2005-11-28

Este país não estaria melhor

Se Sócrates fosse apenas um venerável filósofo Grego ?
Se Cavaco não fosse mais que aquele excelente crustáceo açoreano semelhante à lagosta ?
Se Mário se limitasse à condição de canalizador em jogo de computador ?
Se Alegre fosse só o estado normal da nossa população ?
Se Jerónimo referisse exclusivamente um antigo e muito notável Chefe Índio ?
Se Louçã não se substantivasse e se limitasse à sua condição de adjectivo significando “ornado, enfeitado” ?
Se Partido não fosse mais do que quebrado ?
Se PS não significasse mais nada do que “post scriptum” ?
Eu acho que sim.

2005-11-27

Portugal

Ouço dizer que não sei que legionário ou historiador romano, referindo-se aos nossos avós lusitanos tê-los-á classificado como um povo que não se deixava governar nem se sabia governar sozinho
Eu confesso que esta observação, feita certamente com grande desprezo por nós e com o intuito de nos colocar ao nível das bestas, desperta em mim um imenso orgulho nacional.
O gajo topou-nos bem, o malandro do romano, só que apesar de tudo, cá continuamos há quase 900 anos, mesmo sem nos sabermos governar, o que é um facto indesmentível, e até contribuímos para esta abominável civilização global, muito mais do que a maioria dos povos deste mundo, mesmo os que mais partido tiram dela, o que também é inegável e é precisamente essa contradição que me fascina, essa capacidade de vivermos entre a miséria e a maior grandeza, ao mesmo tempo e igualmente bem.
Partilho com Agostinho da Silva uma certa ideia “messiânica” de Portugal, ou talvez não, a única coisa de que estou seguro é de que pertenço e me identifico com um país singular, único, diferente de todos os outros.
Para meu próprio proveito irei deixar aqui, de tempos a tempos, algumas peças para este “puzzle” que não está ainda perfeitamente elaborado na minha cabeça.

2005-11-24

Discurso esotérico

Eu, que escolhi viver na margem, vou dar hoje um mergulho mesmo no âmago do “main stream”, apenas porque tenho a coisa.
A água vai estar fria e é, naturalmente, pouco profunda.

2005-11-20

A greve dos Professores

Não foi no Uíge em Angola, foi em Carmona, no Estado de Angola e se bem que geograficamente não haja diferenças entre estes dois locais elas existem e são necessárias para precisar o contexto.
Como de costume, passava as terdes de fim de semana no aeródromo, confraternizando com os pára-quedistas amadores e beberricando cervejas no bar do aeródromo.
Naquele dia, enquanto conversava numa mesa, um rapaz lavava energicamente os largos painéis de vidro que separavam o bar da esplanada.
Terminada a tarefa, surgiu a patroa para apreciar o trabalho feito e, ainda que todos nós víssemos vidros limpos, resplandecentes, ela apenas via grandes manchas de sujidade, não sei bem se no vidro se na sua cabeça: “este trabalho está uma porcaria”, disse, “não mereces o que comestes, hoje não te pago”. O rapaz calou-se, pesou o semblante mas resignou-se e eu percebi como é tão natural quebrar contratos quando se tem toda a força e o poder na mão.
Aliás esta prepotência é velhíssima ainda mesmo antes de Labão, pai de Raquel, serrana bela, e persiste ainda com naturalidade quando Sócrates diz aos funcionários públicos “O vosso trabalho é uma porcaria, estão a arruinar o Estado, têm de trabalhar mais 5 anos antes de se reformarem”. Nós, também não gostamos mas calamo-nos, para quê refilar se são eles que têm toda a força e o poder.
Foi assim interessado que vi os professores passarem à acção, julgando eu que para combater a prepotente alteração de contrato decidida pelo Governo, mas não, segundo o que fui ouvindo, a questão principal não era essa, antes pelo contrário, o grande motivo de descontentamento era uma simples medida racional do Governo: que professores disponíveis na escola substituam os seus colegas que faltem ainda que noutra matéria ou com outra actividade.
Os Professores parece que têm uma concepção da educação aos quadradinhos, no horário de inglês não se pode aprender matemática ou filosofia, ou vice-versa, só a matéria que estava previamente definida, parece que o cérebro dos jovens não capta a essência da “química” nas horas em que se preparou previamente para os segredos da biologia, prevista no horário.
Afinal é isto que apoquenta os professores, ora que porra !

