2009-10-31

O que será?

O povo chama-lhe “cunhas” e diz que é assim mesmo.
Para a Ciência é “Capital Social” e pensa-o como algo fundamental.
No “Management o nome é “networking” e é muito moderno.
A justiça dá-lhe o nome de “tráfego de influências” e trata-o como mais um crime.
O que será?

2009-10-30

Aprendizes de feiticeiros

Hoje vivemos um momento idêntico ao que eu vivi ao ler o livro “Silent Spring” de Rachel Carson alertando para algumas consequências até então ignoradas sobre o uso desse maravilhoso produto milagroso que, entre outros feitos, como no combate da malária, eliminou os piolhos a toda uma geração, a minha, como aqui escrevi.

Se forem ao “you tube” e fizerem uma pequena pesquisa sobre vacinação em inglês mas mesmo em português e, suponho em qualquer língua do mundo, logo verão inúmeras mensagens sobre possíveis perigos das vacinações em massa.
Pasteur nunca imaginou como a sua descoberta que abriu portas para grandes conquistas da humanidade, para a forte redução da mortalidade infantil e para o aumento da esperança de vida pudesse ser criticada assim pelos males que também produz, no acréscimo de doenças que estavam circunscritas ou obscuras e são problemas sociais agora, como as asmas, as doenças de Khron e tantas outras.

Esta mensagem progride. Há já muita gente esclarecida que recusa a vacina contra a gripe A.

A chave da natureza é a diversificação, por isso há a reprodução sexuada, as combinações de ADN e os milhões de pequeníssimas diferenças que fazem cada um de nós um ser único, tornando-nos fortes como um conjunto feito de diferenças.
A sociedade global luta contra a natureza e procura por todos os meios a homogeneização. Todos iguais e belos.
Continuar nesta via vai transformar a sociedade num conjunto de super homens e super mulheres que serão todos perfeitos até que um sopro de qualquer brisa os derrube a todos como num jogo de dominós.

2009-10-27

O caso Alexandra e o superior interesse da criança

O caso Alexandra voltou à ribalta porque as autoridades russas descobriram o que a opinião pública portuguesa já sabia há muito tempo: A mãe é alcoólica e incapaz de educar uma criança.
A solução é simples, para os portugueses: a criança tem de voltar para Portugal; e tentam já comprar o pai, que parece estar profundamente desinteressado.
Para os russos também é simples, a criança tem de ficar na Rússia.
E discute-se o assunto como se discute o futebol.
Em toda a argumentação vem sempre à baila aquele princípio orientador: o importante é salvaguardar o superior interesse da criança.
A grande questão aqui, como noutros casos, é que ninguém sabe qual é o superior interesse da criança, cada um só sabe o que entende ser o superior interesse da criança.
A minha questão é o apego inútil essas fórmulas ridículas que suscitam a unanimidade mas não têm qualquer valor operacional. Quem saberá qual é o superior interesse da criança? Desta e de todas as crianças.
O interesse imediato ainda se poderá saber mas o superior interesse, quem o adivinhará.
Entretanto Alexandra parece que vai continuar aos tombos como até aqui ao sabor das arbitrariedades.
Ainda assim eu, pelo menos, não sou capaz de dizer se esse não será talvez o seu superior interesse.

2009-10-22

De regresso ao admirável mundo velho

Cheguei e estou pousando ainda.
Vejo a controvérsia gerada pelas palavras de Saramago no lançamento do seu novo livro “Caim”, que eu não li nem tenciono ler.
O que disse Saramago já eu o digo há muito tempo, até neste blogue mas foi há tanto tempo que nem me dou ao trabalho de procurar o “link”, depois é uma mera evidência para quem lê a bíblia.
Interessante sim foi ver as posições contra que se ouviram, como se destrui uma evidência: minimizando o arauto, não sabe ler ou leu ingenuamente, não percebeu as épocas e as características de cada tempo, que a bíblia também tem o cântico dos cânticos, enfim desviando-se do essencial: O Deus judaico é um Ser vingativo mesquinho e cruel.
E a questão está aí, não são as histórias de homens de crueldade que a bíblia conta que incomodam, nem é mesmo o enxertado Novo Testamento que não tem nada a ver, são as posições Divinas, arbitrárias, caprichosas maliciosas, que a bíblia relata e que nos são apresentadas como modelo a utilizar.
Os exemplos estão lá por todo o lado a começar, de facto, nesse insólito episódio de Caim e a arbitrária rejeição da sua oferta de frutos da terra.
Que pai, bem formado, rejeitaria assim um presente de um seu filho elogiando o presente de um cordeiro de seu irmão Abel?
Que lição de vida se extrai disto que não seja a da injustiça e da iniquidade?
Mas chega de Saramago.
Hoje, finalmente conhecemos o novo governo.
Para mim só uma notícia me satisfez, finalmente vimo-nos livres de Jaime Silva o Ministro “tsunami”, o Ministro calamidade.
Basta que o novo seja um Ministro normal para que tudo melhore.

