2008-03-31

Uma achega ao 1º parágrafo do poste abaixo “Cesarianas”

Eu, como fitiatra de formação, comecei a minha vida profissional a testar "armas de destruição de massas".
O meu objectivo era cometer um "genocídio".
Os meus inimigos foram vários mas o mais importante, aquele que me deu mais luta foi o Stephanoderes hampei, a chamada broca do fruto do cafeeiro.
E constatei na prática aquilo que já sabia da teoria: na natureza não há nada que mate tudo, há sempre indivíduos que sobrevivem.
Sendo isto conhecido em toxicologia a unidades de medida de eficácia que se utiliza é a LD (Lethal dose, dose letal, em portugês) seguido de um número de 2 dígitos que indica a percentagem dos indivíduos que morrem quando sujeitos aquela dose. Trabalhamos assim com um LD50 ou com LD70 fazendo análises de custo benefício, mas nunca, para efeitos práticos, procuramos um LD100 porque sabemos que não existe ou melhor que existirá mas com um custo incomportável.
Quero com isto dizer que tudo é relativo e a natureza tem segredos ainda incompreensíveis, mesmo em sistemas biológicos muito simples como o daqueles pequenos coleópteros, que fazem com que haja sempre alguns que resistem a um processo que é letal para a generalidade da sua espécie.
E se isso é verdade para a sobrevivência também é verdade para a fragilidade, também há sempre aqueles que morrem sem grande razão aparente (porque aumentou de 1 grau a temperatura, por exemplo) em situações em que a generalidade sobrevive e por vezes também, pode ser precisamente aquele mais susceptível à temperatura o que vai resistir estoicamente a uma dose avassaladora de insecticida.
É esta diversidade individual que garante a sobrevivência da espécie com um todo.
E se virmos a cima da espécie também observamos o mesmo fenómeno, há espécies frágeis que se extinguem e outras que vão resistindo a tudo, como as baratas.
Creio que é fácil intuir que um dos segredos do sucesso da natureza é a diversidade.
Estes princípios também se aplicam ao homem como espécie, que se tem desenvolvido ao longo de milénios diversificando-se em raças e culturas, as mais diversas, para além das grandes diferenças individuais. É aliás para garantir essa diversidade que a natureza encontrou o sistema de reprodução sexuada.
É a tendência para a homogeneização que se tem verificado e que se acentua e a que chamamos também globalização, a criação da aldeia global, onde todos comem, bebem vêem, pensam as mesmas coisas que representa, para mim, a maior ameaça à espécie e ao nosso mundo.
Qualquer produto ou prática que se massifica é sempre virtualmente perigosa, sobretudo antes de serem aprovadas por várias gerações de utentes, sejam os transgénicos, os agro-químicos que eu ensaiei e que se não matam todos os que pretendem matar vêem a matar outros que não têm culpa nenhuma.
Por isto considero perigoso que as cesarianas se massifiquem e se transformem na prática normal de parto.

