2009-12-30

Questão de lógica número 1

Ouvi algures Sócrates dizer que não haveria aumento de impostos em 2010.
Ouvi algures a oposição dizer que o novo código retributivo representava um brutal aumento de impostos.
Ouvi algures o PS dizer que o novo código retributivo visava apenas a justiça fiscal, nada de aumento de impostos e blá, blá blá.
Vi que Cavaco promulgou o adiamento da entrada em vigor do novo código retributivo como propunha a oposição.
Ouvi o Governo dizer que esse adiamento iria fazer diminuir as receitas do Estado de uma forma brutal.
Mesmo sem ler o texto do novo código retributivo, e tendo como base as premissas acima referidas, responda por favor:
O novo código retributivo iria ou não aumentar os impostos?
A mim, por acaso, parece-me que sim, que Sócrates terá mentido. Quem diria?

Terrorismo Poético

Este filme que me chegou por via de um meu amigo, autor deste magnífico blog agora renascido, ilustra um acontecimento magnífico que classifico de terrorismo poético.
Trata-se da interpretação insólita de algumas áreas de Verdi, inesperadamente, em pleno mercado de Valência.
Terrorismo, porque a deslocação do tempo e do espaço, e a reacção de intensa surpresa e prazer que gerou, foi mais eloquente do que um magnífico discurso sobre a insanidade monótona do quotidiano que nos fazem viver.
É um verdadeiro murro no estômago.
Poético porque o belo aconteceu ali.
Espero que tenham tanto prazer ao ver este pequeno filme quanto eu tive.

2009-12-27

Notícia do dia

Hoje, um avião, rumo aos EUA, teve de aterrar de emergência porque um passageiro era nigeriano e esteve demasiado tempo na casa de banho.
Quando será que estes nigerianos, aprenderão a não ter distúrbios alimentares quando viajam?
É a paz do mundo civilizado que o exige!

2009-12-23

Para todos os meus leitores e outros amigos não leitores

Desejo:

Um Feliz Natal
Um Feliz Solstício
Um Bom ano novo.
E que o "Pai Natal" derrape na neve ou tropece numa nuvem e desapareça para sempre.

2009-12-20

Por favor, não contem a ninguém

Tenho andado angustiado, há dias que não escrevo nem leio blogs.
Mas hoje decidi confessar:
Eu sou um emissor de CO2 para a atmosfera.
Em cada expiração minha sai CO2 para a atmosfera, com várias expirações por minuto ao longo de 60 anos de vida já deve estar na escala dos milhões o CO2 que eu tenho mandado para a atmosfera.
O pior é que não sou capaz de mudar e com este falhanço de Copenhaga perdi a esperança de receber alguns Euros para me motivar a parar de respirar.
A minha única solução é permanecer despercebido, conto com os meus leitores para manterem o segredo.
E as minhas desculpas pelo frio que anda por cá.
Enfim, desabafei!

2009-12-09

O clima económico

- Eh pá! Tem estado cá um défice.
- Pois tem, mas o que mais me chateia é esta dívida pública persistente e não para a gaja!
- E o desemprego, pá, tem sido fortíssimo, em certas zonas até caíram firmas.
- É uma porra pá. Quem me dera uns belos dias de crescimento. Já não se aguentam estas mudanças climáticas.
- E nem Copenhaga salva isto!
- Pois não.

2009-12-07

Reflexão sobre o estado do mundo

A propósito da cimeira de Copenhaga

O mundo está em mau estado, é público e notório.
Ontem, a propósito desta cimeira de Copenhaga, assim como noutros dias, vi e ouvi coisas aterradoras.
Na RTP2 vi excertos de um programa com depoimentos de gente ilustre da ciência e da política e que nos dizia como estamos a perturbar o nosso Planeta Terra ao ponto de comprometermos a nossa sobrevivência como espécie.
Lembravam-nos de como é a nossa vida: logo de manhã, em bichas no carro, deitando toneladas de CO2 para a atmosfera, comendo e consumido plástico, muitos trabalhando para produzir ainda mais CO2, enfim as rotinas modernas numa sociedade mercantilista como é a nossa.
Aí questionei-me.
É bem verdade, seria bem melhor para o mundo que estivéssemos todos na praia ou no campo, jogando à bola, brincando com as crianças, respirando ar puro e não poluindo a atmosfera e creio até que a larga maioria dos meus companheiros de espécie, aceitaria fazê-lo de boa vontade.
Porque o não faz? Porque insiste em sobreviver nas bichas de trânsito, nos horários, no trabalho na fábrica poluidora?
A resposta parece-me ser: Para sobreviver, porque é a única alternativa que lhe é dada.
Será que Copenhaga irá decretar uma nova estratégia salvadora?
Infelizmente, tenho a certeza, que não.
Porque nós vamos nos nossos automóveis em bichas e penosamente, em enormes passadas ecológicas, não porque queremos mas apenas porque nos obrigam a isso, a lógica da vida obriga-nos a isso, não há Governo nem cimeira de Governos que possa alterar essa vivência e esse é o drama que enfrenta o mundo, é escusado deitarem-nos a culpas que, de facto não temos, nós somos vítimas mesmo quando poluímos à força, somos mesmo as grandes vítimas.
Aliás, Copenhaga não consegue ver mais longe do que esta lógica única, a receita que procura é ela mesmo mercantilista é preciso ganhar dinheiro estragando o mundo, para poder pagar o direito de o estragar ainda mais.
Alguém entende esta lógica?
O que é estranho é que muita gente a entende.
Mesmo quando alguns falam numa nova economia, não sabem exactamente do que estão a falar, imaginam apenas uma economia ideal onde há emprego para todos, e dinheiro para o trabalho e o lazer, e o acesso ao espectáculo e à tecnologia, a tal nova economia!
Pensam que o caminho para ela é o reformista, de melhoria em melhoria, não se dando conta que a experiência e a história não nos indica isto.
Não somos homens e mulheres mais felizes do que os nossos antepassados de há 10 000 anos, temos apenas mais tecnologia e, provavelmente não a tecnologia que nos faz mais falta, até porque a deitamos fora a uma velocidade vertiginosa e, em contrapartida muito mais marginalidade, muito mais gente fora do sistema, muito Maios gente sem voz nem saída.

