2005-02-27

Erro de “casting”

Ana Sousa Dias é normalmente excelente no modo como faz brilhar os seus, mais ou menos apagados, entrevistados.
Marcelo Rebelo de Sousa é um “one man show”.
Juntar os dois é misturar água com fogo.

2005-02-26

Kasparov vs mundo

Talvez alguns ainda se lembrem de ver algumas referências ao facto, talvez outros, como eu, tenham mesmo participado nesse memorável evento e recordem com saudade a emoção de participar num acontecimento que se revelou único.
Tudo começou em 1999, na sequência da primeira vitória de um “software” de computador (hoje oficialmente destruído) contra um dos mais brilhantes xadrezistas do nosso tempo, de seu nome Kasparov.
A MSN pensou lançar um novo evento espectacular, já não Kasparov contra “Deep Blue” mas antes Kasparov contra todo o mundo.
Processava-se assim: no “site” da “MSN gaming zone” Kasparov jogava com as brancas, de 2 em 2 dias, 4 muito jovens talentos do xadrez: (Etienne Bacrot, Florin Felecan, Irina Krush e Elizabeth Pahtz) analisavam as jogadas independentemente e propunham respostas para as pretas e, qualquer cidadão do mundo interessado e que se inscrevesse no encontro, votava por uma das quatro propostas.
Simultaneamente estavam disponibilizados dois “fora” (um geral e um técnico) onde tudo podia ser discutido e analisado em permanência.
Estava tudo preparado para um calmo passeio de Kasparov até uma vitória rápida.
O que não se esperava é que “o mundo” levasse tão a sério este encontro espectacular e fizesse, de novo, tremer Kasparov, como veio a acontecer.
O jogo começou em 21 de Junho de 1999 com uma saída habitual de Kasparov: e4 e a sequência prosseguiu pacífica e rotineiramente no desenvolvimento de uma normal defesa siciliana.
No esquema predefinido começaram a esboçar-se algumas tendências: Dos 4 jovens escolhidos para aquela simples e compensadora tarefa de propor uma jogada, um deles, Irina Krush, no momento com apenas 15 anos, começou a mostrar querer levar o jogo muito a sério.
As suas opções eram muito bem fundamentadas, recorria a si própria, aos seus mestres e à observação dos “fora” e das análise gerais do mundo, para propor as suas respostas.
No lance 10 tudo se complica. Irina propõe uma novidade: Qe6 em resposta a Nde2, o mundo lança-se furiosamente na análise da proposta, páginas e páginas de análise são publicados nos “fora” e finalmente a votação consagra a jogada de Irina, criando-se a agora denominada “variante mundo” ou “world variation” da siciliana.
Daí para a frente o jogo intensificou-se, as análises nos “fora” ganharam uma qualidade notável, a “escola russa” de xadrez, assumiu-se como fazendo parte da equipa do mundo e, segundo se dizia, o próprio Bobie Fisher estava a participar com um “nick name”. Se não foi verdade, foi pelo menos verosímil.
Irina Krush transformou-se no veículo das jogadas do mundo. Eram publicadas mensagens desesperadas para que Irina as incorporasse na sua análise. O jogo assumiu uma qualidade notável.
Modestamente eu, entre 60 000 que votavam e os talvez 500 que participavam mais activamente nos “fora” também vivi intensamente os dramas de cada jogada, passei horas a ler tudo a analisar cada lance a escrever também os meus pouco significantes palpites.
Não obstante ter-se tornado evidente que a luta era desigual, Kasparov tinha acesso a todo o pensamento do mundo e o mundo desconhecia o que ia na cabeça de Kasparov, a certo ponto, notou-se que a MSN começou a ficar um pouco nervosa, o sistema começou a apresentar falhas e a haver sinais de que os resultados apresentados das votações estavam viciados.
No lance 58, lance crucial, Irina perde misteriosamente contacto com o “server” da MSN e é impossibilitada de apresentar a sua proposta, o lance “seleccionado” pelo mundo foi desastroso e o jogo entra em descalabro até à vitória de Kasparov no lance 62 a 27 de Outubro de 1999.
As denúncias de viciação das regras foram imensas em todos os “media” especializados, a MSN desmentiu sempre.
Como participante respondi a 1 ou 2 inquéritos que me foram enviados de algumas Universidades que quiseram estudar o interessante fenómeno sociológico que esse encontro gerou.
Falou-se muito na desforra que seria organizada em breve mas, lentamente, tudo foi caindo no esquecimento.
Seis anos passados, fica aqui a notícia de que eu não me esqueci e continuo à espera da desforra.

