2006-07-31

Consciência profissional

O mesmo Professor, citado num poste anterior, despedia-se sempre assim dos seus alunos finalistas, na sua última aula:
- Ide ajudar os ricos a serem mais ricos e os pobres a serem mais pobres !

2006-07-30

Estou como a Europa

E como grande parte do resto do mundo.
Estou aqui calmamente a jantar, estou a ver aqueles dois cães engalfinhados que já conheço de outros jantares.
Tento concentrar-me na minha refeição, mas os cães perturbam-me, ladram, ganem, vão esfolando a mobília e derrubando mesas na sua luta..
E há crianças no restaurante, daqui a pouco talvez alguém se aleije a sério.
Tento não ver o que se passa e vou pensando que alguém tem que pôr cobro àquilo.
Não sei bem que cão terá razão, parece-me que ambos têm os seus pontos de vista, de qualquer forma não têm nada a ver comigo.
Ouço vozes a gritar:
- Vá “judeu” aperta-lhe a garganta, arruma com ele !.
E outras não se ficam atrás:
- Anda “palestiniano” não te deixes abater !
Pressinto que corre dinheiro de apostas sobre as mesas.
Olho para os cães:
Um é de raça pura, tem um pelo lindo, e tem a força e todas as técnicas de combate, o outro é um rafeiro valente, sujo e andrajoso como aquele “cão de ataque” dos “Amores Perros”, ninguém dava nada por ele mas tinha um coração de gigante e não se vergava nunca.
- Será que estes cães não têm um dono que ponha ordem nisto ?
Penso eu, tentando não olhar.
Começo a ouvir crianças a gritar. Crianças que os pais vão retirando da mesa para as proteger.
Alguém vai se aleijar por certo.
Começo a estar farto.
Não tarda nada levanto-me e nem pago o jantar.
- Chega porra será que ninguém vê que isto não é tempo nem lugar para estas coisas ? isto ainda vai acabar mal !

2006-07-27

A regra de Ouro

Como dizia sabiamente um velho Professor de “Reading”, que infelizmente não conheci pessoalmente, a Regra de Ouro é:
“Quem tem o ouro faz as regras”.

2006-07-25

A vida

É a grande aventura de cada um

A Senhora Ministra da Educação

Maria de Lurdes Rodrigues parece-me uma ilha de bom senso rodeada por um mar de mediocridade.
Sabe o que quer e quer o que é necessário: escolas que eduquem as crianças e jovens e não um somatório avulso de professores, bons, mais ou menos, maus e péssimos, cada um por si.
Não a vi no parlamento mas chegaram-me os ecos da sua presença aí.
Atirada aos grunhos, naturalmente, saíu suja e aleijada.
Espero que sobreviva, não é certamente única mas pertence a uma categoria cada vez mais rara.

2006-07-24

O abrupto assalto ao Abrupto

Como terão reparado ao aceder à página, ou lido ou ouvido nos media, de vez em quando, o conhecido blogue Abrupto deixa de ser o Abrupto mas outra coisa qualquer que se apresenta no seu endereço.
É chato como o caraças e não tem graça nenhuma.
Não creio que haja motivações políticas ou ideológicas para atacar o Abrupto, a haver as suas intenções deveriam ser explicitadas e até se poderia gerar alguma polémica interessante, mas não, terão escolhido o Abrupto, e ao que parece apenas o Abrupto, só por ser mais mediático, ter muitos visitantes diários e toda a gente conhecer o seu autor.
Assim, sempre que o assunto é comentado os piratas rebolam-se de prazer alarve.
É pouco, é muito pouco, é só estragar para nada.
Deixem os nossos cantinhos em paz, por favor, isto está visto e não nos alegra.

