2007-02-27

O “Vermelho e o Preto” ou “A Luz e a Sombra”

O excelente romance de Stendhal “Le Rouge et le Noir” traduz, logo no seu título, as duas vias abertas no início do século XIX para uma rápida escalada para o sucesso e para o poder do jovem, modesto e ambicioso, Julião Sorel:
O vermelho da carreira militar, contido na cor das fardas militares da época e o preto da carreira eclesiástica descrito pelas batinas do clero.
Se Stendhal escrevesse hoje o seu romance, julgo que lhe chamaria a “A Luz e a Sombra”:
A luz dos palcos, dos media, dos etádios, do espectáculo em geral e a sombra dos corredores políticos, dos “lobbings”, dos gabinetes onde se tece o presente que nos afecta.

2007-02-23

O elogio de Alberto João

Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira há cerca de 25 anos, é das figuras mais odiadas pelo cidadão comum de Portugal.
Quanto a mim, tenho que confessar previamente que o homem também me irrita bastas vezes.
Penso porém que para mim, como, julgo, para a generalidade das pessoas, essa irritação tem a atenuante de despertar aquele prazer maldizente, tão português, que torna este ódio num ódio prazeroso, como tantos.
Todavia não posso deixar de reconhecer que não é pelo “circo” mediático que se pode julgar uma pessoa, revela-nos algo da sua personalidade, é certo, mas nada mais.
Há palhaços geniais mas também outros banais, tantos outros.
É pelos frutos que se conhece a árvore, dizia um velho mestre, e é pelos frutos que eu o vou julgar agora, pela sua obra, na sua forma e no seu conteúdo.
O seu estilo desbocado, desabrido e prepotente, cheio de humor corrosivo, ao gosto popular, que reproduz, em voz alta, por vezes muito alta, aquele tipo de análise superficial e venenosa que qualquer português pode fazer e aprecia ouvir quando é feito numa mesa social, entre um grupo de amigos, embalado pela conversa e por várias cervejas, é uma fonte inesgotável de risota e de galhofa.
No seu “reino” comete, com toque de trombetas, os mesmos abusos e arbitrariedades, que os outros fazem às escondidas e depois dizem que não fizeram, mas fá-lo porque se pode escudar na segurança do seu “quero, posso e mando” e na sua certeza de que “daqui ninguém me tira”.
E tem razão, dali ninguém o tira, ainda que a vontade não falte a muitos.
Para os madeirenses mais esclarecidos Alberto João é como uma tia velha e senil que podemos ter lá em casa, que nos embaraça e envergonha quando temos visitas, que para o outros apresentamos como um “fardo” que temos de suportar, mas que só nós sabemos o jeito que nos dá e os serviços que nos presta, a fazer camas, lavar loiça e na limpeza doméstica.
Para os madeirenses menos esclarecidos Alberto João é um compincha que partilha connosco as noites de farra e de alegria simples e que está sempre pronto a ouvir-nos e que para quem o sim é sim e o não é não.
Para uns e para outros, na solidão escondida da urna, não há qualquer hesitação, o voto vai para ele.
De facto, dali ninguém o tira !
E é isso que faz confusão a muita gente, será que os madeirenses são todos tontos ?
A verdade é que Alberto João tem uma filosofia de governo, que mais ninguém tem e que faz muita falta, a de usar o governo para resolver os problemas reais das pessoas.
E ataca todos os problemas, dos mais simples aos mais complexos, das vias rápidas que furam as montanhas, à luz eléctrica no alto do Serra, que custou milhões, e serve apenas um casal de velhos que aí vive isolado mas que são também cidadãos e pagam os mesmos impostos que nós.
Se é necessário e útil, o seu princípio é: faça-se, ainda que para isso tenha que atropelar a lógica económica, os pareceres técnicos ou tecnocráticos e os interessezinhos instalados e abalados.
Também comete erros e faz disparates, como toda a gente, mas segue em frente e o saldo é largamente positivo para quem vive na Madeira.
Alberto João é sem dúvida populista, apela aos instintos primários do povo, só que não o é só em palavras, apelos e festas, é em actos também, Alberto João não só fala como também faz.
E nós precisamos tanto de quem faça o necessário.
Como de pão para boca !

2007-02-21

Impressões de viagem 4

A Brasília de Kubitschek

Brasília é estranha:
Tirando a periferia suburbana que será como todas as periferias suburbanas, em Brasília vive-se no campo, não há cidade, está-se no campo, pertinho de tudo mas isolado de tudo.
Sendo uma cidade planeada de base, tem os espaços verdes, toda ela é espaços verdes, a fluidez do trânsito, racional, sem cruzamentos, as infra-estruturas necessárias, a paz do sertão e, tendo carro, estamos a 5 minutos de tudo.
Todavia não se pode andar a pé, palmilhar as suas ruas, não há ruas em Brasília, apenas estradas e auto-estradas.
O centro político é magnífico de arquitectura imponente, arrojada e arejada.
No museu da cidade gostei de ler a candidatura de um jovem arquitecto, então pouco conhecido, apresentada no concurso público para a construção da cidade, chamado Oscar Niemeyer, o texto da candidatura traduz o espírito do homem que era e que veio a ser.
No entanto a filosofia da cidade deve-se fundamentalmente a Lúcio Costa que alguns consideram injustiçado pela história, face à força do “furacão” criativo que é Niemeyer.
Há quem diga que quem não puder conhecer todo o Brasil, procure, pelo menos, conhecer Brasília porque aí encontra um pouco de todo o Brasil.