2005-11-13

Um facto indesmentível

Apesar de tudo, Nossa Senhora de Fátima é muito mais mediática e atrai muito mais gente do que a Madona.

Subscrevo

Penso que este texto de Miguel Sousa Tavares merece ser lido, mesmo por quem não compra o Público.
Aqui fica:

Viva Campo de Ourique!
Miguel Sousa Tavares
Tarde na manhã de sábado vou ao mercado de Campo de Ourique, um quadrado ocupando todo um quarteirão e com entradas por cada um dos lados dos pontos cardeais. Cheira a fruta e a legumes, ainda orvalhados da terra, cheira a cebolas, a coentros, a maçãs e a laranjas: nenhum supermercado cheira assim. Uma peça de fruta nunca é igual à outra, há que escolhê-las uma a uma, porque algumas têm bicho e outras não, algumas estão maduras de mais e outras ainda verdes. Saboreio este prazer de escolher peça a peça a fruta e os legumes, as saladas e os temperos, sem ter de levar, e sem poder escolher, embalagens já prontas de fruta asséptica e normalizada, legumes de sabor sempre igual trazidos de Espanha em camiões TIR pelas auto-estradas que construímos para lhes facilitar a vida. Aqui, até há pêras de Alcobaça, grandes e castanhas, em que se tem de pegar delicadamente para que o seu sumo não escorra pelas mãos, há tangerinas e laranjas que não vêm de Israel já com o selo colado na casca, mas dos pomares que ainda restam à volta de Lisboa, há uvas tardias, mas moscatel ou D. Maria genuínas, e não aquelas uvas monstruosas e que não sabem rigorosamente a nada, que vêm da África do Sul e que encontramos inevitavelmente, como sinal de boas-vindas, nos quartos de hotel em qualquer paragem do mundo. E há frutos secos a granel e a peso: figos, passas, castanhas, ameixas, amendoins, pinhões, nozes. E azeitonas verdadeiras e tremoços, meu Deus!Depois vou até às bancas de mármore das peixeiras, onde o peixe vindo de madrugada de Sesimbra ou de Peniche brilha com uma humidade prateada, misturada com uma quase imperceptível camada de gordura ainda à flor da pele, sinal iniludível da frescura do dia. O sol da manhã de Outono entra disfarçado pelas janelas altas do mercado e reflecte-se nos olhos dos peixes, que repousam nas bancas como se ainda estivessem vivos. E eis o peixe mais fantástico do mundo, esse verdadeiro luxo que ainda nos resta: pregados, linguados, imperadores, salmonetes, besugos, carapau francês, peixe-galo, garoupa, cherne, lulas e choquinhos com tinta: tenho pena do resto do mundo dito civilizado, onde nem sequer se conhecem os peixes pelo nome!Um bairro para viver tem de começar assim: com um mercado que é uma festa para os sentidos, um regresso aos sabores e aos cheiros que nos educaram. Campo de Ourique começa assim e continua depois, com tudo aquilo que faz deste bairro quase um milagre de espaço urbano perfeito: ruas largas, onde se passeiam casais, carrinhos de crianças e empregados no intervalo do almoço; comércio tradicional e personalizado, com algumas lojas ainda conhecidas pelo nome dos donos - a florista, o cabeleireiro, a loja de comida feita, o electricista, o oculista, a loja de ferragens, a papelaria-tabacaria, a casa das fechaduras, a loja de surf; e os cafés, com esplanadas conquistadas ao passeio e ao Millenium-BCP, com os seus quiosques de jornais cujos donos nos conhecem já tão bem que os dias nem sequer começariam sem o bom-dia deles. Campo de Ourique tem tudo isso, mais o jardim central, os seus pequenos restaurantes de culto, os seus excêntricos ou loucos já