A título anedótico refiro apenas que depois destas reportagens vi Pacheco Pereira queixar-se de que duas publicações de referência traziam exactanente as mesmas capas.
Porquê? Porque eram capas de publicidade paga.
Pacheco Pereira deitava as culpas para esses jornais vendidos ao capital, só não explicava como é que eles se podiam livrar dessa publicidade paga e ainda assim sobreviver e pagar as suas crónicas, entre outras despesas.
Que se arranjem, ora essa!

2009-12-06

Num mundo louco não serão os loucos os mais sãos?

Este título, que apanhei já não sei onde, dava para dissertar por mais de mil páginas.
Começando pelo próprio significado da palavra louco, como um valor relativo, apenas definível face a uma norma comportamental corrente, por isso mesmo chamada normal.
Mas não me vou alongar sobre o assunto. Queria apenas deixar aqui duas obras notáveis sobre o tema, dentro das muitíssimas que já foram feitas.

A primeira até é nossa, da “Mensagem” de Fernando Pessoa e escrita a propósito de El-Rei D. Sebastião.

QUINTA / D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

A segunda, é um tango de Astor Piazzola, com letra de Horácio Ferrer, que já tem 40 anos mas que ainda está vivo e de boa saúde.
Chama-se “Balada para um louco”.
Parece que quando foi escrito suscitou uma enorme polémica, houve muitos que não o aceitaram bem e consideraram mesmo como uma espécie de “ofensa” ao tango.
Mas o tempo tudo cura e hoje o reconhecimento é generalizado e as interpretações são imensas e muitas excelentes, de artistas de todo o mundo, muitas das quais se podem ouvir e ver no “youtube”, suscitando calorosos debates sobre o valor de cada uma..
Eu também tenho as minhas predilecções neste domínio mas como há muitas maneiras diferentes de sentir, escolhi para publicar aqui a versão original de Amelita Bertal, que segue:


2009-12-01

Nem Ionesco faria melhor

Na Cimeira Ibero-Americana.

Jornalista: Qual é a posição dos Governos de Portugal e de Espanha sobre a soberania da ilhas Malvinas?
Sócrates (respondendo): Logo vamos assinar o novo tratado de Lisboa!

2009-11-25

Carta a meus filhos

Subscrevo inteiramente a “carta a meus filhos, sobre os fuzilamentos de Goya” que Jorge de Sena escreveu há anos.
Como eu não saberia dizê-lo melhor, deixo aqui o texto original que dedico aos meus filhos e aos meus netos.



Goya: Los fusilamientos de la montaña del Príncipe Pío

CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo, onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido, conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer, o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver. Tudo é possível, ainda quando lutemos, como devemos lutar, por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade não tem conta o número dos que pensaram assim, amaram o seu semelhante no que ele tinha de único, de insólito, de livre, de diferente, e foram sacrificados, torturados, espancados, e entregues hipocritamente â secular justiça, para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido.
Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer, aniquilando mansamente, delicadamente, por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror, foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha há mais de um século e que por violenta e injusta ofendeu o coração de um pintor chamado Goya, que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor.
Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve, nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis) de ferro e de suor e sangue e algum sémen a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de té-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente, sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero.
Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão.
Confesso que multas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável. Serão ou não em vão?
Mas, mesmo que o não sejam, quem ressuscita esses milhões, quem restitui não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã».
E por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.

2009-11-24

Desentendimento

Ontem assisti, no programa “Prós e Contras”na RTP1 ao “debate” sobre a justiça.
Aspei (neologismo) o debate porque na realidade não vi nenhum debate.
Não vi o confronto de ideias, não vi o desacordo que esperava ver num debate, apenas vi desentendimento, foi como todos dissessem uma só coisa em línguas diferentes.
Tornou-se mais claro para mim o pensamento de Jacques Ranciere: “Desentendimento: Política e Filosofia”.
Nessa linha do desentendimento, procurei as minhas reflexões, já de 2006, sobre a corrupção e observei, com gosto, que ainda estavam actuais, tinham ficado também bem naquele debate.
Aqui fica a primeira.
A segunda
A terceira.
Também uma conclusão, a propósito do livro de “Paulo Morgado”

2009-11-18

Portugal

Conseguiu hoje o apuramento para a fase final do Campeonato do Mundo de futebol de 2010.
Agora, só falta fazer o resto.

2009-11-12

Como é difícil gerir um mundo destes

Geisy Arruda, foi expulsa da Universidade Bandeirantes em S. Paulo por usar uma mini-saia mais pequena do que qualquer norma obscura permite.
A perturbação que causou na Universidade foi classificada pela RTP1 como fruto da barbárie, ignorante.
As minhas perguntas?
Se a jovem Geisy se tivesse apresentado nua, será que a reacção, que certamente haveria, seria ainda assim considerada de barbárie, ignorante?
Uma comunicação social que acha inadmissível que um Ministro faça “corninhos” com os dedos e ainda inadmissível e ridículo quando alguma instituição determina regras de conduta e vestuário, tolerará o quê? Mini-saia sim, corninhos não, nudez, não sei.
É difícil viver num mundo destes.

2009-11-10

A questão dos crucifixos nas escolas

Ou o poder dos símbolos

Como já saberão, um casal ou talvez a mulher desse casal italiano, de nome Soile Lautsi e de origem finlandesa, numa, epopeia notável de combatividade, conseguiu uma decisão da Corte Europeia dos Direitos Humanos para a retirada de um crucifixo de uma escola em Padova (Itália) onde estuda uma filha desse casal.
O crucifixo incomodava-a.

Este episódio mediático traz-nos muitos pontos de reflexão.
Em primeiro lugar admiro o esforço e a luta daquela mulher para fazer vergar a autoridade da escola, que perante o seu manifesto incómodo, a tratou com sobranceria e desprezo e se recusou a conformar com o seu pedido. A força de um indivíduo contra um mundo hostil.
Em segundo lugar admiro a escola que não cedeu a uma, para ela esquisitice, de uma mãe que se incomodava com algo que não incomodava mais ninguém. A coerência de quem acredita no sistema.
Em terceiro lugar irrita-me aquela mãe tão insegura das suas convicções e da sua capacidade de educadora que pensa que um simples crucifixo afixado na parede irá corromper e estragar toda a educação que pretende para a sua filha, atribuindo assim uma capacidade sagrada ao crucifixo ainda mais forte do que a atribuída pela própria Igreja Católica. Contradizendo-se e mostrando-se assim tão frágil no seu ateísmo militante.
Em quarto lugar irrita-me aquela escola que não teve capacidade de gerir uma questão bem simples e de tratar assim à bruta a sensibilidade de uma mulher. A prepotência da autoridade surda cega e cobarde.

