoie com referencias bibliográficas e isto apenas quando a não ilustra com bonitos quadros e gráficos.
O Semiramis não se define ideologicamente, mas mostra-se ultra-liberal. Tem uma fé inabalável no mercado e acha que o Estado é a fonte de todos os males.
O Semiramis é, para mim, claramente anarco-mercantilista.
Ler o Semiramis é extremamente aprazível e educativo.
Vem isto a propósito de uma interessante e bem humorada opinião, que o Semiramis manifestou há tempos (Poste “Conversas de fim de semana” de 3 de Julho de 2005), a de que Ana Sousa Dias tem o condão de transformar em ectoplasma os seus entrevistados e que o próprio Professor Marcelo já começava a dar sinais desta metamorfose.
Para os leitores menos versados nas “ciências ocultas” eu direi que ectoplasma é, mais ou menos, uma suposta manifestação material de um ser espiritual, tal como um rasto viscoso que dizem ser deixado por alguns fantasmas.
Depois de ler isto eu passei de facto a ver o Professor Marcelo, aos domingos, como um ser etéreo, irradiando um halo de luz e deixando escorrer como uma substância, um discurso viscoso que se vai aproximando de um discurso real e sobre a realidade.
De facto, também, todos os entrevistados de Ana Sousa Dias têm essa aura de gente que não existe neste mundo real, cru, previsível, traduzido e explicado pelos números da economia, que nos incomoda todos os dias e onde ao dizerem-me e demonstrarem-me que estou em crise eu passo a sentir de facto a crise ainda que a minha vida esteja tal qual como “dantes no quartel de Abrantes”
Ao assistir ontem à fabulosa entrevista de Ana Sousa Dias a Godlieve Meersschaert tocou-me uma inspiração Divina:
Olhe que não Semiramis, olhe que não, a realidade hoje é como o mundo do “MATRIX”, os ectoplasmas somos de facto nós e muito em particular o Semiramis e o seu mundo de números e gráficos a que falsamente chamamos realidade, os entrevistados da Ana Sousa Dias são apenas gente real, são mesmo “a gente real” que nós, fantasmas, olhamos com estranheza.
Eu, por mim, ando a tentar saltar para o lado de lá.

2005-08-07

A escolha não é difícil

Disse Jerónimo de Sousa, referindo-se à escolha do candidato do PCP ou da CDU à Presidência da República.
Esta declaração, que ouvi repetidamente, chocou-me um pouco, intuitivamente penso que Jerónimo de Sousa deveria ter dito “a escolha não é fácil”.
Vejamos os factos:
Ninguém terá dúvidas que seja quem for que o PCP escolha independentemente não será nunca um candidato vencedor, isto independentemente de merecer sê-lo ou não.
Neste caso, Jerónimo de Sousa falou verdade, a escolha não é nada difícil, basta sortear alguém entre um número anónimo de indivíduos que poderia incluir mesmo um cão ou um macaco. Dado que o objectivo não é claramente alcançável qualquer candidato serve.
Mas poderá dizer-se isto à comunicação social, assim, confessar à partida que tudo isto é uma farsa, julgo que não. Seria talvez para o Louçã dos velhos tempos ou para qualquer partido fora do sistema, por exemplo o eterno candidato, sempre presente e sempre ausente, o candidato Vieira dos “Ena pá 2000”.
Porque o disse então ? Jerónimo de Sousa, terá todos os defeitos mas não é, manifestamente parvo.
Claro que o que ele queria dizer, e deixou implícito, é que o PCP, na sua Direcção tem tanta gente capaz de preencher o cargo que pode fechar os olhos e apontar que sairá um bom candidato. Não é difícil escolher, portanto.
Mas mesmo assim foi incorrecta a declaração. Banalizar a escolha real, que todos suspeitamos irá ser Carlos Carvalhas.
Quando tornar pública essa escolha dará a ideia de que foi este mas poderia ter sido qualquer outro porque tem muitos e bons, enfraquecendo-o à partida.
Está claro, para mim, que ainda que seja a escolha mais fácil do mundo, para quem está dentro do sistema, o que se terá de se dizer sempre é que é muito complicado, face à suposta importância do lugar em causa: Presidente da República, a escolha, mesmo que seja entre os mais brilhantes candidatos e até por ser entre os mais brilhantes candidatos, deverá ser sempre de grande transcendência e dificuldade e tanto mais quanto mais simples for.
A língua tem muita importância, essa é que é essa.

2005-08-05

Lucidez

O Homem perdeu a sua capacidade de prever e de prevenir.
Acabará por destruir a terra.


Albert Shweitzer

Ao abrir da manhã

Ouvi uma notícia que me acompanhou todo o dia embora a não tenha ouvido mais:
Em Setúbal, um polícia suicidou-se na sua viatura da polícia, tendo deixado escrita uma mensagem que dizia: “Adeus reforma”
Se eu fosse jornalista acho que não tinha largado este caso.

2005-08-04

Uma aventura real na sua virtualidade

Nesta minha deambulação pelo país, por locais onde não tinha acesso à net, a chegada ao Hotel Lamego e a visão, logo à entrada, de um cartaz dizendo que ali era um ponto de acesso à wlan Vodafone, fez-me lembrar as maravilhas deste “Brave new world”.
Na recepção deram-me um folheto que explicava tudo, apenas um senão, era caríssimo: 5 Euros por uma hora, 20 por 24 ou 30 por 72 horas.
Resolvi experimentar uma hora para ver como era. Segui as instruções religiosamente, enviei um e-mail pedindo a “password” para uma hora e obtive a resposta num abrir e fechar de olhos.
Depois, começou o pesadelo, o sinal era fraquíssimo, não conseguia sequer entrar na rede e o tempo passava.
Mas tudo isso estava previsto, havia um número de socorro: liguei, responderam-me que tentasse mais tarde porque as chamadas eram muitas, o tempo passava, por mais 3 vezes deram-me a mesma resposta até que por fim recebi o mais confortador “aguarde que a sua chamada será atendida dentro de 5 minutos”.
Deram-me então música entrecortada a cada 10 segundos por um “não desligue”, ao fim de uns 20 minutos o telemóvel desliga-se sozinho. Volto a tentar e recebo esta mensagem “o teu saldo yorn não permite fazer esta ligação”.
Resumindo, puseram-me de “tanga” cibernética ou mesmo sem tanga, tiraram-me até ao último cêntimo do telemóvel, para além dos 5 Euros da internet e o serviço prestado foi zero, nem consegui falar com ninguém, nem uma cara que eu pudesse partir, nem uma orelha para desancar.
De regresso, chego a casa ligo o computador e vejo que o meu “wall paper” tinha sido sequestrado por propaganda a um anti-virus e o browser redireccionados para o “site” do tal anti-virus. Todas as mensagens me diziam que o computador estava em perigo mas o único perigo que eu sentia era o da insistência na cura que não me largava.
Não lhes conto mais detalhes, foi uma luta que durou 2 dias e terminou com a solução final: a formatação voluntária do meu disco e um novo início com perdas terríveis pelo caminho.
Mas aqui estou de novo, pronto para a luta, embora não tenha deixado de extrair ilações deste episódio insólito em que os deuses informáticos se zangaram comigo.
Depois eu conto.