familiares a todos. Outras coisas felizmente não tem e muito do prazer de andar nestas ruas deve-se a essas ausências: prédios em altura e de fachadas preconceituosas, porteiros e seguranças de prédios, polícias de trânsito a tentar tornar a vida impossível. Aqui funciona como que uma auto-regulação da via pública, com um sentido natural de comunidade, em que ninguém se mete com os outros e toda a autoridade se torna dispicienda graças ao respeito mútuo pela liberdade de cada um. O melhor exemplo deste espírito de liberdade e tolerância mútua que aqui presenciei é um exemplo muito politicamente incorrecto, ocorrido manhã cedo, no café onde sempre tomo o pequeno-almoço. Uma senhora, cliente habitual, pediu um café e acendeu um cigarro. Nessa altura, um sujeito que eu nunca ali tinha visto e nunca voltei a ver, empertigou-se todo e, rico de novos conhecimentos adquiridos, interpelou-a: "Minha senhora, o cheiro do seu cigarro está-me a incomodar!" E ela, sem sequer se voltar, soltou de lado, mas alto e bom som: "Olhe, também o seu cheiro me está a incomodar, mas eu não lhe ia dizer nada." E o intruso saiu, de rabo entre as pernas e perante os sorrisos cúmplices dos habituées (oh, eu sei, um bando de selvagens!).Pensando na explosão de ódio e de revolta que agora se vive à roda das cidades francesas, naquelas comunidades inteiras de populações imigrantes que não se sentem ligadas cultural e afectivamente aos locais onde vivem, que vêem o bairro como uma prisão e a rua como um terreno de confronto, dou-me conta até que ponto Campo de Ourique (não sei se por gestação espontânea, se porque alguém planeou e previu bem as coisas) é um bairro modelar, em termos de integração social interclassista e intergeracional, de justo equilíbrio entre comércio, serviços e habitação, entre espaços públicos e privados. E, afinal, este tão raro exemplo de harmonia e qualidade de vida urbana não precisa de nenhuma grande construção de referência, nenhuma urbanização de encher o olho, nenhum centro comercial (antes pelo contrário, o segredo é não o ter), nenhuma piscina municipal nem pavilhão gimnodesportivo, nenhuma rotunda com canteiros e estátuas pseudomodernas, enfim, nada que encha o olho e que mostre dinheiros públicos ou fortunas privadas. Apenas bom senso, sentido de equilíbrio e proporção humana. Depois, as pessoas fazem o resto: andam na rua sem pressa nem atropelos, param para conversar à porta das lojas, saúdam-se nas esquinas, passeiam as crianças, os velhos ou os cães, namoram ou lêem o jornal nas esplanadas, almoçam a horas certas na sua mesa de sempre dos seus pequenos restaurantes, numa palavra, vivem a cidade, não se limitam a sofrê-la ou a passar por ela. Certamente que aqui também há gente triste, sozinha, com vidas terríveis. Mas, pelo menos, a rua não os agride: conforta-os, distrai-os e, acima de tudo, dá-lhes um sentido de pertença a uma comunidade - que hoje é coisa tão rara e tão preciosa numa cidade, como o são o peixe, a fruta e os legumes do mercado de Campo de Ourique.Sei que este texto pode parecer um bocado absurdo, no meio desta eterna agitação em que vivemos. Mas trata-se de uma dívida de gratidão para com o "meu" bairro, que eu precisava de saldar um dia. E também, já agora e aproveitando a oportunidade, trata-se igualmente de um apelo que faço a quem manda e a quem pode: por favor, não estraguem Campo de Ourique! Não é preciso muito: basta não fazerem nada.
Jornalista

