2004-05-31

O Ministro Arnaut

Mais uma vez o vi e ouvi, desta vez na nova RTPN (ex-NTV) e, como é habitual agora, falando do Euro 2004, ao seu melhor nível, disse assim:
Se tudo correr bem, vai ser bom para Portugal.
Se alguma coisa correr mal, vai ser mau para Portugal.
Digam o que disserem, não podemos deixar de estar de acordo com ele, é o que todos pensamos.
E queria aqui confessar que começo a considerar mais o Ministro Arnaut, começo a ter remorsos da ironia fácil que eu, como tantos outros fazemos com ele.
Eu sei que é uma tentação permanente porque é, sem dúvida nenhuma, um Ministro muito desfrutável, mas apenas porque é simples e puro.
O nosso mal não vem deste Ministro. Este Ministro é incapaz de fazer mal conscientemente. O nosso mal vem de outros, mais finos mas muito mais perigosos.

2004-05-30

Ferraduras

Todos sabemos que as ferraduras dão sorte, mas quem tem uma ou mais ferraduras e vê a sorte passar ao lado, naturalmente, deverá questionar-se sobre a verdade dessa máxima da sabedoria popular.
Há, no entanto uma razão que explica esta aparente contradição. Depois de muito pensar, decidi revelar-vos um segredo que aprendi na Polónia, junto de um velho e sábio ferreiro, segredo esse que revela o correcto uso da ferradura para estes importantes efeitos.
Hesitei muito antes de publicar, confesso, temos sempre a tendência para pensar que um segredo como este se deve manter privado, não vá o Diabo tecê-las. Por outro lado, porém, não vejo também nenhuma razão para que não tenhamos todos sorte de que aliás estamos muitos necessitados e decidi assim pela revelação.
É assim: a Ferradura, para acumular a sorte deve ser mantida com a concavidade para cima, como um U, naturalmente quando está ao contrário, o que por razões de estabilidade as pessoas tendem a fazer, toda a sorte escorrega pelo exterior e não fica retida na dita.
Também, se acumular muita sorte mas, por azar, ela tombar lá se vai a sorte para o galheiro.
Eu já experimentei mas o raio da ferradura está sempre a tombar. Vou arranjar uma solução que mantenha este princípio lógico. Afinal é tão evidente que tem de dar resultado.
Experimentem também.

2004-05-27

Sabedoria popular

O Benfica levou a fruteira mas o Porto ficou com o caneco.
Anónimo na TV

Design

Os povos, como as pessoas, também têm os seus traços de personalidade, nalguns casos mesmo, manifestam, como as pessoas, distúrbios de personalidade.
Os portugueses, segundo dizem, são um pouco maníaco-depressivos, serão, mas tem outros aspectos bem mais simpáticos e úteis em diferentes circunstâncias.
Um desses aspectos, que é muito nosso, é a capacidade de empatia, compreendemos os outros que nos são diferentes e adoptamos com facilidade aquilo que vemos nos outros e que nos agrada.
Este aspecto não é nada comum e é interpretado até, ás vezes e julgo que erradamente, como falta de personalidade.
Eça de Queirós dizia que os chineses, quando emigram, levam sempre a China consigo e lá fazem os seus bairros que são mini-Chinas, com casas chinesas a mesma gastronomia e hábitos de vida. Os portugueses não, vão de mãos a abanar, vêem e encaixam-se no que vêem.
Um exemplo disto é a forma como adaptamos palavras de outras línguas, enquanto o tempo as não incorpora, fazendo gala em as utilizar tal como no original, com a pronúncia próxima do original ou tão próxima como conseguimos e ouvimos.
Por exemplo Bruce Sprigsteen, em Portugal chama-se Bruce Springsteen, mas nos nossos vizinhos espanhóis já é qualquer coisa como Bru Sprintin.
Este hábito que me parece salutar, tem todavia dois aspectos que me irritam particularmente:
Quando as palavras são de uma língua estranha que não conhecemos exactamente, adaptamos sempre a pronúncia inglesa o que é um absurdo: ainda ouvi, no outro dia, num centro de massagens orientais em que explicavam que era uma arte milenar dos países do Oriente e, como exemplo, aplicaram a “Oriental face massage”, transformando o Inglês numa língua milenar do oriente.
“Oriental face massage” ? a que propósito ? se não sei o nome original porque não digo simplesmente “massagem oriental da face” ou coisa semelhante ?
O outro aspecto irritante é quando, por ignorância, mesmo em camadas sociais que a não deviam ter, pronunciamos mal as palavras transformando-as em coisas que não são da língua original nem da nossa, coisas híbridas e feias.
É o caso do “design” que usamos a torto e a direito, ignorando o nosso antigo termo “risco”, tão bonito, embora reconheça que pode ser fonte de confusão com as suas homófonas e homógrafas.
Mas dizemos quase sempre qualquer coisa como “désaine” e não “disaine” como os ingleses.
Isto irrita-me a mim e ao Carlos Pinto Coelho, porque já o vi corrigir, neste ponto, um seu entrevistado, causando um embaraço, que, no entanto, gostei de ver.

