2009-01-29

Annus Horribilis

2009 já foi decretado há tempos como “annus horribilis”.
Estamos todos a ver e à espera do fim, se é que há fim.
O desemprego cresce aos milhões pelo mundo, as fontes de receita desaparecem para muitos.
O aquecimento global, aqui está, em conjunto com o resto, para provar que a civilização não se sustenta assim.
Os media vão-nos dando receitas de sobrevivência: poupe, não fume, não coma fora de casa, sempre que o poder fazer, não gaste, desligue os “stand byes” que ganha 40 € no fim do ano, não compre o que quer, ande a pé ou de transportes públicos, meta-se num buraco, estude finanças, esteja atento a tudo, às letras pequeninas dos contratos, analise, à lupa os recibos, lute pelos seus direitos, que são muitos.
Dizem-nos que os cartões de crédito, não são nada concebidos para a nossa felicidade mas para a nossa perdição, não os queira, (quem diria?).
Enfim, dá imenso trabalho viver.
Em nenhum momento se questiona, que talvez não sejamos nós a estar mal, que talvez a “civilização” tenha os seus erros. Talvez haja coisas que sejam os outros que as deveriam fazer.
Mas não vou por aí agora, na mesma linha dos media, deixo aqui um conselho para a estabilidade financeira:
Esta regra já tem mais de 100 anos, chama-se “O princípio da prudência contabilistica”.
Deve-se usar nas empresas com “boas práticas” contabilisticas mas também serve para os cidadãos no seu dia a dia:

1. Assuma as suas despesas logo que são assumidas. ( mesmo que só tenha a pagar mais tarde, assuma já a perda, ainda que fique negativo)
2. Reconheça as suas receitas, só quando se concretizarem ( Se tem dinheiro a receber, considere que só o tem quando, de facto o receber. É o que a sabedoria popular diz ”não conte com o ovo no cu da galinha”)

Vai ver que cumprir este este princípio é saudável para as suas finanças.
Mas como todos os princípios, também não é universal, nem sempre certo.

2009-01-26

Nós e a Lei

Na Estrada Nacional 10 a que vai de Almada até Setúbal e que já existia antes de haver auto-estrada, a meio deste percurso, passa ao lado da nova cidade, feita pelo povo, a Quinta do Conde; por si só um caso notável para a reflexão entre o “urbanismo planeado”, agora corrente, e “Urbanismo espontâneo”, há séculos corrente.
Na entrada da Quinta do Conde havia um cruzamento com semáforos, depois uma rotunda mas com a pujança do crescimento espontâneo transformou-se num ponto de entrave à progressão. Há muita confluência de trânsito ali.
Tanta, que as autoridades resolveram fazer qualquer coisa, não sei bem o quê, mas até saber lá estão as obras e a sua respectiva confusão.
Agora não se pode entrar nesse ponto para ir para a Quinta do Conde, a entrada está vedada com blocos mas, no sentido oposto, para aceder à Macro a diversos outros centros de comércio e à auto-estrada e diversas vias rápidas sim, pode-se mas só a quem vem do Sul, para os outros que vêm do Norte têm que passar adiante e voltar atrás mais à frente para virem de Sul.
Entretanto ontem ao vir de Sul para Norte, confronto-me com os velhos traços pintados no chão no tempo da rotunda, quando activa. Por momentos hesitei mas logo percebi que tinha que pisar os velhos traços contínuos ou não poderia prosseguir na minha rota para a frente, como aliás toda a gente fazia.
Hoje vou em sentido contrário e querendo então virar para a esquerda, vejo, de facto um traço contínuo a impedir-me mas face à situação das obras pensei que seriam também restos do antigamente, se não, como fazer? Virei e com tanta confiança o fiz, que o próximo carro que vinha em sentido contrário era um da brigada de trânsito, bem identificado e que não me atemorizou, tão certo estava da minha razão.
Pois esse mesmo carro veio atrás de mim, mandou-me parar e questionou-me pelo meu acto.
“Se sabia para que eram os traços contínuos”, perguntou-me e disse-lhe que sim. “Se tinha a carta”, também lhe disse que sim. “ Porque virei então?”, só lhe disse que para mim aquelas obras estavam muito confusas. Como é que se conta ao polícia todos os meandros do processamento do meu cérebro? E como é que se explicam as contradições da lei?
Felizmente o polícia deixou-me ir em paz.