2005-11-08

Óbidos

Fez uma aposta certeira numa das drogas legais, ao escolher o chocolate como base da sua estratégia de “marketing” territorial.
O festival do chocolate de Óbidos tornou-se já um acontecimento nacional que atrai àquela Vila, anualmente, milhares de visitantes.
Este ano decidiu ainda aliar o chocolate ao cinema, propondo-se apresentar várias figuras do mundo cinematográfico feitas em chocolate, branco ou castanho conforme o mais apropriado.
Um dos atractivos previstos será o de Marilin Monroe totalmente construída em chocolate.
Um só senão, parece que, mesmo assim, a organização não permite que satisfaçamos uma velha fantasia da minha juventude:
Nem assim podemos comer a Marilin Monroe ! Que pena !

2005-11-06

França

Tenho para mim que o caminho que o mundo trilha no início deste século XXI, será tudo menos sustentável.
Não obstante nós, que escrevemos e lemos blogues, podermos viver nalgum conforto, todos os dias nos vão entrando ao jantar pela televisão, alguns “fantasmas anónimos” tentando saltar os muros de Melilha, manifestando-se à frente de uma fábrica que fecha, chorando convulsivamente, tendo nos braços um filho morto por um mundo absurdo.
Esta é apenas uma minoria mediática do imenso exército de “escumalha” que esta civilização segrega.
É certo que tememos já o terrorismo anónimo e artesanal que nos tem apoquentado e, os mais pessimistas, vão já receando que esse terrorismo ultrapasse a sua fase artesanal e entre na era nuclear ou da guerra biológica, acabando definitivamente com a nossa paz relativa.
A insustentabilidade desta civilização parece-me transparente como a água, apenas me espanta que a reacção se tenha limitado a grupos mais ou menos sofisticados, meio inseridos no sistema, como a chamada “Al Caida”.
Certo dia, pude ver na tv uma interessante reportagem sobre jovens delinquentes que vandalizavam os comboios suburbanos de Paris:
Dizia um jovem: “estou desempregado, quase toda a minha família também está, onde moro não há empregos, para vir para o centro da cidade tenho que vir de comboio, como não tenho dinheiro para o bilhete o que quer que eu faça ?”
Apesar da reportagem mostrar as fugas aos revisores, os assaltos a cidadão pacatos para roubar uns cobres, e todo o antipático comportamento desses jovens, não pude deixar de pensar que o rapaz tinha razão.
Tão simples como isto: Onde está a saída ? Que solução tem esta civilização global para estas situações ?
Um dia isto tem de rebentar, pensei.
E rebentou, em França, a revolta dessa “escumalha” que quer deixar de o ser.
Penso que o que se passa agora em França só poderá repetir-se noutros lugares e aumentar de intensidade.
O que será quando toda essa gente ouvir a canção heróica de Lopes Graça e acordar ?

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raiz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

José Gomes Ferreira

2005-11-04

Bem me parecia !

Eu já desconfiava que aquele argumento, mil vezes repetido, por comentadores e políticos e até, sobretudo, por comentadores-políticos, segundo o qual o aumento das remunerações de gestores públicos e políticos é fundamental para atrair os mais qualificados, não é perfeitamente linear.
A minha desconfiança fundamenta-se em duas ordens de razão:
Em primeiro lugar a simples observação: vemos agora que as remunerações de políticos e gestores públicos têm aumentado muito significativamente, quer de forma directa quer indirecta, sem que se descortine a tal qualidade desejada, antes pelo contrário, (a má moeda tem, de facto, expulsado a boa).
Em segundo lugar o mero raciocínio lógico: A partir de certo nível o acréscimo de remuneração atrai, mais do que a qualidade, a mais sórdida ambição.
Lembro-me aliás de um interessante modelo formal apresentado pelo saudoso Professor Alfredo de Sousa que correlacionava os níveis de remuneração com os da produtividade, concluindo que essa correlação era positiva até certo limite (o que permite uma vida com um quotidiano confortável) tornando-se negativa a partir desse ponto.
Ou seja: o excesso de rendimento só parece ser útil se puder ser usufruído e, para isso, exige mais lazer (se não quando é que eu posso passear no meu iate ?) e consequentemente com menor dedicação ao trabalho que confere a dita remuneração.
Se esse excesso o permitir até poderei pagar a alguém para fazer o trabalho que eu deixo de fazer, remunerando-o ao nível que, no fundo, deveria ser o meu.
Por tudo isto quando ouço esse argumento de que os políticos e gestores públicos estão mal pagos, soa-me sempre a “canção do bandido” para levar discretamente a água ao seu moinho.
Mas isto sou eu que penso assim porque a generalidade dos media e da opinião pública tem tido este argumento como bom.
Foi assim com espanto que ouvi hoje o Sr. Ministro Alberto Costa dizer esta coisa espantosa:
- As defesas oficiosas que o Estado paga, a advogados, para assegurarem a defesa de cidadãos mais pobres têm sido muito deficientes, logo:
- Vamos reduzir a metade a dotação para o efeito.
Ao contrário do “coro” habitual o raciocínio de Alberto Costa é:
- Pague-se menos que tudo vai correr melhor !
E a verdade é que, desta vez. se arrisca a ter razão.

2005-11-03

Tempos estranhos !

People are crazy and times are strange
I am locked in time, I am out of range
I used to care but ... things have changed.

Bob Dylan

2005-11-01

Quotidiano

Na frente ocidental nada de novo
O povo continua a resistir
Sem ninguém que lhe valha.
Segue e trabalha
Até cair

Miguel Torga