2006-03-28

A Regionalização

Portugal é um caso singular em todo o mundo, não foi fundado, como dizia Agostinho da Silva, mas descoberto e assim se manteve, centenas de anos sem que ninguém se engane sobre onde é Portugal e onde não é Portugal.
É certo que há pequenas zonas de penumbra como aquelas aldeias transmontanas e galegas de que já falei aqui e, evidentemente o caso de Olivença que por não conhecer suficientemente o assunto, não sei bem se não é Portugal e só muito tarde se definiu como não portuguesa ou, pelo contrário, se é Portugal mas por engano foi metida em Espanha, que aliás nem existe.
De qualquer forma são apenas as pequenas excepções que confirmam a regra, Portugal é aqui e pronto, ninguém duvida e ninguém põe em causa.
Regiões, locais, formas diversas, rivalidades regionais, especificidades culturais é certo que Portugal as tem, e muito, mas como num fato há bainhas, bolsos, botões entretelas, golas e, sei lá o que mais, tudo coisas que fazem parte de uma totalidade e não têm sentido fora desse contexto geral.
Estamos assim numa situação quase anedótica: achamos alguns que é preciso regionalizar, mas passamos a vida a discutir que regiões deveremos ter !. É assim como, por exemplo, um realizador de cinema que quer montar o filme, porque os filmes têm de ser montados mas não sabe bem que filme há-de montar, porque ainda não realizou nenhum.
É que o problema da regionalização em Portugal não se coloca como na generalidade dos países que têm de facto regiões e se limitam a discutir que poderes conferir ou não conferir a essas regiões de forma a conseguir um são equilíbrio entre a funcionalidade do país e a manutenção da unidade nacional.
Para Portugal a questão é apenas técnica, não se trata de reconhecer direitos de regiões reais mas antes de organizar o estado de forma mais eficaz.
E sendo uma questão exclusivamente técnica a recente proposta de Sócrates, que retoma aliás a velha ideia de Valente de Oliveira das 5 regiões plano, é, infelizmente, tecnicamente errada.
Quem estuda honestamente as questões do desenvolvimento económico deveria saber que a história ensina, em todo o mundo, tirando talvez algumas excepções muito particulares, que na teoria de juntar no mesmo pacote regiões já mais desenvolvidas com outras menos desenvolvidas, não há nenhum “efeito de locomotiva”, como apregoam os seus teóricos, onde a máquina desenvolvida deveria arrastar na via férrea do desenvolvimento a carruagem mais atrasada, pelo contrário, o que geralmente se passa é que a máquina parte e com esse arranque também se parte o engate e a carruagem fica, cada vez mais e mais longe.
Falando mais claro, a questão é a seguinte:
Se eu tenho um orçamento de 100, por exemplo, para a chamada região Norte, se aí tiver duas regiões, digamos Minho e Trás-os-Montes, são 50 para cada uma delas. se tiver apenas uma região, a região Norte, serão 85 para a componente mais forte e 15 para a mais fraca.
É isto que a história nos ensina mas alguns não querem ver.

2006-03-22

Cavaco e Sócrates

Rios de tinta continuam a correr e milhares de neurónios se têm queimado, especulando sobre esta magna questão:
Será que Cavaco e Sócrates irão conviver sem problemas de maior ?
Pois aqui fica a resposta feita de ciência certa, que consegui alcançar depois de muito esforço e ponderação e apoiado no ombro de "gigantes":
Vão se dar bem ou talvez mal ou ainda ambas as coisas.
Depois verão se eu não estou certo.

2006-03-20

A clarividência do Sr. Ministro

O Sr. Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, depois de ler um estudo da Universidade de Évora, terá descoberto a solução para o problema da Agricultura em Portugal: Apoie-se a Floresta !
De facto são tudo ocupações do espaço: agricultura, floresta, campos de golfe, reservas de caça, baldios e a própria ocupação urbana, só que umas não têm nada que ver com as outras.
Dito assim, como vi escrito no público: “Portugal deve apostar na floresta para assegurar a competitividade da agricultura” soou-me a grande misturada de alhos com bugalhos.
É como se, Pinto da Costa dissesse: “O FCP deve apostar nos espectáculos musicais no dragão para assegurar a competitividade no futebol
Só que Pinto da Costa nunca diria isso, o Sr. Ministro é que parece que sim