2008-03-29

As Cesarianas

É um caso exemplar das minhas grandes preocupações sobre o devir da civilização.
Quem pensa que será o aquecimento global ou a o terrorismo de base islâmica, que se desengane, essas, são questões “menores”, que a humanidade já enfrentou no passado sob diversas formas e já se saiu bem, com milhões de mortos, é certo, mas que já não nos incomodam nada. Safou-se e nós estamos aqui .
Quando a ameaça é óbvia, a sociedade de “Homo Sapiens Sapiens” tem encontrado facilmente soluções para as questões que estão ao seu alcance.
Agora as cesarianas que são uma prática ancestral de recurso para casos extremos, um verdadeiro hino ao domínio da razão dos homens sobre a natureza, que permite trocar as voltas ao “destino natural” salvando vidas, uma verdadeira prova da dimensão divina que nós somos também, quando passa de excepção a regra, de operação de recurso a operação de rotina só trás ao de cima a nossa dimensão animal de macacos que também somos.
A cesariana tornou-se confortável, um “win win game” ganham os médicos que dominam a técnica, cobram bem e reduzem os riscos, ganham as mães que sofrem menos, livram-se da praga bíblica, “parirás os teus filhos com dor”, aparentemente todos ganham, e mesmo para o bébé, o parto transforma-se num passeio.
É assim que vi com enorme espanto as estatísticas do hospital onde nasceu o meu primeiro neto um gráfico circular da sua “performance” onde apresentavam “orgulhosamente” uma percentagem largamente prevalente das cesarianas sobre os partos normais.
Vi também num programa da Ophra uma série de futuras mães referirem com descontracção o dia exacto em que os seus filhos iriam nascer.
Parece que a tendência é para que a cesariana se transforme no parto normal civilizado.
A questão é que sabemos pouco e se dominamos bem os processos biológicos mais aparentes, estamos ainda longe de dominar, por exemplo, o que se passa no cérebro daquela criança que nasce, mas já suspeitamos de algumas coisas. A ciência já conhece por exemplo o choque de DMT que é produzido pelo bébé naquele momento tão traumático, o que ainda não sabe é que importância que isso tem para o futuro daquela criança mas já suspeita que isso é muito importante e o mesmo se passa com outras moléculas endógenas.
Na verdade, estamos, de facto a abrir uma nova caixa de Pandora, o que dantes se diluía num mundo de diversidade e fazia parte do mistério que cada um de nós é, vai passar para o “main stream”, estamos a 20 anos de conhecer a primeira geração de filhos da cesariana.
Logo saberemos mais.
Muita gente tem já consciência deste problema, uns bem informados, outros apenas com aquele sentimento difuso de que isto não está certo.
Mas como combater uma prática que, à primeira vista, é útil para todos ?
A Sra. Ministra da Saúde está preocupada, bem haja, mas limita-se a dizer que o problema não pode ser decidido pelas mulheres futuras mâes, é já um passo em frente embora pense que confia demasiado na isenção e competência dos médicos.
De qualquer forma é um passo no sentido correcto.

2008-03-28

Como Portugal continua timorato

E muito à portuguesa, no fundo, está-se marimbando para tudo e limita-se a pensar “e depois o que é que os outros vão dizer ?” “ e se alguém leva a mal ?” e, sendo assim, não sabe nunca para que lado se há-de voltar, que posição há-de tomar no plano internacional e como essa tibieza me envergonha, como português, eu decidi prestar um serviço público patriótico:
Vou dar as tácticas:
Kosovo – Não reconheças
Jogos Olímpicos – Não boicotes
Tibete – Podes apoiar um processo que conduza à autonomia.
Não custa nada pá!

2008-03-27

O título do poste anterior

Também poderia ser:
“No meu tempo não soía tuar os professores”

Dá-me o telemóvel já !

Este episódio, insólito e caricato, que se passou numa escola do Porto e que fez correr rios de tinta esta semana, fez-me reflectir sobre um fenómeno corrente, talvez fruto da globalização que consiste na perda sucessiva do conhecimento ou do respeito por regras não escritas que desde sempre têm regulado a convivência entre pessoas na sociedade.
Dou um exemplo:
Desde pequeno que interiorizei um procedimento que, julgo, não estava escrito em lado nenhum mas que via ser reconhecido por todos e que consistia em, numa escada ou tapete rolante, manter-se à direita quem apenas queria ser transportadas pela máquina e, querendo caminhar fazê-lo sempre pelo lado esquerdo.
Este procedimento dava imenso jeito porque permitia respeitar os desejos de todos sem prejudicar ninguém.
Curiosamente agora, que o uso das escadas e dos tapetes rolantes é muito mais comum do que no meu tempo de juventude, precisamente quando essa regra faz mais falta, o que vemos é que muitíssimas pessoas não a conhecem ou conhecendo-a não a praticam e lá temos que nos submeter à vontade de quem vai à nossa frente, seja à direita, à esquerda ou no meio, ou fazer um percurso em ziguezague cheio de encontrões e “com licenças”.
Estas regras fazem portanto falta e se não são ensinadas em casa deveriam sê-lo, talvez na escola, ou ser fruto de uma auto-aprendizagem, cada vez mais difícil precisamente na medida em que é menos utilizada.
Também, um aluno de 15 anos, tratar por tu a professora não me parece aceitável e estará mesmo na base de comportamentos que hoje se estão a tornar muito vulgares e tornam a vida mais difícil.
A este propósito recordo o que se passou há anos, por altura do escândalo que envolveu Bill Clinton e a estagiária Mónica Lowinsky. Nesse tempo, tentando cavalgar nessa onda mediática, um jornalista confrontou Nelson Mandela com os rumores da sua ligação à viúva de Samora Machel.
Mandela replicou assim: “isso são perguntas que um jovem da sua idade não faz a pessoas da minha idade!” com esta resposta, invocando uma mera questão de educação, Nelson Mandela conseguiu encerrar logo ali o assunto, embora julgue que apenas o fez porque estava na África do Sul, julgo que esse tipo de argumentação não teria qualquer sucesso nos EUA com Clinton.