2009-10-16

Carta de Belgrado 20

De abalada

Chegaram ao fim os meus 40 dias de deserto, deserto da minha família e dos meus amigos porque, de resto, aqui não é deserto como tenho contado, aqui há vida.
Vou jantar fora pela última vez nesta estada no melhor restaurante de Belgrado (o que tem o melhor cozinheiro), deixo aqui a nota para quando cá vierem: é o Café Ipanema mas só no nome há esta alusão ao Brasil.

Enquanto no Kosovo vivi uma viagem ao passado aqui foi a um presente paralelo.
Da gripe aqui não se fala, não sei se é o vírus que não quer nada com a Sérvia ou se é a Sérvia que não quer nada com o vírus apenas não se ouve falar e, sobre o assunto, só vi uma reportagem onde aparecia precisamente Portugal e com entrevistas ao nosso pessoal.
Eu amanhã regresso ao mundo da gripe e do Sócrates e das tricas das comadres, as cartas de Belgrado, pelo menos por agora, acabaram.

2009-10-13

Carta de Belgrado 19

Belgrado, hoje está triste.
O Outono chegou em força agora: vento, chuva e algum frio.
As alegres esplanadas, mostram cadeiras e mesas empilhadas, tentando poupar-se para a próxima oportunidade.
Não ouço os gritos das crianças que todos os dias ao fim da tarde brincavam no espaço em frente da minha casa.
E depois é a noite que cai cedo, às seis locais já é noite cerrada. É assim também nos dia de sol, mas agora, o céu coberto acelera tudo.
No entanto dizem-me que o Inverno é bonito, cai a neve, muito mais suportável e alegre do que chuva e os recantos interiores, adquirem um novo encanto e aconchego.
Mas agora não é carne nem peixe, é apenas mau e chato.

2009-10-11

Carta de Belgrado 18

Hoje Portugal ganhou à Hungria e alimenta mais esperanças de chegar aos “play off”.
A buzinas dos carros apitaram em Belgrado, na minha cabeça parecia um gesto de solidariedade, os Sérvios em geral torcem por nós para estarmos na fase final.
Mas não foi solidariedade, foi pela Sérvia mesmo, que hoje se apurou para essa prova onde nós ainda queremos chegar.