2004-05-25

Abu Ghraib

Todos nós conhecemos, já vimos, faz parte do processo de formação e das vivências de todos nós:
Uma criança de 3 ou 4 anos que cai e, por exemplo, bate com a cabeça numa cadeira provocando-lhe dor, chora e vira a sua pequena ira contra a cadeira agressiva sendo para isso estimulado por todos os adultos próximos: Tau tau nesta cadeira má que magoou o menino, e todos batem na cadeira atrevida. A criança parece recuperar da sua dor com a sensação de que a justiça foi feita.
Este fenómeno é amplamente conhecido da psicologia e não é só infantil como parece. De formas mais elaboradas, este mecanismo de incorporação do plano simbólico explica muitos aspectos do comportamento humano.
Mas o Sr. Bush que, como todos sabemos, tem uma idade mental próxima dos 3 anos, manifesta esse fenómeno na sua forma mais pura e singela como a criança que descrevi. Disse-nos agora mais ou menos isto:
Abu Ghraib foi palco de torturas no regime de Sadam mas também palco de torturas das forças democráticas de ocupação: A culpa é de Abu Ghraib; tau tau em Abu Ghraib, prisão má que faz mal aos meninos.
Como, apesar de ser intelectualmente um menino, tem já um corpo de gigante, o tau tau de Bush é mais violento: Destrui-se imediatamente Abu Ghraib e faz-se uma prisão nova que não faça mal aos meninos.
Com gestos como este o mundo torna-se mais feliz, a “justiça” é feita, e ficam as nossas consciência descansadas.
Como no caso da criança de que falei, a verdadeira causa da sua má experiência, a sua inabilidade para andar, passa incólume e fica pronta para o próximo fracasso.

2004-05-23

A Engenharia do século XXI

Não sei o que se passa com a nossa ciência e a nossa tecnologia.
Fazemos coisas espantosas e nunca vistas como este simples facto de eu, simples cidadão, poder escrever aqui qualquer coisa imediatamente acessível a todo o mundo. Isto era inimaginável há 5 ou 6 anos, no entanto, hoje é banal.
Mas assim como admiro estas conquistas do Homo Sapiens, espanto-me sempre como, ao mesmo tempo, se vão perdendo outros saberes e outros fazeres.
Cair um teto de um edifício público sem causas demasiado improváveis não deveria ser possível no século XXI.
Há centenas de ano, houve uma “corrida” na Europa pela construção de catedrais mais e mais altas, colocando imensos problemas de engenharia, elevando esta tecnologia a um grau transcendente e misterioso para o comum dos mortais. Orgulhamo-nos do nosso Mestre Afonso Domingues que permaneceu sob a abóbada do mosteiro da Batalha para afirmar a confiança na sua engenharia.
Centenas de anos depois de Afonso Domingues a abóbada do mosteiro da batalha ainda lá está atraindo milhares de turistas e o mesmo se passa por diversas imponentes catedrais europeias que sobreviveram a guerras e a bombardeamentos.
Centenas de anos depois, cai o teto do novo terminal do aeroporto Charles Degaule, construído há menos de um ano, assim como o teto da piscina de Moscovo, construído havia meses.
Eu sei que o paradigma da engenharia de hoje não é construir para durar mas construir barato mas o mínimo que se pede é que haja competência e que as coisas não caiam por si.
A muitos engenheiros de hoje, como aos que conceberam o novo terminal do aeroporto sobre os ombros dos gigantes “maçons” de todos os tempos, não admito nenhuma desculpa, só posso dizer: "shame on you”.