2008-03-24

Um verbo bonito

Todos nos lembramos de Camões: “Que não se muda já como soía
Mas li-o, de novo em Pessoa no “Livro do Desassossego” no seu prefácio: “porque a arte dos que escrevem em Orpheu sói ser para poucos.
Falo portanto no verbo soer que significa ter por hábito ou costume e que tão esquecido está na nossa língua.
Como o seu significado continua a fazer todo o sentido e mais vale recuperar um arcaísmo do que introduzir um neologismo, alem da beleza que o verbo tem, vou tentar não o esquecer e utilizá-lo sempre que precisar exprimir aquela ideia: “ter por costume”.
Como a sua conjugação pode pôr problemas, sobretudo pelas semelhanças que tem com ser e com soar deixo aqui um link para a sua conjugação completa.
Em resumo, o meu desejo é que soêssemos de novo utilizar o verbo soer.

2008-03-21

5 anos de ocupação do Iraque

Passados estes 5 anos parece que ainda há 2 cidadãos no mundo que insistem em achar que a ocupação foi justa, chama-se um Geoge Bush e o outro Pacheco Pereira.
Pacheco Pereira ainda argumente com as armas de destruição de massas, reconhece que de facto não foram encontradas mas os serviços secretos não mentem e, por isso, elas “existiam “ e a invasão justificava-se, o aparecerem ou não é mais ou menos completamente irrelevante.
George Bush porem largou esse argumento, para ele a invasão justificou-se para livrar milhões de pessoas de indizíveis horrores !
Que horrores ? perguntamos nós mas a resposta já foi dada “não digo, são indizíveis !”
Com estes sólidos raciocínios torna-se difícil qualquer contra argumentação

2008-03-20

Epitáfios

É talvez um tema lúgubre e desinteressante para muitos mas a mim sempre me interessaram os epitáfios, a arte de resumir numa pequena frase o que pode ter sido toda uma vida.
Nas minhas escassas visitas a cemitérios nunca deixo de ler todas as lápides que vou vendo e, na verdade, não costumo encontrar grande imaginação, mas por vezes, o encontro com uma só frase compensa-me de todo este esforço. Como esta que li há cerca de um ano em Mirandela e que ainda hoje me faz pensar:
“A esta nem Deus teve respeito”, quase me vieram as lágrimas aos olhos, que desespero estava ali oculto, e que coragem para escrever isto e publicá-lo assim.
Mas lembrei-me deste tema quando ouvi ontem nas notícias da morte de Arthur C. Clark o epitáfio que terá escolhido “Ainda não era crescido mas esteve sempre a crescer”. Grande epitáfio, sem dúvida, bem à altura do génio criativo de Clark e que eu gostaria bem de ter adoptado para mim se a minha imaginação o tivesse conseguido produzir mas eu já passei várias horas a pensar no assunto e nunca me ocorreu nada tão sublime.
Resta-me talvez aquele epitáfio que li numa entrevista de Luis Pacheco onde afirmou que o teria escolhido para si, é magnífico, como o autor:
“Aqui jaz fulano de tal, Está morto.”Se não o usaram no Luis Pacheco vou reservá-lo para mim.