2009-01-23

O que o Sr. Ministro não sabia

Falo do Sr. Ministro da Saúde, cujo nome não me ocorre e que, em boa hora, foi corrido sem que porém se tivessem evitado danos profundos que ele provocou no Serviço Nacional de Saúde.
Este Sr. Ministro como reputado técnico formado nos EUA, tinha as soluções para o Sistema nacional de Saúde, só que, como reputado técnico formado nos EUA, via o Serviço Nacional de Saúde como criado para tratar da saúde de estatísticas e não sabia que deveria ser de pessoas.
Por isso fechou as urgências em vários sítios até porque algumas só recebiam 4 “supostos doentes” 4 o que é uma estatística que não permite a manutenção do serviço aberto.
Criou então o paraíso, de muitas ambulâncias e helicópteros para levar as estatísticas para grandes e bem apetrechados hospitais, ficando esses sim com estatísticas decentes, com 3 dígitos e que justificavam estar abertos, não os míseros 4 “Supostos doentes” 4.
O pior é que esses 4 “supostos doentes” 4 ficaram sem sítio para ir e adaptando-se ao novo sistema, chamam agora as tais ambulâncias e helicópteros, empatando o paraíso do Sr. Ministro.
Queixa-se agora o sistema que assim não dá, só deviam chamar as ambulâncias os casos urgentes, e aqueles casos não são urgentes.
A questão é que esses 4 “supostos doentes” 4 são de facto pessoas concretas e que sentindo-se mal não sabem se o seu mal as vai matar em pouco tempo, como imaginam, ou se é uma indisposição passageira.
Aquilo que eles precisam é precisamente que alguém os veja e lhes diga se é urgente ou não e esse alguém agora, só se encontra via ambulância, porque fecharam a urgência de proximidade.
Sendo assim, só posso dizer: “O sistema que aguente, ora agora!”

2009-01-21

Quartas-Feiras

Nestas minhas novas rotinas, as quartas-feiras são um dia especial.
Dia de contactar o mundo.
A razão é simples, com a nova tecnologia, grande parte da minha vida passa por casa.
Mesmo o trabalho que ainda vou fazendo pode ser feito em casa, é um trabalho de pensamento e de escrita e de comunicação por e-mail.
Às quartas, porém, a minha casa fica inutilizada para qualquer função.
É o dia da D. Maria, que me faz a limpeza semanal e fá-la bem, vira-me tudo do avesso e desarruma-me tudo ao mesmo tempo, até que no fim tudo se repõe com alguns erros sistemáticos, que já interiorizei:
São os erros da D. Maria, legítimos, ganhou este estatuto.
Nas quartas-feiras, então, procuro sair durante o dia, vou almoçar com os meus velhos amigos e colegas de emprego e invento qualquer coisa para fazer a seguir.
Hoje, fui revisitar a Faculdade de Letras e a minha antiga professora de polaco.
Na Cidade Universitária, estacionar é difícil.
Há uns parques exclusivos para certas personalidades, uns parques públicos e pagos, um espaço livre apropriado (também pago mas com os parquímetros avariados, segundo aprendi) e um espaço selvagem onde se amanha quem pode.
Os tais espaços apropriados mas com parquímetros avariados são agora geridos pelos chamados arrumadores. Identificam vagas e prestam os seus serviços, em troca de uma gorjeta.
Geralmente é gente sem grandes recursos, desadaptados da sociedade, que assim tenta assegurar a sua sobrevivência diária.
Eu gosto dos arrumadores, é gente que faz um trabalho tão digno como outro qualquer.
Hoje, ao sair, falei com o que me tinha arranjado o lugar e que sorria já à minha hipótese de sair, libertando espaço para um novo carro.
E Perguntei-lhe por alternativas, pelo acesso a todos aqueles parques com cancelas.
“Caríssimos e à hora” disse-me ele, e apontando para os vários carros “mal” estacionados nos locais selvagens referiu-me: “ e estes só cá falta a GNR para os multar a todos”.
Naquele momento aquele “marginal” transformou-se num “banqueiro capitalista”, reenvindicando o Estado para defender o seu interessezinho pelas suas gorjetas.
Aprendi, de novo, uma lição que já sabia:

É a condição humana, tudo e todos, tão bem na grandeza como na sarjeta, são exactamente os mesmos!

