2004-04-30

A forma e o conteúdo

Ouvi hoje falar do caso Carlisle e o que ouvi suscita-me algumas questões.
O BE atacou ferozmente o Primeiro Ministro, acusando-o de ter feito algumas diligências no sentido de favorecer o grupo Carlisle no processo de privatização da GALP.
O Primeiro Ministro ficou escamado e ofendido, sugerindo mesmo que talvez Louçã tenha interesses ocultos noutro concorrente.
O que me perece curioso neste incidente é que quem vai decidir a participação na privatização da GALP não é Deus, nem nenhuma entidade estranha ao governo é alguém controlado pelo Primeiro Ministro.
Se o Primeiro Ministro quer que ganhe a Carlisle e tem a faca e o queijo na mão para que isso aconteça por quê fazer telefonemas à CGD ou tomar outras medidas para favorecer este grupo, como insinuou Louçã ?
A razão parece-me óbvia: se bem que o conteúdo esteja assegurado, é preciso assegurar que a forma não o comprometa.
Tudo isto se insere no que já disse no post abaixo, os conteúdos estão no indivíduo a forma é determinada pela sociedade e é uma condição necessária à integração social.

2004-04-27

UTOPIAS

O grande debate ideológico que se tem imposto à humanidade, explicita ou implicitamente e que verdadeiramente importa, não se insere se não marginalmente, no conflito entre ricos e pobres, homens e mulheres, esquerda e direita, governos e governados, cristianismo ou islão, crentes e não crentes, católicos e protestantes, Norte e Sul, capitalismo e comunismo ou outras como estas dicotomias.
A grande dificuldade que se coloca ao homem reside num único conflito: indivíduo vs sociedade.
Vamos conhecendo, através da ciência e através da nossa própria experiência aquilo que nos interessa, a cada um de nós, mas temos de nos confrontar, a cada instante, com o modo com aquilo que nos convém afecta terceiros, e lhes impede de serem aquilo que lhes convém a que igualmente, legitimamente, têm direito.
É esta a grande dificuldade que resume em si todos os conflitos e todas as lutas sociais.
Como cada um de nós é um só, todas as utopias que construímos são feitas à nossa imagem e semelhança, são sempre os mundos onde nós nos sentíamos bem.
Foi este discurso sugerido, pelo programa que acabei de ver na dois, com a presença do Dr. Pádua e de um empresário que cuidadosamente construiu a sua empresa livre de fumo e onde se criticava sociedade e governo por não construírem essa utopia de gente trabalhadora, feliz, longe de fumo, fazendo desporto, bebendo leite desnatado e água nos “coffee brakes”, com apoio médico e psicológico permanente, como é o seu direito e naturalmente com grande produtividade no trabalho e chorudos lucros para os patrões (que, no entanto diziam, não percebem esta evidência).
Eu, na minha idiossincrasia, achei aquele mundo tenebroso e confesso que me via mais feliz num abiente pesado de fumo e álcool, junto de amigos cultores do espírito, cantando ou dizendo poesia ou discorrendo sobre o sentido da vida.
Trocava sem hesitar uma vida até aos 120 anos na utopia do Dr. Pádua por uma vida até aos 70 neste meu mundo.
É aqui que a porca torce o rabo e nunca chegaremos a acordo, os dois modelos não são compatíveis.
É por isto que o “Admirável Mundo Novo” de Huxley é uma obra notável.
Creio que tanto o Dr. Pádua como eu, assim como 99% dos homens e mulheres de hoje, gostaríamos de viver nesse admirável mundo novo, há poucas críticas a fazer a essa perfeita utopia.
No entanto, o selvagem suicida-se porque não era livre.... não tinha a simples liberdade de poder contrair febre amarela ...

2004-04-25

Sporting

O eng. Fernando Santos continua a dizer que o Sporting só depende de si.
É isto que me preocupa, porque por si está visto que não chega a lado nenhum.
O Porto deu todas as chances ao Sporting, teve um final de campeonato pobre, empates nas jornadas 27 e 31 e derrota na 29, o Sporting conseguiu fazer pior. Falhou sempre, sempre, nos momentos decisivos e acabou por entregar ao Porto o campeonato sem que este precise de jogar mais.
Preferia ver um Sporting a lutar e o Porto a não ceder a esta vergonha.
Tenho uma teoria, que os factos vão confirmando, que falseia o futebol mais do que o tráfico de influências: os jogadores profissionais quando estão insatisfeitos com o seu treinador, porque os chateia, têm uma arma terrível, deixam de jogar até que o homem saia, resulta sempre.
O Engenheiro obviamente já foi à vida e os adeptos têm que rezar para que se encontre um treinador com a única qualidade necessária: que caia no goto dos jogadores.

2004-04-23

Apito Dourado

Não restam dúvidas a PJ tem um excelente departamento de “marketing”.
O nome da operação “apito dourado” foi realmente genial.
Caiu no goto a toda a gente, já foi traduzida em várias línguas, mereceu imensa atenção, inclusive uma análise semântica de Eduardo Prado Coelho que lhe descobriu virtualidade que até a mim me escaparam, como o pito do apito e também vitupérios e críticas de outros pensadores: nome piroso, parece nome de café ranhoso de bairro.
Uma coisa é certa, entre aprovações e apupos, ninguém lhe ficou indiferente.
Em que consiste não se sabe bem, mas que tem um grande nome não há qualquer dúvida.