A realidade é que tratamos com símbolos e ninguém domina a força psíquica que os símbolos trazem e que magicamente afectam alguns ao ponto de serem capazes de morrer por eles e deixam completamente indiferentes outros.

Este episódio faz-me estabelecer uma relação com um outro, passado com o meu neto Luís e relatado no “blog” da minha filha Joana e que reproduzo parcialmente aqui:

”Ao comer sopa de letras começa a gritar "Xis não, xis não". E eu, porque só quero paz e sossego, trato de tirar xizes para a borda do prato. No fim enche a colher: "Agora todos!" Engole uma colherada de Xxxxx e a cozinha fica finalmente em silêncio.”

Para o Luís, aos 3 anos, os xis já parecem ter uma força simbólica.
E até é uma letra curiosa é também uma cruz, a cruz de Sto. André.

A minha conclusão, vou buscá-la a Shakespear.

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a tua vã filosofia”

Citando de cor o que me lembro de ter lido no Hamlet de Shakespear.

2009-11-09

A Ciência espectáculo

Há pouco, no telejornal da RTP1, reportaram um estudo, Norte-americano, que demonstrava que as filhas envelhecem como as mães!?
A utilização da notação: !?, usada no jogo do xadrez para notar uma jogada simultaneamente admirável e insólita ou estranha foi a que encontrei para caracterizar este facto.
Altos investigadores de uma universidade americana descobrem algo que toda a gente já sabia, há milhares de anos, consagrado na expressão “Tal pai tal filho”.
De facto o mecanismo genético já era pressentido pelos humanos, ainda que não fizessem ideia de como funcionava, muito antes do abade Mendel começar com as suas experiências, controladas, com as ervilhas de cheiro.
O meu espanto (!) veio daí e a minha estranheza (?) veio de antever que algo mais importante estaria por trás.
E de facto parece que estava mas só me chegou implícito.
Segundo o investigador que tentou explicar o estudo, a questão em causa foi analisar a importância relativa dos factores genéticos face aos factores adquiridos e, entre eles, foi focado o uso de barbitúricos, de fumar, dos maus hábitos, em suma.
Para espanto dos investigadores que, certamente entre outros casos, analisaram Judy Garland, que parece ter sido um poço de vícios, com a sua filha Lisa Minelli, que também parece não estar isenta de pecados embora diferentes, o resultado não apresentou diferenças significativas, Judy e Lisa ganharam as mesmas rugas nos mesmos sítios e nas mesmas idades.
Depois, aperceberam-se de quão politicamente incorrecto era dizer isto:
Faça a vida que fizer, beba drogue-se, deboche que o resultado vai ser, mais ou menos, o mesmo, vai envelhecer tal qual como a sua mãe.
Não podendo dizer isto, o que dizem então? o que todos já sabíamos: tal mãe, tal filha.

2009-11-06

Factos na ordem do dia

Como espectador medianamente interessado no espectáculo político nacional, fui olhando o debate sobre o programa do novo e, no entanto, velho Governo.
Hoje constatei, com espanto, o resultado:
O Programa passou embora sem votação.
Pergunto eu: Se não se votou como é que se sabe que foi aprovado?
Mas o facto não parece ter incomodado ninguém, pelo menos ninguém se deu ao trabalho de me explicar. Deve ser óbvio.
Passou sorrateiro perante as críticas da oposição que, todavia, não lhe fizeram mossa nenhuma, foi uma brincadeira.
Eu passei a conhecer essa, para mim, nova figura parlamentar: não se vota e aprova-se por omissão.
Por vezes é cómodo, sem dúvida.

Paulo Bento lá se decidiu a sair do Sporting, e assim não foi preciso meter na rua todos os jogadores.
Até reconheceu que já devia ter saído há 4 meses.Também me parece.

2009-11-02

O Sporting

Só tem duas hipóteses:
Ou substitui o treinador Paulo Bento
Ou deixa ficar o Paulo Bento e substitui todos os jogadores.
Assim está mais que provado que não dá.

2009-11-01

A noção de crime

Hoje, quase por acaso tropecei neste texto de Daniel Quinn, que traduzi para aqui e que acrescenta alguma luz à reflexão que procurei estimular no poste anterior:

Se alguém te irrita, por exemplo por te interromper constantemente quando falas – isto não é crime. Não podes chamar a polícia e fazer com que essa pessoa seja detida, julgada e presa, porque interromper pessoas não é crime. Quer isto dizer que tens de resolver a situação sozinho, como puderes. Mas se essa mesma pessoa entrar na tua propriedade e se recusar a sair, isto é “invasão de propriedade”, um crime, e podes, sem dúvida chamar a polícia e fazer com que essa pessoa seja presa. Por outras palavras, o crime mobiliza a máquina do Estado, enquanto outros comportamentos indesejáveis não. Crime é o que o Estado define como crime. Invadir a propriedade é crime, interromper não é crime e, portanto, temos duas opções inteiramente diferentes de lidar com a situação – que as pessoas nas sociedades tribais não têm. Seja qual for o problema, seja má educação ou assassínio, eles lidam com o problema da mesma maneira que tu lidas com o interruptor de conversas. Invocar o poder do Estado não é uma alternativa para eles, Porque não têm Estado. Nas sociedades tribais o crime, simplesmente não existe como uma categoria específica de comportamentos humanos.

2009-10-31

O que será?

O povo chama-lhe “cunhas” e diz que é assim mesmo.
Para a Ciência é “Capital Social” e pensa-o como algo fundamental.
No “Management o nome é “networking” e é muito moderno.
A justiça dá-lhe o nome de “tráfego de influências” e trata-o como mais um crime.
O que será?

2009-10-30

Aprendizes de feiticeiros

Hoje vivemos um momento idêntico ao que eu vivi ao ler o livro “Silent Spring” de Rachel Carson alertando para algumas consequências até então ignoradas sobre o uso desse maravilhoso produto milagroso que, entre outros feitos, como no combate da malária, eliminou os piolhos a toda uma geração, a minha, como aqui escrevi.

Se forem ao “you tube” e fizerem uma pequena pesquisa sobre vacinação em inglês mas mesmo em português e, suponho em qualquer língua do mundo, logo verão inúmeras mensagens sobre possíveis perigos das vacinações em massa.
Pasteur nunca imaginou como a sua descoberta que abriu portas para grandes conquistas da humanidade, para a forte redução da mortalidade infantil e para o aumento da esperança de vida pudesse ser criticada assim pelos males que também produz, no acréscimo de doenças que estavam circunscritas ou obscuras e são problemas sociais agora, como as asmas, as doenças de Khron e tantas outras.