2008-03-19

Ao meu pai

Hoje é o dia do pai.
Eu, apesar de ser pai e avô também tive um pai como toda a gente.
E que pai ! Morreu quando eu tinha 14 anos mas os meus filhos ainda “beberam” do muito que me ficou da memória dele e julgo que os meus netos ainda hão-de conservar algumas referências do seu bisavô.
Hoje só lamento não poder ter uma conversa serena com ele, conversa, que dado a fase da vida em que convivi com ele ainda não podia ter.
Como uma criança de 5 anos eu posso dizer agora, mas agora, com a minha maturidade, já sabendo bem o que digo, deixo aqui: o meu pai foi um santo e um sábio !.

2008-03-16

Matar o mensageiro

Quem conhece a condição humana, quem discretamente já observou brincadeiras de criança, onde a natureza humana se revela na sua maior pureza, ainda sem a complexidade que a sociedade vai impondo nas relações humanas, poderá imaginar facilmente o clima de abuso, de prepotência, em alguns casos de crueldade mesmo, que se passarão diariamente num ambiente onde de um lado está a razão e o poder, o bruto e o simbólico e, no outro, apenas a submissão também real e simbólica.
Refiro-me às prisões.
De vez em quando temos notícias desses abusos, Abu Graib, por exemplo, mas muitos outros aqui e em qualquer lugar do mundo.
António Pedro Doures é um Professor Universitário que tem dedicado grande parte do seu tempo a estudar a tortura (que ainda hoje persiste por todo o lado) e a situação do nosso sistema prisional e na medida dos seus meios tem procurado denunciar as situações que encontra e os abusos, de toda a ordem, que testemunha ou colhe de inúmeras denúncias que lhe são feitas sobretudo no âmbito da Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED) a que preside.
A sociedade deveria agradecer que alguém esteja atento a estas questões, que só se minimizam com um maior controlo social e regras internas que reequilibrem o poder e os direitos humanos, dentro das prisões.
Tal como as crianças de que falei acima precisariam da supervisão de um adulto responsável mas os guardas prisionais já têm idade para ser adultos e precisariam isso sim de um auto controlo e uma vigilância mútua. Penso que esse poderia ser um papel importante do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.
Porém, face a denúncias da ACED, este Sindicato não achou importante ou não pôde, desmentir as denuncias feitas pela ACED, limitou-se a reagir como parece que está habituada, reprimindo o incómodo, processando António Pedro Dores.
“Toma lá, para ver se te calas” parece ser só a linguagem que conhece.
Já vem de longe esta estratégia de esconjurar o mal matando o mensageiro!
Enquanto isto, o Professor continua na sua cruzada e aqui deixo a informação que poderá ser útil a quem partilha este tipo de preocupações.

2008-03-15

Uma grande intérprete

Acabei de ver na mezzo um concerto de Diana Krall.
Há tempos que gosto de ouvir Diana Krall sem que no entanto isso me tenha levado a comprar um único disco dela.
Não é uma extraordinária voz, não canta, ou pelo menos não lhe tenho ouvido, músicas originais, e sempre me questionei sobre o que é que me atraía nela.
Hoje percebi: Diana Krall é uma grande intérprete.
Interpretar bem uma música é uma qualidade rara, há muito quem cante bem, há mesmo quem tenha qualidades vocais capazes de transformar uma canção num espectáculo de circo, mas há poucos que saibam pôr nas palavras que cantam a emoção que elas sugerem, Diana Krall consegue-o, as músicas mais simples ganham com ela uma nova dimensão.