2004-04-22

Livros Fertagus 6

Pois é, não acabaram ainda as leituras de combóio.
De Almada Negreiros conhecia alguma poesia excelente, alguma parte da sua obra plástica e recordo-me ainda da sua presença marcante no velho Zip Zip que revelou ao jovem que eu era então o excelente pensador e conversador.
Tinha porém uma lacuna, o romance.
Ler “Nome de Guerra” foi a descoberta dessa nova faceta do multifacetado artista.
Não sei o que lhes diga, gostar posso dizer que gostei mas confesso que esperava um pouco mais.
Definitivamente prefiro a sua poesia e os seus ensaios.

2004-04-20

O Espectáculo

All the world's a stage,
And all the men and women merely players;
They have their exits and their entrances;
And one man in his time plays many parts,

William Shakespeare: “As You Like It ”

2004-04-19

A Flor e a sua imagem

Corre agora um clip publicitário que traduz, sem palavras, aquilo que eu me esforço por ir dizendo aqui sobre o estado da nossa civilização.
É aquele anúncio em que 2 jovens rapazes disputam os favores de uma jovem rapariga, e onde vemos um colher uma flor e correr desesperadamente para a oferecer ao objecto do seu amor.
A moça, ingrata, despreza o estafado e suado rapaz, exibindo no seu telemóvel com ar triunfante uma fotografia de uma flor que lhe chegara primeiro electronicamente, enviada pelo comodista rival.
Pobre rapaz e ainda mais pobre rapariga.
Moral da história: o esforço e a dedicação nada valem face à esperteza saloia e mais vale a imagem mediática da flor do que a flor ela mesmo que se oferecia à vista ao tacto e ao olfacto.
Ora que grande porra de valores são aqui passados.

2004-04-18

O cabeça de lista

A coligação PSD/PP, pensou, pensou e lá conseguiu sair com um cabeça de lista para as europeias.
Imagino as dificuldades:
Gente capaz, interveniente que estude e viva os problemas com alguma profundidade, só causa problemas e incómodos.
Tem que ser alguém neutro que não levante ondas mas que tenha algum grau de charme, que se mova bem nos corredores, além de ter de ser mediático, para atrair votos.
Que não envergonhe o país, que saiba abrir ostras com elegância, que socialize nas recepções.
E eis que se faz a luz: João de Deus Pinheiro:
Como Ministro lá andou, sem levantar problemas, deixando os Secretários de Estado para lerem e estudarem os chatos “dossiers. Ele era Deus, além de Pinheiro.
Como Comissário Europeu é certo que foi apontado internacionalmente como a anedota dos Comissários, nunca estava, não sabia de nada, só jogava golfe, mas se não fez nada de bom, é certo que também não fez nada de mau e era charmoso, fazia boa figura nas recepções, nunca causou nenhum problema diplomático sério.
Tem que ser um cabeça de lista que caia bem ao povo e que não cause problemas sérios:
João de Deus Pinheiro é o homem indicado.
Os meus parabéns.

2004-04-16

Menopausa

Negócio de milhões, sem dúvida, e onde tudo é permitido.
Falo da terapêutica de substituição ou de compensação ou hormonal ou sei lá, apenas sei que também há um desinteressante debate semântico neste domínio.
Acontece agora que a mesma instituição que verificou cientificamente que essa terapêutica aumentava em 25% o risco de cancro, chega agora há conclusão, igualmente científica, que afinal o estrogénio até diminui o risco de cancro, isto sem por em causa o primeiro estudo.
Em que ficamos ?
O médico convidado pela 2 explicou o óbvio: Não se pode reportar assim, tem que se ler os estudos, as suas premissas, a metodologia e explicou claramente os ditos 25% de aumento:
Verificam-se normalmente 8 casos de cancro em 10 000 mulheres sujeitas a esta terapêutica, no estudo, registaram 10, em 10 000, logo mais 2 casos em 10, 2/10=0,2, aumentou 20% ! mas também pode ser 2 em 8 que até dá 25 % ? tanto faz, Clarissimamente.
Além disso parece que o estudo foi conduzido em mulheres na faixa etária entre os 70 e 80 anos.
Infelizmente não o deixaram prosseguir, mas também não tem importância, com números assim acho que se consegue provar tudo, o que interessa aos lobbies das terapêuticas não hormonais como aos das terapêuticas hormonais.
Vamos a ver quem tem mais força. A "ciência" cá está para o servir.