2009-10-10

Carta de Belgrado 17

Uma lição de vida

Hoje fui almoçar ao “Trag”. A minha mesa habitual, que já era minha por usucapião, estava ocupada por um sujeito mal encarado de óculos escuros.
Segui em frente, pela primeira vez, para a sala que ali via.
Pedja, já me tinha dito que a minha mesa não estava no melhor sítio mas todas as salas me pareciam iguais.
Ao entrar nessa segunda sala vi que à esquerda tinha umas escadinhas para o “paraíso”, ali ao lado.
Subi e entro numa mezanine, com um pequeno lago ao centro e recantos com mesas ao redor, algumas das mesas estavam ocupadas por jovens famílias sérvias, crianças entre os 5 e os 7 anos corriam como é habitual, nos restaurantes, fartas de tanta formalidade e procurando explorar esse pequeno mundo novo.
A minha atenção focou-se numa pequena criança muito activa e faladora que explorava, um buraco na parede que comunicava com a cozinha e estava feliz com a descoberta daquele segredo, felicidade que demonstrava em frases de espanto ditas em sérvio mas que eu compreendia perfeitamente (as crianças quando ainda não dominam a linguagem têm consigo o segredo da eloquência).
Olhando essa criança eu divaguei, simpatizei com a criança e o seu fascínio pelas coisas simples, vou chamar-lhe Artur como o rei que ele era. .
Depois surgiu uma outra criança, da mesma idade mas mais carrancuda e temerosa, andava a um metro de distância, doido por se aproximar, invejoso daquela felicidade.
A esta vou chamar-lhe Narciso, porque apenas se fascinava comsigo próprio e com o que era seu.
Narciso, por fim, descobre a solução, volta à mesa e traz um “transformer”, aqueles bonecos ridículo que se compram e mudam de forma toscamente.
A novidade cativou Artur, o outro tinha aquilo que ele via na tv, a princípio tentou desvalorizar, é um boneco de plástico, tá bem, mostra-me.
Narciso não mostrava, só queria exibir mas os seus dedos infantis não conseguiam transformar o “transformer” e Artur desinteressou-se.
Narciso correu para o pai, Deus pai, para transformar o “transformer”.
O pai que estava a leste de tudo, entra na peça nesse instante, pega no boneco e com mãos hábeis muda a sua forma rapidamente, mas aqueles momentos de atenção a um brinquedo de criança, estimulam a sua própria curiosidade, fazem-no querer ser perfeito ser um perito “transformer” fazer algo diferente e interessante.
Narciso fica ansioso, ele tem que exibir a sua glória já, o boneco transformado, arranca-o das mão do pai e corre para o exibir a Artur.
Mas Artur já estava noutra e Narciso desenvolve um bailado para chamar a atenção do outro. O “transformer” que agora era um carro, começa a ser passeado lentamente sobre o corrimão que rodeava o lago, enquanto Narciso querendo parecer displicente ia olhando ansiosamente para o outro tentando captar-lhe a atenção.
Artur não ligou nenhuma mas surge uma terceira criança que sim e que trás consigo um outro “transformer”.
A empatia estabelece-se, Narciso, de carrancudo e distante, pela primeira vez sorri
Os dois deambulam e falam dos seus bonecos e das suas habilidades.
É então que Artur repara, queria associar-se aos outros mas como? Eu não tenho “transformer”? Os outros fogem de Artur a cada tentativa de intromissão, até que Artur se retira envergonhado, escondendo-se por traz de uma coluna.
Estava à beira das lágrimas. Porque não tinha ele o seu “transformer”?
Da minha mesa compreendi o seu drama e tentei sorrir-lhe de simpatia mas correndo o risco de agravar o seu sofrimento se interpretasse o meu sorriso como de troça.
A minha refeição tinha chegado ao fim e saí pensando comigo:
Como eu gostava de falar sérvio para encorajar aquele miúdo.
Mas feliz mesmo ficaria se eu lhe fizesse um gesto de carinho e ele me respondesse com uma chapada, ao velho chato paternalista que não entrava na história.
O que, aliás, era muito provável que acontecesse.
Nunca saberei qual seria a sua reacção mas assim, sim, assim seria verdadeiramente o meu Rei Artur.

2009-10-08

Carta de Belgrado 16

O tamaanho é importante.

O subtítulo escolhido poderá fazer os leitores e sobretudo as leitoras imaginarem que eu vou dissertar sobre o tamanho de qualquer coisa concreta, mas não, falo apenas da importância geral desse atributo, o tamanho.

Aqui tenho-me confrontado com questões de tamanho
Primeiro é o do recipiente de vinho.
Já em Portugal não me conformo com a escassez de tamanhos de garrafas: há o clássico 7,5 dcl que é muito só para mim e o 3,8 dcl, que é pouco para mim só, e apenaas há isto em restaurantes, excepto quando têm vinho a jarro, aliás tal como aqui. Em Portugal eu como geralmente com a minha mulher, o 7,5 é bom, eu bebo 5dcl e ela 2,5 dcl o que dá tudo certo.
Mas aqui é pior, existe o 7,5dcl e depois o 2,1 ou o copo, e como estou só, não tenho outro remédio senão ir bebendo 2 garrafas pequenas com os problemas de falta de continuidade e do preço que especulativamente aumenta.
Mas existe um outro problema de tamanho, é o das sobremesas.
Eu gosto à sobremesa de uma garfada ou duas de algo doce para “tirar a boca de pedreiro”, como dizia a minha avó mas as sobremesas são sempre enormes e caras, por isso, quando estou acompanhado, roubo uma colherada à sobremesa do parceiro(a), mas estando só, passo sem ela.
Aqui, é o mesmo, geralmente não como, embora me apeteça, mas hoje apetecia-me tanto que pedi “quero uma sobremesa muito pequena, “small” em Inglês “mali” em sérvio. O Empregado lá me trousse caminhando para mim e abanando a cabeça. Era de facto pequena mas ainda grande.
Comi metade.
Peço aos senhores da globalização que, tal como vão fazendo na roupa, vão diversificando no tamanho de tudo, porque nisto dos tamanhos há gostos para tudo.