2009-01-19

Diário

Hoje levantei-me tarde, demasiado tarde para o meu gosto. Após uma pausa, no computador, ver os e-mails, fazer duas paciências, decido que é hora de preparar o meu almoço.
E aí vou para a cozinha, o menu já estava pensado: feijão-frade com atum de conserva, é só abrir duas latas, picar um pouco de cebola e alho, aquecer o feijão e já está.
O estatuto de prato “gourmet” é-lhe conferido pelos excelentes azeite e vinagre e o vinho que tenho.
No meio da preparação sou interrompido por um telefonema.
Era do Banco Barklays, mais uma vez oferecendo-me um crédito de 100 000 euros, para o que eu quisesse
Não quero o crédito para nada, agradeço à menina a atenção e desligo o telefone.
Este crédito que o Barclays, á força me quer conceder não é para a minha felicidade é apenas para me extrair, em forma de juros, os poucos euros que tenho para o meu dia a dia. Sei até explicar as razões:
A minha casa nova, que comprei ainda na planta do arquitecto a um preço relativamente baixo mas que me obrigou a recorrer ao crédito e que após várias vicissitudes com a CGD e o Santander, veio a cair no Barklays já meia paga por algumas poupanças, foi avaliada na altura, por este banco, antes da crise é claro, por um valor muito superior ao inicial.
Para mim foi um acaso da sorte, na prática sem grande significado (se num aperto a quiser vender não creio que me paguem esse dinheiro), mas como está hipotecada ao Barklays e eles, como qualquer banco só vêem Euros acham que eu estou a pagar pouco, a hipoteca cobre muito mais, têm forçosamente que me sacar mais euros.
Daí a tentativa para me emprestarem mais. Para eles ainda estou meio cheio, o capital só descansa quando me vir na miséria.
Durante o almoço, assisto como habitualmente à “Sociedade Civil”, de que lhes falei no último poste.
Hoje falaram, quase a propósito, da pobreza e da poupança.
E aí vi as receitas que o “Capital” me oferece para a condição em que me quer pôr:
Tenho que poupar, apagar as luzinhas de todo o equipamento, recorrer aos programas gratuitos que algumas Câmaras Municipais oferecem.
Havia vozes que refilavam, “como se pode poupar se não se tem o mínimo para viver?”, mas outras vozes rebatiam, “é sempre possível”, apague as luzes apague o aquecimento, coma pão sem manteiga, vegete”
Só não falaram na receita, que naquele contexto me parecia óbvia:
“Assalte um Banco!”

2009-01-17

A “Sociedade Civil”

A “Sociedade Civil” é, para mim, um dos melhores programas de TV que é transmitido diariamente na RTP2, por volta das 14h e que agora, devido à minha nova situação de aposentado, posso ver, quase diariamente.
Aí se discutem todos os assuntos verdadeiramente importantes.
Não se fala de défice nem de recessão, nem de que 2009 vai ser um ano lixado, nem nenhuma dessas questões que nos distraem da atenção à vida e que fazem o gáudio dos comentadores.
Ali fala-se de tudo o que importa: de queijos e chouriços, da educação das crianças, dos abusos sobre a população prisional, da saúde das pessoas, enfim, dos temas mais diversos mas sempre interessantes.
Para comentar não se chamam os comentadores oficiais, ali procura-se chamar as pessoas que sabem dos assuntos a tratar.
É um programa exemplar.
Ontem o tema debatido foi o envelhecimento e ali entre várias questões que o tema sugere e que foram tratadas, falou-se da “idade cronológica” (a que consta dos nossos papéis de identificação) na idade biológica (a que consta das nossas células e do seu estado) e na “idade psicológica” (a idade que sentimos ter).
Esta diferenciação fez-me meditar em mim próprio:
Durante a infância e até para aí aos meus 18 anos cronológicos, senti-me psicologicamente criança, daí até aos quarenta e tal cronológicos, senti-me sempre um jovem e agora que tenho 59 anos cronológicos, sinto-me psicologicamente com 327 anos, embora, curiosamente, não me sinta muito velho sinto é que todos à minha volta são mais novos do que eu, até alguns cronologicamente mais idosos.
É bem verdadeira esta diferenciação da idade.

2009-01-12

O tempo frio em Portugal

O frio extraordinário que se fez sentir nestes dias, também em Portugal, com os seus consequentes meteoros, de neve, gelo, geada e sincelo, puseram o país em polvorosa.
O insólito de alguns dias e de alguns locais que apareciam anualmente como “faits divers” interessantes, caíram brutalmente no quotidiano, bloqueando veículos, provocando despistes, fechando escolas, quebrando rotinas, empatando a vida a muita gente.
Começa a ouvir-se já um couro anti protecção civil que não terá funcionado como devia.
E nuns aspectos não deixa de ter razão, naqueles que se referem ao apoio logístico utilizável em qualquer situação de catástrofe, refiro-me a tendas de abrigo com alimentos e instalações sanitárias e sistemas de alerta eficazes, comunicações e coordenação e outros que os especialistas saberão.
Agora o facto de não termos limpa-neves e sal disponível para tantas zonas em perigo, para acorrer a um fenómeno que ocorrerá uma vez de 25 em 25 anos, já é exigir de mais.
Eu vou contar-lhes o que vivi na Polónia no Inverno de 2003.
Nesse Inverno desloquei-me por toda a Polónia, em carro alugado, com temperaturas muito abaixo do zero e sem ter nenhum problema.
Por todo o lado, na mais pequena aldeia eu via grandes contentores (como os que usamos para o lixo) cheios de sal para que a própria população fosse actuando em cada local e nunca vivi o mais pequeno sobressalto.
Eu só pensava, “que país civilizado, este tempo, em Portugal originaria de certo um enorme pandemónio”.
Entretanto o Inverno acabou, a temperatura subiu, o gelo derreteu e da locadora vinham-me constantes telefonemas para trocar os pneus do carro para pneus de Verão.
Como a minha mulher me ia visitar nessa Primavera eu adiei a tal troca de pneus e, por um acaso do tempo, fora de época, precisamente quando a minha mulher me visitou, voltou a nevar em plena Primavera, eu dizia sempre a toda a gente que tinha sido a minha mulher a encomendar a neve porque gostava do espectáculo.
O que é certo é que, então, o pandemónio começou, tal como seria em Portugal.
Carros a bater e a ficarem bloqueados, caminhos intransitáveis e porquê ?
Porque a generalidade dos pneus dos carros já tinham sido trocados e as máquinas de apoio já estavam recolhidas para a revisão e manutenção anual e foi por um acaso, foi precisamente o meu desleixo em trocar os pneus prontamente que me evitou maiores problemas mais directos.
Então percebi claramente que a Polónia não era muito diferente de Portugal em termos de organização e de prevenção.
Tal como nós joga com as probabilidades como todas as protecções civis devem fazer.