Esta mensagem progride. Há já muita gente esclarecida que recusa a vacina contra a gripe A.

A chave da natureza é a diversificação, por isso há a reprodução sexuada, as combinações de ADN e os milhões de pequeníssimas diferenças que fazem cada um de nós um ser único, tornando-nos fortes como um conjunto feito de diferenças.
A sociedade global luta contra a natureza e procura por todos os meios a homogeneização. Todos iguais e belos.
Continuar nesta via vai transformar a sociedade num conjunto de super homens e super mulheres que serão todos perfeitos até que um sopro de qualquer brisa os derrube a todos como num jogo de dominós.

2009-10-27

O caso Alexandra e o superior interesse da criança

O caso Alexandra voltou à ribalta porque as autoridades russas descobriram o que a opinião pública portuguesa já sabia há muito tempo: A mãe é alcoólica e incapaz de educar uma criança.
A solução é simples, para os portugueses: a criança tem de voltar para Portugal; e tentam já comprar o pai, que parece estar profundamente desinteressado.
Para os russos também é simples, a criança tem de ficar na Rússia.
E discute-se o assunto como se discute o futebol.
Em toda a argumentação vem sempre à baila aquele princípio orientador: o importante é salvaguardar o superior interesse da criança.
A grande questão aqui, como noutros casos, é que ninguém sabe qual é o superior interesse da criança, cada um só sabe o que entende ser o superior interesse da criança.
A minha questão é o apego inútil essas fórmulas ridículas que suscitam a unanimidade mas não têm qualquer valor operacional. Quem saberá qual é o superior interesse da criança? Desta e de todas as crianças.
O interesse imediato ainda se poderá saber mas o superior interesse, quem o adivinhará.
Entretanto Alexandra parece que vai continuar aos tombos como até aqui ao sabor das arbitrariedades.
Ainda assim eu, pelo menos, não sou capaz de dizer se esse não será talvez o seu superior interesse.

2009-10-22

De regresso ao admirável mundo velho

Cheguei e estou pousando ainda.
Vejo a controvérsia gerada pelas palavras de Saramago no lançamento do seu novo livro “Caim”, que eu não li nem tenciono ler.
O que disse Saramago já eu o digo há muito tempo, até neste blogue mas foi há tanto tempo que nem me dou ao trabalho de procurar o “link”, depois é uma mera evidência para quem lê a bíblia.
Interessante sim foi ver as posições contra que se ouviram, como se destrui uma evidência: minimizando o arauto, não sabe ler ou leu ingenuamente, não percebeu as épocas e as características de cada tempo, que a bíblia também tem o cântico dos cânticos, enfim desviando-se do essencial: O Deus judaico é um Ser vingativo mesquinho e cruel.
E a questão está aí, não são as histórias de homens de crueldade que a bíblia conta que incomodam, nem é mesmo o enxertado Novo Testamento que não tem nada a ver, são as posições Divinas, arbitrárias, caprichosas maliciosas, que a bíblia relata e que nos são apresentadas como modelo a utilizar.
Os exemplos estão lá por todo o lado a começar, de facto, nesse insólito episódio de Caim e a arbitrária rejeição da sua oferta de frutos da terra.
Que pai, bem formado, rejeitaria assim um presente de um seu filho elogiando o presente de um cordeiro de seu irmão Abel?
Que lição de vida se extrai disto que não seja a da injustiça e da iniquidade?
Mas chega de Saramago.
Hoje, finalmente conhecemos o novo governo.
Para mim só uma notícia me satisfez, finalmente vimo-nos livres de Jaime Silva o Ministro “tsunami”, o Ministro calamidade.
Basta que o novo seja um Ministro normal para que tudo melhore.

2009-10-16

Carta de Belgrado 20

De abalada

Chegaram ao fim os meus 40 dias de deserto, deserto da minha família e dos meus amigos porque, de resto, aqui não é deserto como tenho contado, aqui há vida.
Vou jantar fora pela última vez nesta estada no melhor restaurante de Belgrado (o que tem o melhor cozinheiro), deixo aqui a nota para quando cá vierem: é o Café Ipanema mas só no nome há esta alusão ao Brasil.

Enquanto no Kosovo vivi uma viagem ao passado aqui foi a um presente paralelo.
Da gripe aqui não se fala, não sei se é o vírus que não quer nada com a Sérvia ou se é a Sérvia que não quer nada com o vírus apenas não se ouve falar e, sobre o assunto, só vi uma reportagem onde aparecia precisamente Portugal e com entrevistas ao nosso pessoal.
Eu amanhã regresso ao mundo da gripe e do Sócrates e das tricas das comadres, as cartas de Belgrado, pelo menos por agora, acabaram.

2009-10-13

Carta de Belgrado 19

Belgrado, hoje está triste.
O Outono chegou em força agora: vento, chuva e algum frio.
As alegres esplanadas, mostram cadeiras e mesas empilhadas, tentando poupar-se para a próxima oportunidade.
Não ouço os gritos das crianças que todos os dias ao fim da tarde brincavam no espaço em frente da minha casa.
E depois é a noite que cai cedo, às seis locais já é noite cerrada. É assim também nos dia de sol, mas agora, o céu coberto acelera tudo.
No entanto dizem-me que o Inverno é bonito, cai a neve, muito mais suportável e alegre do que chuva e os recantos interiores, adquirem um novo encanto e aconchego.
Mas agora não é carne nem peixe, é apenas mau e chato.

2009-10-11

Carta de Belgrado 18

Hoje Portugal ganhou à Hungria e alimenta mais esperanças de chegar aos “play off”.
A buzinas dos carros apitaram em Belgrado, na minha cabeça parecia um gesto de solidariedade, os Sérvios em geral torcem por nós para estarmos na fase final.
Mas não foi solidariedade, foi pela Sérvia mesmo, que hoje se apurou para essa prova onde nós ainda queremos chegar.