2004-04-15

Bush e Sharon

Já escrevi aqui algures que não são os EUA que apoiam Israel mas é antes Israel que controla os EUA. Via-o bem quem estava atento porque, de qualquer modo, havia sempre um pouco de pudor e a preocupação de disfarçar a realidade.
Agora já se perdeu a vergonha, porque Sharon é Sharon e Bush é Bush e nem um nem outro sabem nem sentem necessidade de disfarçar.
Quando Sharon mandou assassinar o Sheique, os EUA foram praticamente os únicos a não condenar Israel, obviamente.
Agora Sharon voltou aos EUA e ordenou maior apoio, para o muro, os colunatos, enfim, tudo o que queria e Bush lá deitou por terra várias resoluções das Nações Unidas e respondeu-lhe logo: OK Chefe.
Quem viu na televisão a conferência de imprensa, certamente reparou como Sharon cumprimentou Bush no final com palmadinhas nas costas e, embora houvesse voz off do comentador nacional, ouvia-se perfeitamente com os ouvidos da alma a expressão: “good dog”, enquanto afagava Bush que arfava de língua de fora.
É triste, é muito triste, sobretudo quando me vejo forçado a autoclassificar o meu país como lacaio do lacaio.

2004-04-14

Livro Fertagus 5

Já tinha lido os mais conhecidos, faltava-me este, “O Castelo”.
Mais um grande livro do dito maior autor do século XX, Franz Kafka, e este o mais belo dos seus romances depois de “O Processo” e “América” segundo reza a capa da minha edição da Europa-América.
Não li ainda “América” ou a sua nova edição que saiu com um outro nome, mas partilho a opinião que tenho ouvido a alguns interessados na obra de Kafka e considero este mais belo e abrangente do que “O Processo”.
Ninguém como Kafka conseguiu compreender e exprimir tão bem a angústia de viver nesta civilização ocidental, em que nos inserimos, cuja perfeição consideramos intocável e que estamos dando vidas para proteger.

2004-04-12

Revolução/Evolução

Involução, inovação, ovulação, ovação.... Who cares?

2004-04-11

Guerra Civil

Leio, cada vez com mais insistência que o Iraque está à beira de uma guerra civil, até eu já proferi essa sentença com o mesmo ânimo leve dos media.
Mas pensando um pouco, mesmo muito pouco, pode justamente perguntar-se “Onde está a guerra civil, quando os grandes inimigos da sociedade civil iraquiana se unem contra um inimigo exterior ?” “Será que as forças de ocupação são já parte da sociedade iraquiana ?” “Onde antes se viu Xeitas e Sunitas e mesmo alguns Curdos no mesmo lado da barricada ?”
Não, meus amigos, nunca se esteve tão longe de uma guerra civil no Iraque, o que cresce a olhos vistos é uma guerra de libertação.

2004-04-08

Auto-análise

Não sei bem porquê mas vibrei ontem mais com a vitória do Desportivo da Corunha do que com semelhante proeza do meu compatriota FC Porto.
Talvez porque me seduzam, sempre, as vitórias de David sobre Golias e o Porto é já um Golias.
Por outro lado o galego Desportivo é duplamente David:
David face ao gigante Milan que derrotou, também David face a Castela, que assistiu desesperada ao colapso do seu Real Madrid.

2004-04-02

Questões avulsas

Como se dirá o indizível ? Prometo-vos que quando souber vos digo.

Vi hoje, na 2, alguém saudar novas edições livreiras apenas pelos aspectos formais: a textura do papel, o formato, a presença de relevos na capa e aspectos como estes.
Eis que surge um livro fechado, lembram-se ? Eram todos assim há meia dúzia de anos e, de repente, parecem já tão distantes, já tinha esquecido completamente.
No entanto, ao recordar, descobri o prazer já perdido de desvirginar um livro novo, com a ajuda de um corta-papel ou, por vezes, tal era a ânsia de o abrir, de forma atabalhoada e grosseira com a os próprios nós dos dedos.

Identificação

No Mandarim, Eça de Queirós faz-nos meditar sobre o nosso envolvimento emocional em função da distância e da proximidade, geográfica ou cultural. Teodoro nunca teria assassinado o Mandarim se o conhecesse ou vivesse perto dele, mas pouco hesitou em fazê-lo quando ele lhe era totalmente estranho e vivia a milhares de quilómetros de distância.
Veio-me isto à memória ao observar as ondas emocionais geradas pelos atentados terroristas: julgo que morreram tantos mortos em Bali como em Madrid e foram muitos também no Iraque, Arábia Saudita e Marrocos, todos humanos como nós, mas estando Madrid aqui tão próximo, conhecendo nós tão bem os espanhóis, identificamo-nos muito mais com eles, e partilhamos mais facilmente a sua dor. Sentimos, podia mesmo ser connosco.
Também no conflito Israelo-Palestiniano, já li esta reflexão algures, mesmo quando ideologicamente estamos mais próximos dos palestinianos, dificilmente deixamos de nos perturbar mais quando rebenta uma bomba num autocarro ou num restaurante israelita.
Morre gente vestida como nós, que inocentemente almoçava num restaurante, como nós por vezes fazemos. Podíamos ser nós. A morte, igualmente cruel, de palestinianos, com seus trajes diferentes e modo de vida estranho é sempre mais suportável nas emoções.
Creio aliás que é só isto que permite manter o apoio a Israel naquela guerra desigual entre David e Golias mas onde David não é, neste caso, o futuro Rei de Israel.