2004-05-20

Metablogue n

Por vezes, nalguns pontos da jornada, surge algo em mim que me obriga a reflectir sobre o sentido daquilo que faço.
Este blogue, por exemplo, permite-me publicar (tornar público e acessível ao mundo) alguns aspectos que traduzem a minha visão do mundo.
Ainda que ninguém leia de momento, ainda que tudo aquilo que eu escreva possa ser ou não se interpretado de acordo com as minhas intenções e motivações, sei que há seres humanos para quem aquilo que eu escrevo, num determinado momento, pode abrir novas portas de percepção.
Tem-se passado isso comigo relativamente a outras coisas que leio ouço e vejo e vivo, às vezes onde menos espero.
Sei também que estes bits e bytes lançado no mundo são efémeros, na nossa perspectiva, ainda que não saiba se algum arqueólogo do futuro não virá a desencantar algumas destas linhas a que atribuirá algum significado acrescido, como nós hoje fazemos a singelas placas de textos quase incompreensíveis datados de há milhares de anos.
Quero com isto dizer que independentemente de agradar ou desagradar, estar ou não estar na moda, aquilo que procuro escrever aqui é aquilo que de algum modo foi importante para mim.
E pretendo fazê-lo sem mais preocupações.
Vem isto a propósito de, por vezes, não escrever aqui aquilo que deveras quero por não o poder fazer com o rigor e as referencias precisas que a comunicação actual exige e eu próprio costumo exigir.
De futuro, ainda que sejam sombras que me afectaram, vou tentar falar nelas.
Almada Negreiros escreveu a sua História de Portugal de Cor, explicando que “de cor” significa: como o coração se lembra.
Vou passar também a escrever alguns postes de cor: como o coração se lembra.

2004-05-18

Ando intrigadíssimo

Porque será que tanta gente pensa e diz que Baía é o melhor guarda-redes nacional ?
Como é que ninguém reconhece que Baía foi o principal carrasco da nossa selecção no último mundial ?
Felizmente estas verdades foram evidentes para o Sr. Scollari, valha-nos isso.

Ando preocupadíssimo

Ainda não me chegou o convite para a boda de Felipe e Letízia.

2004-05-17

Privatização

O Governo inicia o processo de privatização da água.
A TVI dá a notícia e, não sei em nome de quê, embora suspeite, afirma que actualmente os consumidores nem sequer são facturados por cerca de 40% da água que é distribuída e se perde pelo caminho, não entrando nas nossas torneiras.
Que felizardos temos sido ao não sermos facturados por essa água que não consumimos!
É certo que no preço que nos é facturado pelo metro cúbico de água consumida, esse e muitos outros custos associados ao processo, mesmo os ligados a ineficiências da empresa distribuidora são repercutidos, mas a TVI achava justo que na factura viesse descriminado: + 40% de água que nós lhe demos e que nunca aí chegou: n Euros.
É assim mesmo, aliás se, por exemplo, um trabalhador adoecer, também deverá vir facturado os respectivos dias de trabalho a dividir pelos consumidores servidos, e, porque não, um jantar oferecido pela administração.
A TVI quer transparência total, mas às vezes parece que vive noutro mundo.

2004-05-16

Aviso à navegação

Aproveitando as novas habilidades do blogger, introduzi a função “coment”, permitindo comentários a cada um dos “posts”.
Só agora percebi como funciona, tem de se clicar num # que aparece no fim de cada post e escrever o que lhes vai na alma.
Façam favor.

2004-05-12

Leitura recomendada

Aqui deixo um link para um excelente artigo de opinião de Álvaro Domingues, publicado hoje no público.

As imagens do Iraque

A CBS saiu à liça e depois vieram todos os outros e julgo que ainda virão mais.
Os maus tratos nas prisões iraquianas passaram a existir.
Os anti-Bush, como eu, exultam por mais este revés numa política néscia, os pro-Bush dizem, acertadamente, que maus tratos fazem-nos todos e pelo menos o nosso sistema democrático discute e resolve as questões abertamente.
Vasco Graça Moura, assim como o Abrupto, desenterram um documento de 143 páginas publicado em 1976 pela Presidência da República, sob o título de Relatório da comissão de averiguação de violências sobre presos sujeitos às autoridades militares, onde crimes semelhantes ou piores são cometidos por militantes do PC e da UDP no pós 25 de Abril.
E tudo isto é verdade, é triste mas é verdade, nenhum povo, nação ou família política está limpo destes crimes, a maldade reside na condição humana.
Só que, infelizmente, a democracia não previne de facto casos destes, só à força, quando as coisas entram pelos olhos dentro e não se conseguem abafar, foi assim com a pedofilia cá e noutros países, é assim com estes maus tratos. E, mesmo assim não resolve bem estas situações, só os pequenos são punidos, e a vida continua.
Todos os que conheciam, estimularam ou pelo menos não contrariaram e que tiveram a esperteza de não se deixar fotografar, em resumo os chamados responsáveis, esses nunca vão responder por coisa nenhuma.
Bush parece que não sabia de nada e, por acaso, neste caso até acredito nele porque vive num mundo de fantasia de "rambos" e "superman".
Eu, pelo contrário, mesmo sem saber, já sabia, ali, no Afganistão e em Guantânamo onde não se tiram fotografias Não preciso de as ver para saber, e nem penso que seja um exclusivo americano, nas prisões de Fidel também, nunca vi, mas sei que há, assim como na generalidade dos países árabes e por cá também, nalgumas esquadras.