2009-10-10

Carta de Belgrado 17

Uma lição de vida

Hoje fui almoçar ao “Trag”. A minha mesa habitual, que já era minha por usucapião, estava ocupada por um sujeito mal encarado de óculos escuros.
Segui em frente, pela primeira vez, para a sala que ali via.
Pedja, já me tinha dito que a minha mesa não estava no melhor sítio mas todas as salas me pareciam iguais.
Ao entrar nessa segunda sala vi que à esquerda tinha umas escadinhas para o “paraíso”, ali ao lado.
Subi e entro numa mezanine, com um pequeno lago ao centro e recantos com mesas ao redor, algumas das mesas estavam ocupadas por jovens famílias sérvias, crianças entre os 5 e os 7 anos corriam como é habitual, nos restaurantes, fartas de tanta formalidade e procurando explorar esse pequeno mundo novo.
A minha atenção focou-se numa pequena criança muito activa e faladora que explorava, um buraco na parede que comunicava com a cozinha e estava feliz com a descoberta daquele segredo, felicidade que demonstrava em frases de espanto ditas em sérvio mas que eu compreendia perfeitamente (as crianças quando ainda não dominam a linguagem têm consigo o segredo da eloquência).
Olhando essa criança eu divaguei, simpatizei com a criança e o seu fascínio pelas coisas simples, vou chamar-lhe Artur como o rei que ele era. .
Depois surgiu uma outra criança, da mesma idade mas mais carrancuda e temerosa, andava a um metro de distância, doido por se aproximar, invejoso daquela felicidade.
A esta vou chamar-lhe Narciso, porque apenas se fascinava comsigo próprio e com o que era seu.
Narciso, por fim, descobre a solução, volta à mesa e traz um “transformer”, aqueles bonecos ridículo que se compram e mudam de forma toscamente.
A novidade cativou Artur, o outro tinha aquilo que ele via na tv, a princípio tentou desvalorizar, é um boneco de plástico, tá bem, mostra-me.
Narciso não mostrava, só queria exibir mas os seus dedos infantis não conseguiam transformar o “transformer” e Artur desinteressou-se.
Narciso correu para o pai, Deus pai, para transformar o “transformer”.
O pai que estava a leste de tudo, entra na peça nesse instante, pega no boneco e com mãos hábeis muda a sua forma rapidamente, mas aqueles momentos de atenção a um brinquedo de criança, estimulam a sua própria curiosidade, fazem-no querer ser perfeito ser um perito “transformer” fazer algo diferente e interessante.
Narciso fica ansioso, ele tem que exibir a sua glória já, o boneco transformado, arranca-o das mão do pai e corre para o exibir a Artur.
Mas Artur já estava noutra e Narciso desenvolve um bailado para chamar a atenção do outro. O “transformer” que agora era um carro, começa a ser passeado lentamente sobre o corrimão que rodeava o lago, enquanto Narciso querendo parecer displicente ia olhando ansiosamente para o outro tentando captar-lhe a atenção.
Artur não ligou nenhuma mas surge uma terceira criança que sim e que trás consigo um outro “transformer”.
A empatia estabelece-se, Narciso, de carrancudo e distante, pela primeira vez sorri
Os dois deambulam e falam dos seus bonecos e das suas habilidades.
É então que Artur repara, queria associar-se aos outros mas como? Eu não tenho “transformer”? Os outros fogem de Artur a cada tentativa de intromissão, até que Artur se retira envergonhado, escondendo-se por traz de uma coluna.
Estava à beira das lágrimas. Porque não tinha ele o seu “transformer”?
Da minha mesa compreendi o seu drama e tentei sorrir-lhe de simpatia mas correndo o risco de agravar o seu sofrimento se interpretasse o meu sorriso como de troça.
A minha refeição tinha chegado ao fim e saí pensando comigo:
Como eu gostava de falar sérvio para encorajar aquele miúdo.
Mas feliz mesmo ficaria se eu lhe fizesse um gesto de carinho e ele me respondesse com uma chapada, ao velho chato paternalista que não entrava na história.
O que, aliás, era muito provável que acontecesse.
Nunca saberei qual seria a sua reacção mas assim, sim, assim seria verdadeiramente o meu Rei Artur.

2009-10-08

Carta de Belgrado 16

O tamaanho é importante.

O subtítulo escolhido poderá fazer os leitores e sobretudo as leitoras imaginarem que eu vou dissertar sobre o tamanho de qualquer coisa concreta, mas não, falo apenas da importância geral desse atributo, o tamanho.

Aqui tenho-me confrontado com questões de tamanho
Primeiro é o do recipiente de vinho.
Já em Portugal não me conformo com a escassez de tamanhos de garrafas: há o clássico 7,5 dcl que é muito só para mim e o 3,8 dcl, que é pouco para mim só, e apenaas há isto em restaurantes, excepto quando têm vinho a jarro, aliás tal como aqui. Em Portugal eu como geralmente com a minha mulher, o 7,5 é bom, eu bebo 5dcl e ela 2,5 dcl o que dá tudo certo.
Mas aqui é pior, existe o 7,5dcl e depois o 2,1 ou o copo, e como estou só, não tenho outro remédio senão ir bebendo 2 garrafas pequenas com os problemas de falta de continuidade e do preço que especulativamente aumenta.
Mas existe um outro problema de tamanho, é o das sobremesas.
Eu gosto à sobremesa de uma garfada ou duas de algo doce para “tirar a boca de pedreiro”, como dizia a minha avó mas as sobremesas são sempre enormes e caras, por isso, quando estou acompanhado, roubo uma colherada à sobremesa do parceiro(a), mas estando só, passo sem ela.
Aqui, é o mesmo, geralmente não como, embora me apeteça, mas hoje apetecia-me tanto que pedi “quero uma sobremesa muito pequena, “small” em Inglês “mali” em sérvio. O Empregado lá me trousse caminhando para mim e abanando a cabeça. Era de facto pequena mas ainda grande.
Comi metade.
Peço aos senhores da globalização que, tal como vão fazendo na roupa, vão diversificando no tamanho de tudo, porque nisto dos tamanhos há gostos para tudo.