2008-03-13

O Dilema do Governo

Um Governo hábil como este a manejar os media, tem um dilema agora.
A manifestação dos professores foi magnífica, só quem não quis ver é que não viu. Pela sua dimensão, eliminou todos os argumentos usuais de que era gente manipulada, com interesses obscuros, a soldo dos que querem fazer retroceder o país para que o Governo não brilhe na senda das suas grandes reformas.
Foi um rugido enorme, os professores estão mesmo zangados, a sério, é inegável.
E agora José ? demitir a Ministra não dá, logo a seguir à saída da saúde era uma grande humilhação.
Não, a Ministra fica mas tem que ceder, sem que pareça nunca que cede.
E já a vemos a ceder.
A oposição que se está marimbando nos professores tanto quanto o Governo mas que quer cavalgar a onda da manifestação e todas as ondas que a levem para o poder, só sabe dizer:
- O Governo recuou, essa é que é essa !
O Governo reage como o meu neto Pedro de 3 anos se eu lhe disser:
- Pedro, tu recuaste!
Ele, não saberá o que é recuar mas, pelo meu tom suspeita que não é coisa boa e responde-me logo “não recuei nada” ou minto, Pedro não domina ainda o complexo sistema de conjugação verbal portuguesa, responde-me sim:
- Não recuaste nada !, instintivamente para salvar a pele.
Tal qual como o Governo e a bancada do PS fazem.

2008-03-09

O Movimento Esperança Portugal

Ouvi as entrevistas a Rui Marques sobre a fundação deste novo partido.
Ouvi e enquanto ouvia só me ocorria esta passagem do Apocalipse (3, 15-16)

“Conheço as tuas obras e sei que não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas como és morno e não és frio nem quente, vomitarte-ei da Minha boca”

2008-03-08

Navegando à volta de Shakespear

Shakespear é uma minha paixão antiga.
Aos 18 anos já tinha lido “Hamlet”, “Othelo” e “Macbeth” na língua original, com a peça numa mão e um dicionário na outra, dicionário que eu consultava quase linha a linha da peça.
Todavia li e percebi, pelo menos a meu modo. Sabia de cor vastas passagens, uma delas era a do famoso e magnífico solilóquio de Hamlet que começa assim: “To be, or not to be: that is the question...”.

Ontem, como tantas vezes actualmente, tive que me conformar (apenas com a retribuição de um sorriso irónico) com a arrogância ignorante que hoje enxameia a administração, hoje, pensei eu, não deve ser só de hoje, já Shakespear falou do assunto, recordo-me, mas onde ?
Primeiro ocorreu-me o discurso de Polónio a Laertes, de que me lembro vagamente mas depressa me ocorreu que não era ali, era no tal famoso solilóquio que já não sei de cor mas ainda sei de coração.
Procurei e achei, está nesta passagem onde Hamlet inumera os males do mundo:

“For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office, and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,”


Lembrei-me então da eternidade desta afirmação, creio que traduz também o espírito dos professores que hoje se manifestam em Lisboa, na marcha da indignação, exigindo uma coisa simples: “respeito”.
Pelo mesmo respeito que quero atribuir aos visitantes deste blogue, procurei uma tradução em português desse trecho que sublinhei.
Aí começou a aventura que quero aqui contar.
Há dezenas de traduções de Shakespear, todas boas e todas más, dependendo de como a cada um tocou o significado das palavras.
Dou um exemplo: o célebre “to be or not to be, that is the question” está consagrado em português como “Ser ou não ser heis a questão”.
Consagrado, disse, mas não, também há quem o rejeite: “Ser ou não ser, esta é a questão” diz alguém e tem o seu ponto de vista, heis remete-nos para “uma revelação”, apareceu aqui, vinda não se sabe de onde, não é isso que Shakespear disse, o que ele disse é que “esta é a questão”.
Estimulado por este ponto de vista, fui ainda mais longe, a questão? será que “question” é a “questão” em português ?
Eu sei que nalguns contextos isso é verdade, mas a nossa “questão” é semanticamente mais vasta do que a “question” inglesa engloba significados que em Inglês nos exigiriam outras palavras, como “issue” por exemplo.
Para mim, a tradução mais fiel será: “Ser ou não ser, é esta a pergunta”, perde poesia, talvez, para mim, é mesmo isto que ele nos queria dizer, para outros talvez não, mas, de qualquer modo, demonstra um ponto: não há traduções fiéis!.
Esta horas que passei na net em volta de Shakespear levaram-me ainda mais longe, não são só as traduções que colocam problemas é o próprio texto de Shakespear.
A dramaturgia de Shakespear não foi feita para ser lida mas para ser representada, e parece que há várias versões, umas mais longas outras mais curtas, par serem usadas conforme as audiências ou a reacção dessas audiências, há achegas que não se sabe bem se são de Shakespear se de algum actor que as acrescentou. Há os “in-quartos” e os “in-fóleos”, sobre os quais se debruçam, até hoje, grandes estudiosos da matéria e os textos que temos impressos não são mais do que aquilo que se fixou como sendo de Shakespear, até alguém descobrir que não foi bem assim.