2005-02-25

A maratona e o xadrez

As palavras são como as cerejas, dizem, umas atraem outras e os pensamentos também.
Meditava eu sobre a decisão tardia de Santana Lopes de se afastar da liderança do PSD:
A perseverança e a combatividade costumam ser encaradas como virtudes, no entanto neste caso, era Portas louvado pelo seu abandono imediato e Santana era mais uma vez crucificado, agora pela sua perseverança.
Recordei-me então que se numa corrida de fundo é visto como nobre o terminar-se com 3 voltas de atraso e à beira de um desmaio, já no xadrez a persistência em não abandonar quando a derrota é evidente é visto como mau perder, impertinência insuportável e acto antidesportivo.
Também é muito digno ver-se o Papa a lutar até ao colapso final e não se suporta o apego ao poder e aos privilégios a que certas pessoas se colam como lapas.
Não é assim uma questão linear.
Mas o mais curioso é que esta deambulação intelectual, onde o xadrez foi central, trouxe à minha mente aquele encontro memorável que eu tive o privilégio de disputar com Kasparov e que merece um registo neste blogue.
Fica para o próximo poste, prometo.

2005-02-24

Preocupações

Os media estiveram preocupados com a seca, agora estão preocupados com a neve.
Sócrates está preocupado em formar um governo antes que os media adivinhem qual é.
Trapatonni esteve preocupado com a relva agora está preocupado com os jogadores.
Mourinho está preocupado com o diabo que parece, ultimamente, não estar a cumprir a parte dele.
Peseiro está preocupado, pronto.
Santana Lopes não tem mais preocupações com coisa nenhuma, parece.

2005-02-21

Eu também perdi

Ontem não foi só o Santana Lopes quem perdeu.
Também eu, que tenho assistido esperançoso, de eleição para eleição ao crescimento da abstenção, tive que me conformar ontem com um enorme revés, a abstenção diminuiu e, sejamos francos, está muito longe daquela meta dos 80 % que penso abanaria o sistema e faria pensar as pessoas.
Mas, na verdade, já não suporto mais este sistema oligárquico ou partidocrático, em que, na prática, nos sugerem que escolhamos entre 5 dirigentes partidários.
Eu também quero ir a votos meus amigos e acho que como cidadão zeloso e cumpridor, também deveria ter esse direito, mas não me deixam, só se me filiar num partido e tiver que pensar pela cabeça deles.
Eu sei que com o tempo também este sistema se corromperia mas gostava de ver uma Assembleia da República repleta de homens livres, “homens-bons” como dantes se dizia, fiéis apenas à sua consciência e independentes de qualquer partido.
Não haveria sequer esse conceito de maioria, ela teria de ser conquistada caso a caso.
Para ser como é, mais valia pagarmos só a 5 deputados:
O Sr. Sócrates com 120 votos
O Sr. Santana Lopes com 72 votos
O Sr. Jerónimo de Sousa com 14 votos
O Sr. Paulo Portas com 12 votos
O Sr. Louçã com 8 votos
Mais uns tantos técnicos para estudar processos e discutir nas comissões e chegava.
O resultado era o mesmo e saía muito mais barato.

O discurso de Santana Lopes

Ao ouvir as palavras de Santana Lopes após a sua derrota eleitoral, só uma imagem me veio a memória:
Lembram-se daquela cena dos Monty Pytons em busca do santo Graal, onde um guerreiro que entre expressões arrogantes para o seu opositor foi perdendo sucessivamente um e depois outro braço e depois uma perna e outra até ficar um pequeno couto saltitante que continuava a gritar para o cavaleiro que o derrotou e se afastava indiferente:
- Foi um empate, foi um empate !