2009-10-07

Carta de Belgrado 15

Nestes dias enfrento a hora da verdade.
Eu estou aqui com um objectivo, escrever 3 relatórios, que tenho já escritos na minha cabeça e passá-los-ia facilmente ao papel se eu soubesse ainda escrever como escrevia na minha 2ª classe, quando escrever era uma novidade.
Agora quando escrevo com caneta em papel ninguém entende, até eu tenho dificuldades e, pior que isso, ninguém leria mesmo que entendessem.
Por isso só me resta o “word”, mas o “word” à medida que tem crescido e se convence que é gente está cada vez pior.
Então com tabelas torna-se infernal, tem ideias próprias que me quer impor.
Para o dominar teria que voltar à segunda classe revisitada, à segunda classe “word” e já não tenho pachorra.
Por isso a minha revolta hoje e a necessidade de mandar uma mensagem para o Sr. Bill Gates.
Sr. Bill Gates
V.exa tem me feito perder muito tempo e tempo é dinheiro, como V. Exa bem sabe.
Só lhe peço uma coisa, discipline o seu exército, ensine-lhes a linha de comando, ponha cada um dos seu botões a fazer aquilo que diz que faz e nem mais nem menos.
Quando eu me dou ao trabalho de seleccionar uma parte de texto, quero dizer que tudo o que mandar fazer naquele contexto se aplica apenas à parte seleccionada, percebeu? Não me faça ver, como vejo tantas vezes que tudo o que já estava feito de uma maneira, se refez de outra. Ora a Porra!
E não mude as configurações que eu já fiz, só porque não gosta delas ou acha que assim é melhor para mim, não é.
Com os melhores cumprimentos
E aqui assino

2009-10-03

Carta de Belgrado 14

Já imaginaram estarem perdidos, por exemplo, no Alentejo profundo, acompanhados de um técnico internacional que só fala Inglês, e ao pararem junto de uma, duas três, quatro pessoas locais para pedir informações sobre o caminho, não conseguirem essas informações porque esses locais alentejanos só falam húngaro?
Mutatis mutandi, foi isso que me aconteceu ontem na região Voivodina da Sérvia.
Eu estava tão perdido na comunicação como o condutor do carro que é nacional Sérvio.
Isto é que são os Balcãs e a baralhada que o Império Austro-Húngaro e a História em geral aqui criou.
Lembrei-me das palavras de Agostinho da Silva dizendo que o grande feito de Afonso Henrique, o nosso rei fundador, foi o de ter descoberto onde era Portugal.
Húngaros, Sérvios, Romenos e por aí fora ainda estão hoje à procura da sua Hungria, da sua Sérvia e da sua Roménia, e ainda não têm senão uma pálida ideia.

2009-10-01

Carta de Belgrado 13

Duas músicas

Quando almoço no “Trag”, não é só a comida que me atrai lá, é também a música de fundo que não sei bem se será de uma gravação ou de uma rádio.
Eu bem ouço, de vez em quando, eles catarem um genérico que me parece dizer “Radio RFM” mas, por outro lado a música é demasiado constante para ser rádio.
Dá Leonard Cohen, Tom Waits, Llasa de Sela, enfim música predominantemente boa.
Mas hoje queria apenas falar de duas.
A primeira é um clássico de Bob Dylan que eu ouço, para aí, desde os meus 16 anos, cuja letra é um poema que eu sei praticamente de cor, é o “A Hard rain is gonna fall”.
Dizem alguns analistas que Dylan se referia à ameaça nuclear que estava no subconsciente de todos, naquele período da “Guerra Fria”.
Quando o ouço agora, mesmo na versão de Edie Brickell, que é a que eles dão no “Trag” e que sem me controlar eu tenho que cantarolar por cima, o que me vem à consciência é como esta chuvada nos ameaça agora, mais do que nunca.
Aqui fica para o vosso deleite e reflexão.



A Segunda música é um caso mais estranho, é de Tina Turner que eu detesto, mas a situação de estar só e ter que a ouvir faz-me elaborar sobre o tema.
A música é o “Private dancer” e, quando ouço o refrão, repetido n vezes “I am a private dancer, dancing for money”, o que me vem à consciência é responder-lhe: “Ar´nt we all?”., e aquela canção simples sobre o mundo da prostituição, que procura como que justificar-se, ganha, para mim um estatuto de hino revolucionário:
Dançarinos por dinheiro é essa a vida de todos nós.

Aqui fica


2009-09-28

Carta de Belgrado 12

Reflexões avulsas

Ontem houve eleições aí, parece, porque aqui não dizem nada.
Na TV5, durante uma entrevista à nova Directora Geral da Unesco, uma Búlgara bem mais simpática do que o carrancudo egípcio em que o nosso governo queria votar, comentaram que hoje, isto foi ontem, 2 países europeus têm eleições nacionais, a Alemanha e Portugal mas na CNN e na BBC World, só na Alemanha se votou.
Valeu-me a antena 1 on line, e alguns sms que recebi para saber os resultados do jogo.

Entretanto aqui, o ambiente geral de uma língua estranha faz-me divagar sobre algumas particularidades da nossa língua.
Fico orgulhoso da complexidade dos nossos verbos, os dissesse, dissera, disse, direi, diria, cada um com a sua nuança própria são formas raras de expressão, se bem se mantenham, noutras línguas novilatinas como o espanhol, e o francês mas não muito mais.
Mas o mais curioso é nosso ão exclusivo, só no Polaco existe algo parecido, mais um õo e sei disto porque um dos meus intérpretes na Polónia era Prof de linguística e sabia que só as líguas portuguesa e polaca tinham estas nasalações.
Quando aqui algum sérvio adquire alguma intimidade comigo, gosta de perceber o meu nome, estranha o Nuno, que pronuncia sem dificuldade, mas que me pergunta sempre porque não se escreve com 2 uu, dado que o som é o mesmo. Eu já não entro nas explicações difíceis da sílaba tónica e que se escrevesse com dois uu seria outra coisa e respondo simplesmente como se responde a crianças, é assim porque sim.
Mas no Jordão a coisa pia mais fino, esse ão custa a sair.
E é assim, nós simplificámos todas as terminações latinas one, ano e ane para o mais simples ão e só gaguejamos nos plurais, será ãos, ões ou âes?
A regra é ir ao latim mas como este já vai longe, vamos tentando mudar e simplificar como soa melhor no nosso ouvido é assim que os corrimãos já são corrimões e muito bem.
Se todos fossemos puristas ainda hoje estávamos a falar latim em vês de inventar uma língua nova que é o nosso orgulho..

2009-09-26

Carta de Belgrado 11

A solidão de estar aqui, a língua estranha que me dificulta qualquer comunicação, o “broken English” que nos permite comunicar apenas na margem, a imunidade transitória à constante lavagem de cérebro a que estão sujeitos os meus compatriotas e, é claro, eu próprio, quando aí estou (embora esteja aqui sujeito a outra lavagem cerebral mas mais inofensiva, porque a deficiência na comunicação me defende muito), tudo isto faz-me ver melhor o mundo.