2006-07-20

Não gosto do Cavaco

Na realidade não sem bem porquê, será uma questão de pele, como se ouve dizer, mas os contactos das nossas peles, a terem existido, terão sido muito fugazes, talvez um rápido aperto de mão tenha existido mas sem me deixar nenhuma impressão ou mesmo memória.
É talvez aquela ausência do “risório de Santorini” como muito bem lembrou o Professor Amaral Dias no seu efémero blogue. Na verdade, não sei porquê, nunca votei em Cavaco e não penso nunca votar em Cavaco.
Tanto mais estranho é que, na verdade, não tenho nada de mal a apontar ao homem, antes pelo contrário.
Penso que a sua passagem por Primeiro Ministro correspondeu ao "período de ouro" do nosso desenvolvimento “relâmpago”, pessoalmente nunca fui tão bem tratado como no seu consolado e, ainda que o veja obcecado pela Economia, noto que tem desta a visão de uma ciência para servir os homens e não aquela visão vigente de um monstro caprichoso e de mau feitio que nos berra e lança as suas garras quando não fazemos todas as suas vontades.
Neste novo período de Presidente, só tenho a dizer bem dele.
Primeiro, a sua chamada de atenção para os excluídos, para os vomitados pelo tal monstro económico, que até aqui não tinham preocupado ninguém, a tal “escumalha”.
Depois, este pequeno recente episódio em que pôs os pontos nos ii sobre o controverso investimento do TGV: “tem que se estudar muito bem para ver até que ponto isso vai melhorar a qualidade de vida dos portugueses”.
Nem mais, não falou em empresas de construção, empórios financeiros, negócios de terrenos. prestígio nacional, nada disso, focou apenas o essencial: o bem estar dos portugueses.
Bem haja.

2006-07-18

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

PEÇA EM 3 ACTOS

ACTO 1
Polónia, sala de aulas. Na mesa um professor, especialista internacional de desenvolvimento, acompanhado de uma jovem intérprete de francês para polaco. Na assistência 37 quadros médios polacos.
Professor - Le développement soutenible ....
Intérprete – roswój .. ah, ah (baixo para o Professor) Développent soutenible ? je ne connais pas...
Professor (baixo para a intérprete) – mais vous connaissez le verbe soutenir, non ?
Intérprete – Bien sure, mais développent soutenible je ne connais pas.

ACTO 2
Mesa de esplanada, o Professor e o seu colega francês, conversam tomando cervejas.
Professor – Mon interpretre ne connaissais pas le concept de développent soutenible.
Colega – mais bien sure, ça n`existe pas en français.
Professor – Mais il existe développement et le verbe soutenir, non ?
Colega – Oui mais il ne existe pas soutenible, c`est soutenable.
Professor – Ah, bon c`est développement soutenable, donc, je n`irais pas oublier.
Colega – Non, non, il y a développent et soutenable mais pas de développement soutenable, vos comprenez ? C´est développement durable.
Professor – Mais ça n´est pas la même chose, soutenable et durable.
(A conversa continua em volta destas noções de sustentável e durável e a sua adequação ao desenvolvimento)

ACTO 3
Quarto de hotel. O Professor, deitado na cama, continua a discorrer sobre o sustentável e o durável desprezando a “pobreza” da língua francesa.
Professor (pensando alto) – Sustentável pressupõe uma acção positiva para que se mantenha, durável pode ser qualquer coisa desde que aguente.
No entanto sustentou-se o Vale do Ave e tantos outros projectos de desenvolvimento que bem cedo chegaram ao seu fim, no fundo, no fundo, os franceses têm razão. o que é preciso é que seja durável, apenas, de qualquer forma.
Será ?
Nesse momento ocorreram-lhe as palavras de Pessoa no talvez melhor poema do mundo escrito no século XX: “Tabacaria”

...Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas...”

2006-07-12

O dilema de Portugal

Há dias, já não me lembro qual “opinion maker”, creio que um dirigente patronal, resumia assim o dilema de Portugal:
Os portugueses podem querer a sardinha assada, o vinho, os feriados, as pontes e o futebol, porque é uma opção legítima, o que não podem é, ao mesmo tempo, querer ser como os suecos e ter os seus salários e o seus benefícios sociais e o seu modo de vida.
Estou inteiramente de acordo, só que esse “opinion maker” não disse ou não percebeu ainda é que os portugueses, em geral, o que querem mesmo é a sardinha assada e que se lixem os suecos, quem quer ser como os suecos é só ele o tal “opinion maker”.
É este divórcio entre as elites e o povo que torna Portugal ingovernável e é isto mesmo que escreve Rui Ramos hoje no Público no seu excelente artigo de opinião “O ódio ao futebol”.
O link fica aqui embora, infelizmente, o acesso seja só para quem paga ao Público (à sueca).