2006-03-17

SPAM

Como já tenho referido aqui, as línguas desempenham 2 funções contraditórias: unem e separam.
Unem-nos a todos os falantes, separam-nos de todos os não falantes.
É por isso que não invejo o inglês que se vem degradando à medida que cresce, que se contamina ainda mais em vocábulos e na pronúncias do que contamina as outras línguas, que na sua crescente simplificação vai perdendo um mundo de significação.
O belíssimo inglês de Shakespeare onde está já ?
Mas também não gostaria de ter como língua materna uma daquelas línguas riquíssimas mas demasiado restritas, tipo finlandês, húngaro, norueguês ou gaélico, para falar apenas de línguas europeias.
O português está numa justa medida:
É, já por si, uma língua de 8 pátrias e milhões de falantes e suficientemente próxima do castelhano para que o entendamos minimamente, abrindo-nos o leque para mais centenas de milhões de falantes e dezenas de pátrias mas que conserva ainda aquele caracter semi-secreto que permite alguma intimidade em muitos contextos.
Já aqui, há tempos (20/07/2004), contei uma história que ilustrava um desses momentos íntimos, gostaria de falar agora de uma outra, não pequena, vantagem:
Como todos teremos a experiência, os nossos correios electrónicos (para falar português) tendem progressivamente a contaminar-se com inúmeras ofertas de negócios, promoções, vírus, “phishing”, em resumo, aquilo a que se costuma chamar de “spam”.
Mas se agradeço ao inglês estes termos esquisitos (phishing e spam) que me permitem precisar o meu discurso, também lhe agradeço que aí uns 95 % desse correio venha escrito em inglês macarrónico, o “broken English”, permitindo-me a sua mais rápida identificação e imediata eliminação.
Já muitas vezes tenho pensado nos problemas de decisão que se deverão colocar a um falante de inglês quando recebe um “e-mail” com o assunto “your contract” e que eu, porque não tenho “contracts” mas apenas contratos, sou capaz de eliminar sem dó nem piedade com uma simples “clicada” de rato.

2006-03-15

As OPA

SONAECOM só na PT e com BCP no BPI, etc e tal.
São as OPA
A sopa.
Mas se a sopa ensopa a opa ?
Oh pá !

2006-03-12

Aprendendo com o meu neto

Eu encerrava o almoço tomando o meu café. Pedro, meu neto de ano e meio, depois de procurar o meu colo, que neguei para não me estragar aquele momento solene, fugiu resignado para a varanda onde a avó recolhia alguma roupa da corda da roupa, deitando as molas para um velho cesto no chão, que há anos, cumpre essa tarefa exemplarmente.
Pedro sentou-se no chão, e olhava para o cesto onde iam caindo molas, coloridas, ao som de um pequeno estalido, quando caíam e chocavam com as outras que já lá se encontravam.
Eu compreendo que para um aprendiz de “homo sapiens” de apenas ano e meio, aquilo seja um espectáculo digno de captar a atenção, até que a avó terminou a tarefa, reentrou em casa, ficando na varanda apenas Pedro e o cesto das molas, mas agora num estado que não lhe agradava, “inútil”, estático, desinteressante.
Pedro, no seu ano e meio, já tem uma noção da lei da gravidade, pegou no cesto, na ânsia de lhe dar actividade e inteligentemente virou-o ao contrário provocando uma chuva de molas coloridas. Então sorria e pronunciava “a-tá”, expressão do seu palrar que terá um significado indefinido mas próximo do reconhecimento de um dever cumprido com sucesso.
Mas foi um prazer breve, as molas estavam agora espalhadas pelo chão, ainda mais desinteressantes.
Começou então uma tarefa de permanente insatisfação: ia apanhando umas molas e metendo-as no cesto, mas logo olhava para o cesto e para o chão e se insatisfazia com o resultado, despejava então de novo apenas as duas ou três molas arrumadas sem obter o efeito desejado.
Fartou-se breve, levantou-se e saiu da varanda, com o ar de quem diz “quem vier atrás que feche a porta !”.
Atrás de si ficou o caos.
Eu, que assisti a tudo isto enquanto bebia o meu café, percebi então que Pedro se comportou tal qual como todos os “Governos da Nação”: Um ímpeto inicial de destruição, de mudança, uma insatisfação com o resultado produzido e uma eterna e inglória busca de soluções para ir corrigindo o mal produzido.
Só que Pedro tem ainda apenas “ano e meio” !