Hoje fui a Vinca.
Por vezes eu próprio me questiono porque queria visitar Vinca.
Pedja, o meu fiel motorista, estava atónito (ele sabe de Vinca há muito tempo mas nunca se deu ao trabalho de lá ir) e preocupado com esta visita, tinha passado o dia de ontem a contactar o telefone que o turismo fornecia sem nunca conseguir que ninguém o atendesse. Mandou-me um SMS alarmado.
“Vamos a Vinca, Pedja, e logo vemos, relax”. Respondi eu.
E fomos.
Quando chegámos próximo, pedimos informações ( a toponímia e as placas indicadoras na Sérvia são como em Portugal, uma seta, depois silêncio e mais adiante talvez outra seta que nos dá esperança se não falhámos já) o informador explicou tudo e ficou feliz de haver um visitante, sorriu para mim e esticou os polegares.
Finalmente chegámos, recebeu-nos um velho que só sabia um discurso decorado em Sérvio mas que depois chamou um jovem que falava inglês e nos acompanhou.
Vimos umas escavações cobertas de plásticos negros que ele levantou um pouco e um suposto museu que era uma sala com coisas recolhidas.
Com a intimidade que fomos adquirindo ainda nos mostrou um sala onde se amontoavam caixotes e caixotes de peças recolhidas: potes, estatuetas, instrumentos de trabalho, aguardando a devida exposição.
“Não há dinheiro para pôr isto decente” disse o rapaz.
Poderia, sem qualquer problema, ter trazido comigo um pote de barro com 10 000 anos ou uma estatueta de pedra.
Não o fiz e ainda não sei se bem ou mal.
Vinca está quase abandonada e como com as nossas gravuras de Foz Coa, o importante, para quem tem o poder, não é o testemunho que está ali, o importante é o dinheiro que gera ou que não gera.
Pedja, trouxe-me de volta intrigado com esta minha mania.
Disse-lhe: “Vinca é muito mais importante do que eles nos disseram, Pedja, por exemplo, reparou que não vimos uma única arma?”.
Os olhos dele iluminaram-se e respondeu-me: “De facto é verdade!”.
Nem ele nem eu, vimos que ao contrário do que é vulgar em ruínas neolíticas não havia ali casas apalaçadas na colina, mas apenas uma povoação equalitária onde as pessoas se diferenciavam apenas pela decoração e a arte.

2009-09-25

Carta de Belgrado 10

Como como em Belgrado

Ficou engraçado o subtítulo, mostrando estas particularidades da língua portuguesa e de todas as línguas, suponho.
O “word” dizia-me que era erro, “palavra repetida”, mas o que é que o “word” sabe?

Tenho comido por aqui e por ali e tenho já a minha ideia.
Claro que como vivo no coração de Belgrado, na zona mais turística, não tenho a percepção do que será a autêntica comida Sérvia.
Nos primeiros dias, para me ambientar perguntei ao meu motorista (de táxi) onde me aconselhava a comer e ele retorquiu-me: “mas quer Italiano ou Sérvio?”. “Sérvio, é claro” disse-lhe eu.
Ele indicou-me o “Trag”, um bom restaurante, sem dúvida, mas a carta está cheia de pastas, lasanhas, nhoques, e pizas e depois uma secção de cozinha internacional, que está ali mas podia encontrá-la igual em Paris, Roma ou Lisboa. Por onde andará a cozinha Sérvia?
Ao fim de uns dias percebi o que ele queria dizer, trata-se de uma sopa de carne, com uma espécie de iogurte, pouco doce, que é boa, de facto, mas para mim, não excepcional.
No resto dos restaurantes o panorama é o mesmo mas sem a tal sopa.
Como é cozinha internacional não me pronuncio, tudo com muitos molhos, à base de queijos e ou cogumelos, também internacionais, vaca, porco e frango e muito raramente encontra-se peixe, Douradas e Linguado, para alem de Trutas e Carpas, sempre grelhados, com ou sem molhos e lulas que há sempre.
Os restaurantes são daquele tipo europeu, à luz de velas, onde não vemos bem o que comemos e para ler o menu e a conta nos vemos à rasca.
Viva Portugal que tem restaurantes bem iluminados, não será tão romântico mas como se diz no “Samba do Bexiga” "eu só vou lá para comer" e gosto de ver o que como.
Deixando a restauração, não posso deixar de referir que a Sérvia tem a melhor carne de porco do mundo.
Já o tinha reparado no Kosovo, porque aí para comer porco só comprando em talhos sérvios, e aqui confirmei, nas febras que comprei para fazer em casa, que maravilha de carne, que sabor perdido no tempo.
O facto é reconhecido aqui, quando aponto este facto, todos me vão dizendo que também notam quando vão ao estrangeiro que o porco não lhes sabe a porco.
O que é certo é que, ao que eles sabem, não têm nenhuma raça autóctone e atribuem o facto a não terem indústria de carne de porco, é tudo porcos rafeiros e de chiqueiro.
Fica o mistério, que a carne é a melhor do mundo, assino em baixo.
O vinho local e da Macedónia bebe-se bem e há em jarros e a preços acessíveis.
Depois há a bebida nacional, a “palinca” daqui, que aqui se chama “Rákia”, nem melhor nem pior do que a palinca, o medronho e outros destilados.
E é assim que vou comendo pelos restaurante da Sérvia.

2009-09-23

Carta de Belgrado 9

Vinca

Quem seguiu o meu conselho e já leu “O Cálice e a Espada” de Rian Eisler, sabe do que estou a falar.
Vinca que aqui se pronuncia Vintcha, são umas ruínas do neolítico bem perto de Belgrado, e que contam a história do povo que aqui vivia feliz e em paz, há uns milhares de anos, antes da chegada dos homens dos cavalos e dos carros de guerra, chamados Arianos ou Indo-Europeus, que falavam sânscrito, escreveram os Veda, instituíram o iníquo sistema de castas indiano, espalharam o terror por onde passaram e impuseram o seu sistema que vigora no mundo até hoje.
Na Europa há apenas 3 ou 4 lugares como este, vestígios visíveis do paraíso perdido.
Quando tomei conhecimento de Vinca, estava eu de férias mas soube, no meu coração, que viria a Belgrado.
Hoje estou aqui, em Belgrado, no mapa que me deram estão lá previstas excursões a Vinca, é só uma pessoa inscrever-se.
Hoje fui a um posto de turismo para me inscrever numa visita a Vinca e tive a triste notícia que este programa terminou por falta de aderência do público, ninguém quer ir a Vinca!?
Eu hei-de ir, se não for acompanhado vou só mas eu vou.