2005-02-17

Ainda a campanha

É certo que estou sempre a falar nisto mas, como certo personagem famoso, cujo nome não me ocorre e que tinha uma imagem de chato e repetitivo terá dito, também eu o afirmo:
Pois é, já disse isto muitas vezes mas tenho ainda que continuar a dize-lo até que me compreendam:
Nas campanhas nunca se debatem ideias mas apenas generalidades mais ou menos irrelevantes e é assim agora, como foi assim antes.
Com Mário Soares ou com Cavaco as coisas não foram diferentes, não houve ainda uma única campanha onde se tenha discutido com elevação qualquer assunto.
Aliás se isso acontecesse o povo iria achar chatíssimo e os analistas iriam bater, na mesma, dizendo que os candidatos não foram capazes de utilizar uma linguagem acessível.
Não é na escala positiva que se apreciam os candidatos mas apenas na negativa: Quem comete menos “gaffes” e diz menos asneiras será o melhor mas mesmo assim não é linear que seja esse candidato impecável quem colhe mais simpatias e votos, às vezes pelo contrário, veja-se a célebre trapalhada de Guterres a dizer (ou a não dizer) o número do PIB, o que só lhe trouxe a admiração popular:
- Ele é como nós, também se engana nas contas !
Assim, a minha análise da campanha limita-se a considerar quem me parece que disse menos asneiras. A minha lista é a seguinte.

O mais certinho – Jerónimo de Sousa
2º lugar a alguma distância – José Sócrates
3º lugar – Paulo Portas
4º lugar – Francisco Louçã
5º lugar – Santana Lopes

2005-02-15

A suspensão da campanha

Muito se tem opinado sobre as decisões de suspensão da campanha, por parte do PSD e do CDS e, embora parcialmente, também do ps, por conta da morte da irmã Lúcia.
Eu não opino nada, sei o que faria, mas reconheço o direito a cada um de expressar a sua sensibilidade como bem entenda.
A minha questão só surge para assinalar um facto singular: é que, talvez por não ir a comícios e jantares, como aliás a grande maioria dos portugueses, não consigo descortinar o significado real da suspensão da campanha.
Para mim, continua tudo rigorosamente na mesma, parece que o que se passa é apenas uma alteração subtil de estado, só detectável por especialistas: campanhas em estado activo e campanhas em estado suspenso.
Abre-se um novo mundo para análise.

2005-02-14

A lógica dos media 2

Para demonstrar o aquecimento global, reproduz-se que a Nasa afirma que 1998 foi o ano mais quente desde o século XIX.
Quer dizer: vejam como isto está cada vez mais quente embora há mas de 100 anos ainda estivesse mais !?

2005-02-09

Reflexão

Este poema, de Drummond de Andrade, produz em mim o efeito dos velhinhos “pontos de ordem à mesa”:

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

2005-02-08

A lógica dos media

Houve um jornal que disse que Cavaco Silva disse que preferia a maioria absoluta do ps.
Cavaco Silva já disse que não disse isso. Então como é ?
Se o jornal disse que Cavaco Silva disse foi por que a postura e comportamento do próprio Cavaco tornou credível que ele o dissesse, não basta assim a Cavaco dizer que não disse o que o jornal disse que ele disse. Tem que explicar aos portugueses porque não disse o que disseram que disse ou ficaremos todos sem saber se realmente não disse aquilo que o jornal disse que ele disse ou se apenas disse que não disse o que na realidade disse.
Mais nada.