O título de destaque do DN “on-line” de hoje

“Teixeira dos Santos garante que o apertar do cinto vai continuar” !
Que alívio ! Eu que receava que as calças me caíssem posso agora sossegar: o Ministro garante que o cinto vai continuar apertadinho.

2006-07-10

A “inexplicável marrada” de Zidane

Parece-me transparente como a água.
Um jogador de topo a nível mundial, que carregue aos seus ombros toda a França, que vai aguentando, tão estoicamente como pode, toda pressão física e psicológica dos seus adversários para não falarmos da inveja dos “amigos”, que melhor altura teria para ajustar simbolicamente as suas contas, de toda uma vida, do que os últimos minutos da sua carreira.
Já não prejudica a França nem ninguém, senão muito marginalmente, já não tem nenhuma carreira a defender, já não tem nada a provar nem nada a perder.
Feio, terá sido, mas que lhe deve ter sabido muito bem, não tenho quaisquer dúvidas.

2006-07-08

Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão...
Tudo esvaído Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...
Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá Carneiro

Interpretando o que muitos sentimos agora

2006-07-06

Rescaldo do mundial

Portugal teve 5 vitórias e uma derrota, a França teve 4 vitórias e 2 empates, numa prova por pontos ainda estávamos à frente mas como não é, ficamos todos tristes excepto os comerciantes de mobiliário de Paços de Ferreira que vêm assim afastada a necessidade de devolver o dinheiro das mobílias compradas recentemente como haviam prometido fazer no caso de Portugal ser campeão.
Ufa ! Que grande susto! Pelo menos salvou-se a economia local.

2006-07-05

A “saga” dos magriços

Agora que tanto se tem falado desse episódio longínquo de 1966, gostaria de dar também o meu testemunho do facto.
E posso bem fazê-lo porque o vivi “in loco”, em Inglaterra, onde, com os meus 16 anos passava umas férias escolares num campo de trabalho, apanhando morangos e bolbos de túlipa.
Os campos de trabalho eram os “Erasmos” daquela época, a oportunidade para um jovem correr mundo sem arruinar o orçamento familiar.
Naquele tempo eu era como Pacheco Pereira, não queria saber de futebol, as minhas preocupações passavam mais pelas jovens “Suecas”, companheiras de trabalho e que designo entre aspas porque algumas delas não eram de facto Suecas, as míticas, eram apenas “gajas” porreiras de diferentes nacionalidades, livres da moralidade então vigente na nossa longa noite “fascista”.
No fim do período de trabalho passei uma semana em Londres, gastando os lucros da operação, dormindo em “pousadas da juventude” e percorrendo a cidade. Foi no período exacto em que decorria o Campeonato do Mundo de Futebol de 1966.
O que foi para mim notável, foi que Portugal, nessa época era, para os ingleses um país obscuro, velho aliado, sabiam da história, mas meio pateta e analfabeto, todavia, com os crescentes sucessos de Eusébio e companhia, saltou de repente para as luzes da ribalta.
Passei a ser melhor olhado na cidade, mas o mais significativo foi que todas as lojas, grandes e pequenas, começaram a colocar letreiros nas montras dizendo “fala-se português”.
De onde viria esse súbito conhecimento da nossa língua que parecia não haver cão nem gato que não a falasse ?
O meu divertimento e do meu colega Miranda que compartilhou comigo esta aventura, foi o de entrar em todas as lojas com o tal letreiro e “exigir” falar em português.
Foi aí e então que comecei a perceber os mecanismos do “espectáculo”.
Na realidade eram poucas as lojas onde tinham alguém que falasse a nossa língua, aparecia-nos de tudo, desde o “Sim, temos um funcionário que fala português mas hoje, infelizmente não veio” até ao caixeiro que tinha passado as últimas férias no Algarve e sabia dizer “bom dia” e “obrigado”, passando pelos que falavam algum espanhol (para eles mais ou menos a mesma coisa que o português) e até um ou outro, raríssimo, que de facto falava português.. Portugal, naquele momento entrou no mapa para os ingleses e, queiram ou não, foi o futebol que fez esse milagre.

