2005-10-26

O regresso do rebanho – Epílogo

Obras ema casa obrigaram-me a passar uns dias no Alto Lumiar, local que se chamava Musgueira até nascer uma nova e moderna urbanização que progressivamente se vai enchendo de jovens casais da média burguesia lisboeta.
É, nesta forma, um bairro novo da cidade, que já tem “sites” na internete, e blogues como este, entre outros, mas ao que falta ainda “alma”, procura ainda o seu “spiritus loci”.
Como sempre, há duas forças dominantes a moldar esse espírito:
Uma, dessas forças, nasce daquelas mentes modernas ou pós-modernas que conceberam o bairro e ainda o dominam de certa forma.
Visa a “ordem” e a homogeneização.
Nada de consentir rasgos de criatividade individual, que estraguem a “estética” do conjunto.
Estendais de roupa, nem pensar, “era só o que faltava sermos confrontados com esse símbolo do gosto individual como umas cuecas às bolinhas ondulando orgulhosamente ao vento como uma bandeira a declarar: aqui moro Eu”.
Não o fizeram ainda abertamente mas gostariam de regulamentar, os trajes apropriados para frequentar os átrios das casas, e o tempo concedido a brincadeiras das crianças, nos espaços públicos.
É um condomínio aberto mas tem horror a “estranhos”, todos os que não são dos “nossos”. Gostariam de fechar tudo à chave. Eu, para me mover no condomínio preciso dumas 8 ou 9 chaves e faltam-me algumas...
Na garagem colectiva está escrito junto à porta de saída, que, assim que sair, devo bloquear o acesso até que o portão se feche novamente, não vá entrar algum “estranho”, sem se lembrarem de que assim nunca deixaremos todos de ser estranhos uns para os outros.
Outras forças porém, de alguns moradores que querem apenas viver em paz e harmonia com os seus semelhantes, vão lentamente procurando impor novas regras que humanizem o bairro.
Tenho esperança que dentro de alguns anos se possa já viver ali alegremente, agora ainda não e foi assim que certo dia, ao fim da tarde, quando me dirigia ao meu carro, estacionado no interior da garagem, para sair, vi com espanto, ao longe, os portões permanentemente escancarados.
O que se passaria ali, seria uma revolução ou simplesmente uma avaria no mecanismo de abertura e fecho do portão ?
Percorri o caminho até à saída até que comecei a distinguir uma fila de carros que, um a um, calmamente, recolhia à garagem. À porta, dirigindo este fluxo, estava um agente da segurança privada que vela pelo condomínio, cumprimentado todos e detendo-se, de vez em quando, a trocar breves palavras com um ou outro.
Todas aquelas imagens de rebanhos que descrevi atrás, assaltaram o meu espírito:
Tudo aquilo me pareceu o regresso de um rebanho, neste caso, rebanho de quadros técnicos ou administrativos que regressavam ao “redil” após um dia de “pastagem” em diversas empresas e repartições. Até tinham o seu “pastor”, o segurança, a quem me pareceu ouvir murmurar: “anda “bonita”, vai “malhada”, como está a tua mamite “lanzuda” ?”.
Aprendi depois que tudo isto se repete diariamente.
Vários anos depois pude ver, de novo, em Lisboa, um “regresso do rebanho”, só que deste eu também faço parte, por vezes.

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