2009-10-07

Carta de Belgrado 15

Nestes dias enfrento a hora da verdade.
Eu estou aqui com um objectivo, escrever 3 relatórios, que tenho já escritos na minha cabeça e passá-los-ia facilmente ao papel se eu soubesse ainda escrever como escrevia na minha 2ª classe, quando escrever era uma novidade.
Agora quando escrevo com caneta em papel ninguém entende, até eu tenho dificuldades e, pior que isso, ninguém leria mesmo que entendessem.
Por isso só me resta o “word”, mas o “word” à medida que tem crescido e se convence que é gente está cada vez pior.
Então com tabelas torna-se infernal, tem ideias próprias que me quer impor.
Para o dominar teria que voltar à segunda classe revisitada, à segunda classe “word” e já não tenho pachorra.
Por isso a minha revolta hoje e a necessidade de mandar uma mensagem para o Sr. Bill Gates.
Sr. Bill Gates
V.exa tem me feito perder muito tempo e tempo é dinheiro, como V. Exa bem sabe.
Só lhe peço uma coisa, discipline o seu exército, ensine-lhes a linha de comando, ponha cada um dos seu botões a fazer aquilo que diz que faz e nem mais nem menos.
Quando eu me dou ao trabalho de seleccionar uma parte de texto, quero dizer que tudo o que mandar fazer naquele contexto se aplica apenas à parte seleccionada, percebeu? Não me faça ver, como vejo tantas vezes que tudo o que já estava feito de uma maneira, se refez de outra. Ora a Porra!
E não mude as configurações que eu já fiz, só porque não gosta delas ou acha que assim é melhor para mim, não é.
Com os melhores cumprimentos
E aqui assino

2009-10-03

Carta de Belgrado 14

Já imaginaram estarem perdidos, por exemplo, no Alentejo profundo, acompanhados de um técnico internacional que só fala Inglês, e ao pararem junto de uma, duas três, quatro pessoas locais para pedir informações sobre o caminho, não conseguirem essas informações porque esses locais alentejanos só falam húngaro?
Mutatis mutandi, foi isso que me aconteceu ontem na região Voivodina da Sérvia.
Eu estava tão perdido na comunicação como o condutor do carro que é nacional Sérvio.
Isto é que são os Balcãs e a baralhada que o Império Austro-Húngaro e a História em geral aqui criou.
Lembrei-me das palavras de Agostinho da Silva dizendo que o grande feito de Afonso Henrique, o nosso rei fundador, foi o de ter descoberto onde era Portugal.
Húngaros, Sérvios, Romenos e por aí fora ainda estão hoje à procura da sua Hungria, da sua Sérvia e da sua Roménia, e ainda não têm senão uma pálida ideia.

2009-10-01

Carta de Belgrado 13

Duas músicas

Quando almoço no “Trag”, não é só a comida que me atrai lá, é também a música de fundo que não sei bem se será de uma gravação ou de uma rádio.
Eu bem ouço, de vez em quando, eles catarem um genérico que me parece dizer “Radio RFM” mas, por outro lado a música é demasiado constante para ser rádio.
Dá Leonard Cohen, Tom Waits, Llasa de Sela, enfim música predominantemente boa.
Mas hoje queria apenas falar de duas.
A primeira é um clássico de Bob Dylan que eu ouço, para aí, desde os meus 16 anos, cuja letra é um poema que eu sei praticamente de cor, é o “A Hard rain is gonna fall”.
Dizem alguns analistas que Dylan se referia à ameaça nuclear que estava no subconsciente de todos, naquele período da “Guerra Fria”.
Quando o ouço agora, mesmo na versão de Edie Brickell, que é a que eles dão no “Trag” e que sem me controlar eu tenho que cantarolar por cima, o que me vem à consciência é como esta chuvada nos ameaça agora, mais do que nunca.
Aqui fica para o vosso deleite e reflexão.



A Segunda música é um caso mais estranho, é de Tina Turner que eu detesto, mas a situação de estar só e ter que a ouvir faz-me elaborar sobre o tema.
A música é o “Private dancer” e, quando ouço o refrão, repetido n vezes “I am a private dancer, dancing for money”, o que me vem à consciência é responder-lhe: “Ar´nt we all?”., e aquela canção simples sobre o mundo da prostituição, que procura como que justificar-se, ganha, para mim um estatuto de hino revolucionário:
Dançarinos por dinheiro é essa a vida de todos nós.

Aqui fica