2006-03-09

Como português e sportinguista

Apetece-me dizer aos ingleses que se rebolam de raiva e aos “especialistas” que dizem que a nossa liga de futebol é da segunda divisão europeia.
- O Benfica, de facto, em Portugal, tem que lutar desesperadamente para não cair no quarto lugar, mas para vocês é mais do que suficiente seus merdas convencidos!
Parabéns Benfica

2006-03-08

A semântica do lixo

Na minha recente visita à Irlanda tive oportunidade de visitar um interessante projecto, em fase de implementação, que visa a transformação de lixos de restaurantes e de matadouros em composto para a agricultura.
O promotor do projecto luta ainda afincadamente, com o apoio de vários cientistas, pela eliminação dos plásticos que lhe estragam o composto.
De momento é produzido um composto lindíssimo, de óptima estrutura, mas de onde saiem farripas de plástico que insistem em não se renderem à intensa actividade bacteriana.
O Promotor do projecto é porém um lutador e não duvida da sua vitória que antevê já alcançar através de um grande cone rotativo onde sopra um vento violento que há-de expulsar os malditos plásticos.
Nas suas palavras transparece o sonho, “eu sei que sou capaz” e prosseguindo no seu ideal diz-nos assim: “Para isto ficar perfeito eu tenho que conseguir despojos de estômago de bovino, isso sim, isso é um lixo limpo”.
Pat Boyle, que me acompanhava, como talvez alguns leitores deste blogue, ficou siderado por esta expressão: na sua imaginação via uma massa viscosa e nojenta que este homem se atrevia a classificar de lixo limpo.
Para mim, todavia, que por formação e gosto tenho uma visão mais telúrica do mundo, o conceito era perfeitamente perceptível: lixo exclusivamente orgânico, já meio transformado por diversos enzimas, e que integralmente se aliaria aos outros componentes orgânico e se transformaria perfeitamente em composto pela actividade bacteriana, e que, depois de incorporado na terra, geraria de novo vida é certamente um lixo limpo. Nojento, para mim, naquele contexto, eram de facto as malditas farripas de plástico.
Mas já no carro longe da fábrica, Pat Boyle repetia-me a “loucura” do homem: “lixo limpo ? despojos de estômago ? valha-nos Deus !”
Felizmente não vomitou a sua náusea, vómito que sujaria completamente o seu carro mas que não deixaria de ser “lixo limpo” para a fabrica de composto.
Uma coisa é certa, a semântica é fundamental também nas questões do lixo.
E foi isto que eu ouvi há dias num debate televisivo, na RTP2, sobre a questão candente da “co-incineração de resíduos perigosos”
Dizia um Professor que para evitar este clima de fobia colectiva, deveríamos ter feito como outros países, noutras línguas fizeram, chamar-lhe simplesmente “eliminação térmica de resíduos especiais”
Não tenho dúvida de que o Professor tem toda a razão.
Na imaginação popular “resíduos perigosos” tem de ser qualquer coisa de terrível que só de olhar nos deve matar, e a co-incineração (nem sequer é uma incineração como deve ser) se é que faz alguma coisa, será quanto muito separar o “peri” dos “gosos” que nós haveremos de respirar para morrer mais devagar.
Entretanto, segundo aprendi também recentemente numa reportagem radiofónica, os resíduos perigosos, ou especiais ou o que queiram, continuam a ser enterrados em Vale de Milhaços, num aterro sanitário onde só pastam cabras e ovelhas, felizes da vida.

2006-03-03

As línguas

Quando observo o caos da organização social e dos sistemas jurídicos e políticos que procuram, sem sucesso, regular este mundo globalizado e verifico que se tratam de concepções e realizações de cérebros supostamente iluminados, educados, inteligentes, reconhecidos por quase todos como espíritos brilhantes, não deixo de me surpreender com a espantosa conquista social, espontânea, criada por todos e por ninguém, presente em todas as sociedades, das mais primitivas às mais “civilizadas” e que se chama “a lingua”.
Criar a língua, a partir do nada, ou apenas do choro e do riso, não foi tarefa nada simples, definir um sistema de códigos simbólicos que relacionam sons produzidos pela boca, organizados de forma lógica, fonemas, com significados concretos e abstractos e de forma que são reconhecidos por todos dentro de um determinado grupo significativo, “imposto” sem lei nem escola mas espontaneamente em auto-organização, foi uma tarefa quase impossível de conceber concluída pela humanidade com um tremendo sucesso.
E não foi um sistema, foram milhares, cada um válido no seu contexto. Com cambiantes próprios adaptados às situações específicas, instrumentos poderosos de interacção mas também de exclusão e de afirmação de identidades.
Ninguém planeou as línguas, são uma conquista verdadeiramente democrática e popular. Penso aliás que é precisamente por isso que se tornou realidade.
Viva a humanidade e os seus sistemas linguísticos.