2004-05-11

Ferro Rodrigues está feliz

A OCDE reviu em baixa as perspectivas económicas para o nosso país, afinal a retoma ainda vai esperar algum tempo e isto apesar do Governo ter cantado de galo, há uns dias no parlamento.

2004-05-08

Cena do Ódio

... Há tanta coisa a fazer, meu Deus, e esta gente entretida em guerras ...

Almada Negreiros

2004-05-07

As tenças

Ao ver como os governos compensam regiamente os homens sem qualidade que enxameiam o país, como muito bem diz Paulo de Almeida Sande no seu excelente artigo de opinião, hoje publicado no Diário de Notícias, vêm-me há memória tantos que bem mais mereciam, se não tantas benesses, ao menos uma vida digna.
Vem isto a propósito do manifesto apresentado por alguns atletas de alta competição, referenciado no jornal da 2 por Susana Feitor.
Dizia ela, com imensa razão, que jovens que entregam 15 anos da sua juventude a um esforço enorme, que engrandece o país e faz levantar a nossa, tão abalada auto-estima, quando vemos tocar o hino e subir a bandeira num qualquer palco do mundo, estão muitas vezes condenados à miséria, quando passado esse período áureo, o país se esquece deles e eles têm que enfrentar um futuro que não prepararam devidamente.
Tudo isto me fez lembrar as tenças reais, que já não se usam, mas que ajudavam a pagar essa dívida do pais.
Para mim, quem já ganhou uma medalha olímpica, pelo que deu ao país, merecia que o país lhe permitisse viver dignamente até à sua morte.
Mas tudo isto são problemas velhos: logo a seguir, na 2, no programa do Prof Saraiva sobre Afonso de Albuquerque, surge a referência à estrofe 24 do canto X de Os Lusíadas, onde Camões se queixa que:
“Isto fazem os reis, quando, embebidos
Numa aparência branda que os contenta,
Dão os prémios, de Aiace merecidos,
À língua vã de Ulisses, fraudulenta,
Mas vingo-me: que os bens mal repartidos
Por quem só doces sombras apresenta.
Se não os dão a sábios cavaleiros
Dão-os logo a avarentos lisonjeiros

2004-05-06

Figueiredo Lopes está confiante

Foi isso que ele disse: estou confiante que se o verão estiver como no ano passado vamos ter uma situação de novo muito grave relativamente aos fogos florestais.
O Governo não fez nada, como lhe competia, agora é só preciso que o tempo também se mantenha inalterado para que a situação se repita.
Com estes ministros podemos andar descansados porque eles velam para que tudo fique na mesma, agora se o tempo não estiver tão favorável lá nos arriscamos a ter menos fogos, mas isso, o que é que se pode fazer ?.

2004-05-05

Sem novidades

De qualquer modo também não é preciso, fica aqui um link para o artigo de opinião de Luís Fernandes, publicado hoje no público e que considero muito bom.

2004-05-03

Spam

Sem dúvida que devo ter muitos leitores em todo o mundo mas não consigo perceber qual dos meus posts suscitou o seguinte e-mail que recebi de Krystal Glover e que dizia assim:
Macaco-Deus size does matter, grow your penis today iwwK

2004-05-01

A Semântica e o Iraque

Foi na Formiga de Langton que vi a referência e o link para o excelente artigo de Terry Jones (lembram-se do mais sério dos Monty Pythons) sobre os problemas semânticos na guerra do Iraque.
Deixo também aqui o link para o texto original mas para que os leitores que não dominam o Inglês não percam o conteúdo segue adiante a minha tradução.