2009-01-09

Clamando no deserto

A medida do Governo de aumentar brutalmente o limite de dispensa de concursos públicos dos cento e cinquenta mil euros para os cinco milhões de euros, alinhando aliás com a média europeia, teve, por parte de todos os analistas uma oposição praticamente unânime, ouve mesmo alguém que disse que não se ouvia uma voz favorável.
Ora a minha voz, de facto, não se ouve mas é favorável.
As críticas baseiam-se essencialmente de que vão ser beneficiados nas adjudicações os primos e amigos e que a transparência desaparece.
Eu, que conheço muito bem a administração pública e que já fui júri de muitos concursos públicos e já lancei bastantes, digo que não, ou melhor, no caso dos primos e amigos fica tudo na mesma e a transparência, pelo contrário, vai aumentar.
Na realidade os concursos são geralmente uma fantochada onde dá imenso trabalho conseguir o que se pretende: adjudicar aos primos e amigos, mas onde tudo se consegue por fim e com a vantagem de que o concurso esconde as verdadeiras intenções e desculpabiliza a decisão enviesada, permite dizer sempre: “não fui eu que escolhi, foi um concurso isento”.
Agora as decisões vão ser as mesmas mas toda a gente vai saber para quem e por quem.
Em resumo é tudo muito mais transparente.

2009-01-06

A vaga de frio

Quando alguém me comenta o frio que faz e que fará, a minha resposta é sempre a mesma:

- Pois é, é o aquecimento global.

2009-01-01

Reflexão sobre o fogo de artifício

Neste primeiro dia do novo ano os media enchem-nos com os festejos feitos em muitos cantos do mundo que nos mostram à exaustão o fogo de artifício, o espectáculo milenar de luz e som que nos é proporcionado pela pirotecnia.

Tudo começou no oriente, talvez na China, primeiro incipiente, com a queima de pedaços de canas de bambu com determinadas características mas logo melhorados com a incorporação da pólvora, também descoberta na China.

Claude Lévi-Strauss, no seu livro “Raça e História”, defende uma teoria interessante e coerente sobre o desenvolvimento da civilização.

Ele vê as várias culturas como tendo, à partida, ou porque os seus interesses a conduziram nesse sentido, como que uma mão de cartas com que jogam neste jogo global. Por vezes a carta de que precisam para fazer uma boa “mão”, com as que já têm, está na posse dum seu parceiro embora, para esse parceiro, essa mesma carta possa ser, eventualmente, descartável.

Esta imagem é poderosíssima em termos didácticos e ajuda-nos a perceber muitas coisas, como a destruição de qualquer ideia de superioridade ou de inferioridade entre as diferentes culturas, daí que eu nunca mais a esqueci desde que a li há mais de 30 anos.

Um exemplo que Lévi-Strauss utiliza para ilustrar a sua tese é precisamente o da pólvora, descoberta na China, vários séculos antes do que a Europa a conheceu, e utilizada essencialmente para esse fim lúdico, o fogo de artifício.

Essa mesma pólvora era a carta que a Europa precisava para o seu jogo bélico e de dominação e rapidamente a foi buscar à China para a incorporar na sua máquina de guerra e com um enorme “sucesso”, ficou com uma excelente “mão” ganhadora.

Hoje, uma pesquisa na “net” sugere que a China já usava a pólvora também em instrumentos de morte e destruição, de qualquer forma nunca à escala do que veio a fazer a Europa quando na posse desse segredo.

De qualquer modo a mim conforta-me pensar que o primeiro uso que ocorreu ao homem quando descobriu a pólvora, foi o da beleza e da animação da pirotecnia e só depois veio esse péssimo instinto da destruição para estragar tudo.