Com tudo isto derivei do tema essencial, o que eu queria deixar aqui era a tradução do pedaço do solilóquio que destaquei acima, aqui fica uma versão que me satisfaz:

“O abuso do poder e a humilhação
Que do indigno o valoroso sofre,”


No entanto esta deambulação por Sakespear levou-me ainda mais longe e por caminhos inesperados, disso falarei depois.

2008-03-05

Cada vez estamos mais seguros

Diário de Notícias: O crime violento desceu 10% em Portugal
Jornal de notícias: A testemunha dos crimes da noite do Porto que morreu carbonizado num Ferrari há dias, afinal não foi assassinado, só foi vítima de um acidente.
Portugal Diário: o homem esfaqueado no Colombo, parece que foi suicídio.
Ainda o Portugal Diário: O crime violento desceu sim em Portugal mas foi 30%.

Não há dúvida que estamos no bom caminho, ainda vão ver que este ano em Portugal nem 1 crime violento aconteceu, quem diz o contrário são só os agitadores profissionais a soldo não sei de quem !

2008-03-04

Dois mundos

Há tempos, referi aqui como uma pequena conversa, com as palavras certas, pode condicionar tanto a nossa visão do mundo.
Agora, vi algumas reportagens na rádio e na televisão sobre as inundações em Moçambique, e constatei a total incompreensão do problema, o conhecimento dos dois mundos, na generalidade dos jornalistas que fazem a reportagem e colocam perguntas imbecis tais como:
- E agora como é que o Sr. come ?
Reduzindo aquela tragédia ao problema a que talvez já tenham vivido um dia na sua própria vida, quando às 9 horas da noite depois de telefonarem para 3 ou 4 restaurantes habituais, recebem a resposta de que já não há mesas livres e descobrem que começa a ser difícil o jantar sonhado.
Então fazem a mesma pergunta ao companheiro ou companheira:
- E agora como é que a gente come ?
É com enorme espanto que vejo aquela gente, em vez de mandar à merda a jornalista, responder em português (que não é a sua língua materna) qualquer coisa como esta.
- Agora, é no sacrifício !
De facto, estamos tão longe da carência que muitos de nós nem sonhamos o que ela é.
Eu, também não, claro, mas sinto.
Lembrei-me de um episódio que se passou há anos comigo.
Por um acaso da vida, participei num jantar de encerramento de um encontro de Secretários Gerais de Ministérios da Agricultura dos PALOP.
No fim do jantar, em cavaqueira informal, perguntei a um Secretário Geral de um PALOP africano qual era a sua impressão do encontro. Ele respondeu-me que sim que tinha sempre interesse essa troca de experiências mas que de qualquer modo havia dois mundos muito diferentes e as experiências eram incomparáveis, disse-me assim:
- Por exemplo enquanto aqui os grandes problemas que enfrenta um Secretário Geral são, por exemplo, a restruturação do Ministério, na minha terra, os grandes problemas que eu enfrento são quando se funde uma lâmpada num gabinete !
Ao ouvir isto vi completamente estes dois mundos.