2005-02-04

O Debate

Pois é, foi ontem o tão esperado debate e, na verdade, correu como seria de esperar, os 2 candidatos lá foram respondendo ao que se lhes perguntava, sem gaguejar muito e articulando discursos mais ou menos compreensíveis, não envergonharam o país.
Mas não é do debate que é interessante falar. Dizer o quê ?
Que deixaram muitos assuntos por tocar ? O que é que queriam em hora e meia.
Que não apresentaram propostas concretas ? Questão mais do que estafada.
Em que campanha, em que lugar do mundo, se apresenta mais do que intenções e ideias gerais ?
Reforma aos 65 anos para funcionários que têm agora menos de 30, não é suficientemente concreto, quer-se saber todos os detalhes, em que dia se determina a idade dos 30 anos ? será preciso preencher formulários ? quantos e de que cor ? Santana Lopes não sabe, não é capaz de formular uma proposta concreta.
Admissão de um funcionário por cada dois que se reformem, não é uma proposta concreta. Se saírem 2 contínuos poderá entrar um licenciado ? e vice-versa ? Sócrates não sabe, só diz generalidades.
E os portugueses raladíssimos com a falta de propostas concretas.
Como não sou tão exigente, até acho que os 2 se saíram bem, acho até que o debate foi um digno substituto dos "malucos do riso", por mim poderia haver um debate destes todos os dias.
Ainda por cima os debates trazem sempre um prato muito mais saboroso: os comentários dos analistas.
Quem ganhou ? Querem todos saber, ainda que ninguém saiba o que é ganhar um debate (salvo talvez numa situação extrema em que um dos debatentes colapse ou meta os pés pelas mãos).
Mas o mais divertido são os comentários argutos, fundamentados por digníssimos psicólogos, sociólogos e especialistas de marketing, que nos explicam a quantidade de votos que pode render um determinado franzir de sobrancelhas.
E as gravatas senhores, não imaginam a importância das gravatas, a gravata grená de Sócrates, e a azul de Santana Lopes falam claríssimo sobre as opções políticas dos 2 candidatos.
Fica então aqui o meu conselho: não liguem ao que eles dizem que não interessa nada, escolham a melhor gravata e votem nela.
O Louçã é que se lixa, não me lembro de o ver com gravata.

2005-02-03

Fidelidades

Somos pessoas, únicas, o centro do mundo, mas vivemos, agimos ou interagimos com outras pessoas, igualmente únicas e também centros do mundo.
A boa ou má gestão desta dualidade, a capacidade de sobreviver nesta comunidade de deuses é a base de todos os conflitos humanos.
Dois exemplos:
Exemplo 1:
Diogo Freitas do Amaral, é o Presidente da Assembleia geral da Caixa Geral de Depósitos por nomeação do Estado, seu maior accionista.
O Estado nomeou-o porque viu nele capacidade e isenção para proteger essa empresa dos golpes que eventuais interesses obscuros poderiam tentar para maximizar para si os proveitos dessa empresa.
Certo dia, é o próprio Estado, que o nomeou e que ele representa, que desenvolve manobras para extrair para si vantagens especiais.
Deverá ser fiel a quem ?
À Entidade que representa e que o nomeou, para defender a empresa desse tipo de ataques selvagens ?
Ou
À empresa, ela mesma, que lhe paga, e que jurou defender ?
À nomeação ou à função ?
Diogo Freitas do Amaral escolheu a função.
Traiu quem o nomeou.
Quem é capaz de julgar a sua moral ?
Também o “homem do leme” de Fernando Pessoa, que na sua função se transcendeu no próprio Rei ou em todo um povo, traiu-se a si próprio e aos seus companheiros de tripulação, conduzindo-os a uma morte provável.
Nas minha maneira de ver, foi mais Deus do que Macaco.
Exemplo 2
Pacheco Pereira, do PSD, honra lhe seja feita, tem sido uma das vozes mais lúcidas na denúncia dos grosseiros desmandos de Pedro Santana Lopes na liderança do seu partido e do País. "Triste país".
Aproximam-se novas eleições onde Pedro Santana Lopes se apresenta para liderar o PSD e o país.
Deverá Pacheco Pereira ser fiel a quem ?
Ao partido em que milita, ainda que o veja a caminhar para o abismo. ?
À sua consciência ?
Pacheco Pereira diz que escolhe o PSD. Prefere o abismo.
A meu ver, está a ser mais macaco do que Deus, ainda que eu pense que, na realidade, ele não irá votar em ninguém, para poder dormir descansado.