Um dos principais problemas da actual e emocionante aventura no Iraque é que ninguém consegue decidir que nome dar a todos os outros.
Na segunda guerra mundial nós lutávamos contra os alemães e os alemão lutavam contra nós, toda a gente sabia quem lutava contra quem e é assim que uma verdadeira guerra deve ser.
Contudo, no Iraque, não há sequer unanimidade quanto ao nome a dar aos americanos. Os Iraquianos insistem em chamá-los “americanos”, o que parece , aparentemente, razoável. Os americanos contudo insistem em se referir a si próprios como “forças da coligação”. É talvez primeira vez na história que os Estados Unidos tentam partilhar a sua glória militar com outros.
Holliwood, por exemplo, está-nos sempre a dizer que foram os americanos que ganharam a segunda Guerra mundial. Foi um americano que conduziu a fuga do campo Stalag Luft III no “The Greate Escape”; foram os americanos que capturaram a máquina Enigma no filme “U571”; e foi Tom Cruise que sozinho ganhou a Batalha de Inglaterra (no seu último projecto, “The Few”).
Sendo assim acho reconfortante ver os generais americanos no Iraque realçarem o papel dos parceiros da América na construção de uma vida melhor no Iraque.
Depois há o problema de como é que os americanos hão de chamar os Iraquianos – especialmente aqueles que eles matam. O leitor pode chamar por algum tempo, “terroristas fanáticos” a pessoas que defendem as suas casas de “rockets” e mísseis lançados de helicópteros e tanques. Eventualmente até os leitores de jornais começam a sentir que alguma coisa “cheira a esturro”.
Igualmente é tremendamente difícil fazer as pessoas aceitarem o rótulo de “rebeldes” para aqueles Iraquianos mortos por “snipers” americanos quando – como em Falluja – se verifica serem mulheres grávidas, miúdos de 13 anos, e velhos parados à porta das suas casas.
Também parece um pouco enganador chamar “guerrilheiros” a condutores de ambulância – quando foram mortos por tiros que atravessam o pára-brisas na altura em que conduzem feridos para o hospital – todavia que outro nome se lhes poderiam dar que não os transformassem em alvos ilegítimos.
Espero que comecem a perceber o problema.
A questão chave, parece ser, chamar aos mercenários americanos “civis” ou “contratantes civis” e aos civis Iraquianos “guerrilheiros” ou “rebeldes”.
Descrevendo o recente ataque a Najaf, o New York Times, alegremente, encontrou o termo “milícias”. Tem a vantagem de ser meio vago (ninguém sabe bem qual é o aspecto de um miliciano ou o que é que eles fazem), ao mesmo tempo fá-los parecer aquele tipo de estrangeiros que qualquer governo responsável deve executar no local.
Contudo o problema semântico do Iraque ainda vai mais fundo.
Por exemplo, há “a entrega do poder” que deverá vir a ter lugar a 30 de Junho. Como nenhum poder real vai ser entregue, os tipos da coligação tiveram que encontrar uma expressão menos conclusiva. Falam agora da entrega de “soberania”, que é uma noção convenientemente elástica. Alem disso entregar uma “noção” é muito mais fácil do que entregar alguma coisa concreta.
Ainda por outro lado os americanos insistem em que levaram a cabo “negociações” com os mojahedin em Falluja. Estas “negociações” consistiram nos americanos exigirem dos mojahediin a entrega de todos os seus lança granadas em troca do que o exército americano não rebentaria com a cidade. Há o perigo que isto pareça mais uma “ameaça unilateral” do que uma “negociação” – que geralmente implica algumas cedências de ambas as partes.
Quanto à palavra “cessar fogo”, já se torna difícil perceber o que significa. De acordo com testemunhos credíveis de Falluja, o actual conceito americano permite significativas concessões ao lançamento de bombas “cluster” e “flares”, e ao uso de artilharia e “snipers”.
Mas talvez o desenvolvimento linguístico mais interessante se encontre fora das áreas de conflito – na calma Sala Oval, onde muito poucas pessoas são mortas por espreitarem da janela. Aqui palavras como “estratégia” e “política” são diariamente utilizadas para a automática reacção de políticos e comandante militares que pensam que a força bruta é o único meio de resolver questões difíceis numa situação delicada. Como diz o Major Kevin Collins, um dos oficiais responsáveis pelos “marines” em Falluja, “Se decidirem começar uma luta, nós terminamo-la.”
No passado talvez utilizássemos uma frase como “rematada estupidez” em vez de “estratégia”. Mas as línguas têm uma vida própria ... o que já não podemos dizer de uma série de iraquianos inocentes.
Terry Jones, escritor, realizador de cinema e Python
Tradução: Nuno Jordão