2006-07-04

Exames

For some reason my most vivid memories concern examinations. Big amphitheater in Goldwin Smith. Exam from 8 a.m. to 10:30. About 150 students-- unwashed, unshaven young males and reasonably well-groomed young females. A general sense of tedium and disaster. Half-past eight. Little coughs, the clearing of nervous throats, coming in clusters of sound, rustling of pages. Some of the martyrs plunged in meditation, their arms locked behind their heads. I meet a dull gaze directed at me, seeing in me with hope and hate the source of forbidden knowledge. Girl in glasses comes up to my desk to ask: "Professor, Kafka, do you want us to say that . . . ? Or do youwant us to answer only the first part of the question?" The great fraternity of C-minus, backbone of the nation, steadily scribbling on. A rustle arising simultaneously, the majority turning a page in their blue books, good team work. The shaking of a cramped wrist, the failing ink, the deodorant that breaksdown. When I catch eyes directed at me, they are forthwith raised to the ceiling in pious meditation. Windowpanes getting misty. Boys peeling off sweaters. Girls chewing gum in rapid cadence. Ten minutes, five, three, time's up.

Vladimir Nabokov
(entrevista à Playboy – 1964)

2006-07-01

Lá comemos os bifes

Mas tinham muito nervo.

A aristocracia e o povo

Li algures que a “nobreza”, a “educação”, o “chá”, enfim espero que se perceba o que quero dizer, estão nestas duas pontas da estratificação social: na aristocracia e no povo.
Pelo meio está esse vasto mundo da “burguesia” do “dinheiro” do “status” com um esquema de valores inteiramente diferente.
Eu, que sou do povo, por acasos da vida, de quando em vez viajo de avião em “1ª classe”. Digo 1ª classe porque é assim que o povo chama e conhece aquelas designações de “business”, “executive” e expressões equivalentes que usam as burguesas companhias aéreas, politicamente correctas.
Esta situação aconteceu-me hoje no meu regresso da Ilha Terceira, onde estive na passada semana e, nesta curta viagem de duas horas, aconteceram-me duas insólitas situações que passo a relatar:
Para os “burgueses”, meus companheiros de 1ª classe, como mesmo para aqueles que não viajam em 1ª classe, o cúmulo do prazer em viagens de avião parece ser o de se reclinarem nas cadeiras até ao limite mecânico destas e isto independentemente de se levantarem das ditas cadeiras com uma enorme frequência, talvez para irem, dezenas e vezes às casas de banho.
Na 1ª classe a principal vantagem que se tem, nestas viagens curtas, é precisamente o espaço e a distância entre filas que é considerável. Pois, não obstante esta distância considerável o meu companheiro da frente após várias tentativas que começaram com o avião ainda no terreno, conseguiu reclinar-se de tal maneira que derrubou uma garrafa que estava sobre a minha mesinha, a talvez uns 80 cm de distância das suas costas, quando direitas.
Depois, houve este diálogo, quase textual, entre mim e a hospedeira:
- Com o café gostaria de beber uma água ardente, pode ser ?
- Água ardente não temos, só Cognac.
- Cognac está óptimo, aliás não é mais do que uma água ardente.
- Sim, de certo modo.
Pouco depois, vem o Cognac e esta declaração que me imprimiu tendências assassinas, diz-me ela assim:
- Peço desculpa de não ser branco mas não há Cognac branco !
Apeteceu-me responder-lhe:
- Sim, sim, é o cognac e o guarda-chuva da minha enteada !
Mas fiquei simplesmente saboreando o meu cognac e meditando sobre o estranho mundo que se passaria naquela linda cabecinha.