2007-02-19

Ser telúrico

Ser telúrico não é amar a natureza, não é ter consciência ambiental, não é lutar pela preservação do mundo que nos cerca como quem preserva um velho brinquedo para poder continuar a brincar com ele.
Nós somos esse brinquedo !
Ser telúrico é estar ligado à terra, à natureza, ao universo, ao cosmos, sabendo-se ser parte desse todo.
É admirar o leão que nos devora, as plantas que nos envenenam, o fungo que nos parasita, a bactéria que nos infecta, o vírus que nos mata, os animais que matamos e comemos, as plantas que destruímos e nos alimentam, as leveduras que nos servem.
É ter irmandade com todas as coisas como S. Francisco de Assis tão bem exprimia.
É amar a vida e amar a morte, sabendo que são tudo processos e estados de uma mesma natureza.
Nós somos cada célula do nosso corpo.
Nós somos células de um corpo mais vasto.
Ser telúrico é não ser alienado.

2007-02-16

Impressões de viagem 3


Salve-se Salvador

Cidade lindíssima com um centro histórico belíssimo.
Sendo a cidade americana com o maior número de africano-descendentes, não lembra todavia uma cidade africana. Salvador tem já uma patine bem mais própria da Europa.
Não obstante, já teve também os seus “talibans”: A antiga Sé começou a ser construída em 1553 mas foi demolida a 17 de Agosto de 1933, para que passasse o bonde ! em nome do “progresso” portanto.
Parece também que o Bispo ganhou em troca um palácio muito melhor e mais confortável.
Não obstante muitas outras igrejas do século XVI permanecem ainda de pé e merecem ser visitadas e sente-se no ar das ruas a história e a tradição.
A Gastronomia baiana é civilizada e interessante e incorpora traços das civilizações que a determinaram.
Salvador é uma pérola que urge preservar.

2007-02-15

Impressões de viagem 2

A cidade onde é sempre Natal

Natal é simpático.
Modesto em dimensão, para cidade brasileira, tem um ar limpo e arejado.
Aqui sim, há um forte histórico digno de ser visitado e para quem prefira curiosidades naturais pode visitar o dito maior cajueiro do mundo de 8000 metros quadrados de copa... e continua a crescer !
As praias de Natal e arredores e as suas dunas, são magníficas.

2007-02-14

Impressões de viagem 1

A Fortaleza que não existe

Não fosse o calor da família que aí me acolheu, as praias e o mar que são sempre lindos, a impressão que me ficava de Fortaleza seria apenas a de uma cidade feia e suja.
Por todo o lado aquele ar de cidade africana, de crescimento caótico, cheia de grades negras e paredes com letras gigantes multicoloridas e berrantes.
Como em toda a grande cidade brasileira o fantasma do crime está sempre presente.
Para mais, não tem nenhuma fortaleza que faça jus ao seu nome.

2007-02-12

O incrível Luís Delgado

Como saberão, realizou-se ontem em Portugal o referendo relativo à despenalização da interrupção da gravidez até às 10 semanas.
Os resultado oficiosos foram:
Sim – 59 %
Não – 41 %
Abstenções – 56 %
Houve portanto mais cerca de 19 % de votantes favoráveis à alteração da lei do que os que se lhe opõem, e cerca 6 % de portugueses que ainda que tivessem todos votado, quer sim quer não tornariam este referendo vinculativo sem que o resultado se alterasse.
Luís Delgado no seu artigo no Diário de Notícias extrai a seguinte conclusão destes resultados:
“É certo que eles prometeram mexer na lei, mesmo sem a maioria vinculativa, mas é um princípio de pensamento totalitário e de extraordinária falta de respeito pelos portugueses.”
Seguir a vontade majoritária dos portugueses é portanto “uma extraordinária falta de respeito pelos portugueses”
À moda do meu neto Pedro de 2 anos diria a Luís Delgado “xim, xim”, que significa no seu linguajar “fala lá para aí à vontade que eu não estou a compreender nada”, embora na verdade neste caso até o esteja perceber muito bem.
Mas como também há gente lúcida a escrever nos jornais recomendo este pertinente artigo de Francisco José Viegas sobre os limites ou a falta deles, entre interesse público e interesses privados.

2007-02-07

Afinal a segurança era apenas vergonha

Lembro-me perfeitamente do episódio da morte do militar britânico Matty Hull às mãos da “força aérea” dos EUA em 2003.
Lembro-me claramente das declarações de um sobrevivente britânico que escandalizado com o comportamento dos seus aliados, dizia:
- Isto são miúdos a jogar jogos de computador, é incrível !
Ontem ao ver o vídeo do episódio, que os EUA tentaram esconder como puderam alegando classificação de segurança, pude ver como aquela alegoria era perfeita:
miúdos aos tirinhos numa sala de “arcade”.
Não censuro os EUA por tentarem segurar o vídeo como puderam embora não por razões de segurança, não, por vergonha simplesmente, por um mínimo de vergonha na cara.

2007-02-04

2007-02-02

Era ouro em barra

Circulava nos meios mais sórdidos.
Financiou negócios escuríssimos.
Não obstante, foi sempre unanimemente qualificado como ouro de lei !

2007-02-01

As OPA

Ao ver e ouvir Belmiros, Granadeiros, Ulriques, Sonaes, PT, BPI, BCP, BP etc. só me ocorre um dito popular:
“Enquanto os lobos se devoram, folga o pastor”