2009-09-22

Carta de Belgrado 8

E aqui está a qualquer coisa que eu dizia que iria dizer.
Domingo fui jantar com os meus amigos, pacificamente e ouvi dizer que a tal manifestação “gay” tinha sido cancelada pelo Governo Sérvio.
E os “gays”? Que iam sair de qualquer maneira?
Parece que na hora da verdade, faltou-lhes qualquer coisa no devido sítio.
A verdade é que foi tudo pacífico.

2009-09-20

Carta de Belgrado 7

Hoje é um dia importante em Belgrado.
Chegou-me a notícia por um motorista de táxi que me tem apoiado nas deslocações:
“Domingo não saia à rua, vai haver uma manifestação de “gays”, disse-me.
Depois vi as notícia na BBC world. Em Belgrado vai-se repetir a manifestação “gay” do ano passado, quando morreram 3 pessoas. O Governo está preocupado com medo que tudo se repita e proibiu a manifestação no centro de Belgrado. Os “gays” organizadores dizem que vão sair de qualquer maneira.
Logo vou jantar com um amigo no centro. Isto se me deixarem, é claro.
Depois direi qualquer coisa.

2009-09-18

Carta de Belgrado 6

A internet que eu tenho não se paga ao mês, nem ao dia, nem à hora, nem ao minuto, é paga ao Gigabits de “downloads”.
A solução parece boa, para a generalidade das utilizações, ver os e-mails, passar em revista os jornais, uma ou outra consulta ao google, dá para um mês, como me dizem outros utilizadores.
O que me tem lixado a mim são os Gatos Fedorentos, estão a levar-me à ruína, para ver tudo são cerca de 300 Megabits cada dia e de 3 em 3 dias lá vou eu à compra de gigas.
Assim não dá e ainda dizem que vão ser mais 27 programas.
Mas também como é que eu passo aqui, neste país estranho, sem aquelas palermisses saudáveis a lembrarem-me a minha terra.

2009-09-16

Carta de Belgrado 5

A alienação total

Isto vem de Belgrado mas podia vir de casa.
Na minha revista aos jornais portugueses “on line”, deparo no Público com a seguinte notícia que transcrevo sic (com “copy” e “paste”)

A taxa de inflação na zona euro fixou-se, em Agosto, em -0,2 por cento, acima dos 0,7 por cento que tinham sido registados no mês de Julho, revelou o Eurostat. Portugal (-1,2 por cento) apresenta a segunda taxa mais baixa entre os parceiros europeus.

Será que alguém percebe esta notícia?

Usei todos os meus parcos recursos de português e dividi as orações.

“A taxa de inflação na zona euro fixou-se, em Agosto, em -0,2 por cento” (parei aqui porque vi uma virgula a seguir e concluí que a inflação em Portugal e em Agosto foi negativa de –0,2%)

Depois da vírgula segue uma frase espantosa: “acima dos 0,7 por cento que tinham sido registados no mês de Julho, revelou o Eurostat”

Como? Pergunto eu, como é que uma inflação negativa está acima de uma positiva?
Pensei, será talvez a virgula que foi posta a mais (eu próprio tenho muita dificuldade em dominar as vírgulas e, por isso mesmo, tenho muita tolerância para as falhas dos outros)
Mas assim significaria que a inflação em Agosto terá sido de 0,5% (0,7-0,2)

Finalmente para coroar vem a conclusão:

“Portugal (-1,2 por cento) apresenta a segunda taxa mais baixa entre os parceiros europeus”.

E donde terão vindo estes -1,2%?

Toda a tentativa de compreensão morreu aqui.

Mas reparei que havia 15 comentários que fui consultar curioso de ver a fúria insultuosa que costuma habitar estes comentários “on line” e pensei que ela era dirigida ao jornalista José Manuel Rosa, identificado como autor da notícia.

Tive um espanto maior, toda a gente parecia ter compreendido tudo muito bem e em vez de discutirem o português, discutiam economia e insultavam-se uns aos outros.

“É deflacção”
“não é nada sua besta ignorante”
“Bestas são vocês todos porque nem sabem o que é inflação negativa”

Isto não é textual, é um exagero meu sobre aquilo que li.

A minha conclusão foi apenas perguntar-me “mas o que é isto e onde é que eu estou.?

2009-09-14

Carta de Belgrado 4

O Mundo visto daqui

O subtítulo que pus em cima é só válido para mim, deveria ser mais: “O Mundo como eu o vejo aqui” ou, talvez ainda melhor: “O Mundo como eu o posso ver daqui”
Os pesos e as prioridades mudam, “Sócrates vs Manuela F. Leite ou Louçã” chegam-me via SMS, e pela revista aos jornais “on line” e se tentar ir mais longe e ver mesmo os debates na internet tenho que pagar significativamente pela esquisitice, isso, no mundo não tem a mínima importância.
Dos jornais e canais daqui, não percebo nada, embora esses assuntos que não percebo, animem debates e conversas aqui e sejam os mais importantes para alguma da gente com que me cruzo na rua.
Para mim, as notícias vêm das omnipresentes CNN e BBC world e aí Sócrates e Portugal, praticamente não existem.
Nesse mundo, misteriosamente, os assuntos importantes são a desqualificação de Serena Williams, notícia constante desde ontem mas ainda no campo dos desportos houve um golo do Benfica aos Belenenses que mereceu imagens e referências elogiosas. Portugal ainda existe aqui. Força Benfica.
Na Política os assuntos são o Obama na sua cruzada heróica pelo serviço de saúde público onde iremos ver se “yes we can” ou “ No we can`nt” e a pobres que estão vestindo gravata, refiro-me à China, e ao Brazil.
Alguma coisa parece mudar, a China, bate o pé aos EUA, porque estão a pôr entraves à importação dos seus pneus (e a notícia é essa: agora a china também bate o pé). Força China.
Tive também o prazer de ouvir o Lula a falar orgulhosamente em português 5 segundos antes de lhe calarem a voz com um inglês em off, pelo menos o mundo viu que ele fala e na tradução ouviu o que ele disse, resumidamente a velha frase “os ricos que paguem a crise”. Força Brasil.
Também apanhei no zapping um episódio da novela “Clone”. Força Brasil outra vez.
E assim vai o mundo como eu o espreito daqui.

2009-09-12

Carta de Begrado 3

Belgrado é bonito, tem um ar de velha capital europeia, que é, e aquele toque de Europa central.
Eu vivo no centro, sem dúvida, no “Cais do Sodré” como disse, mas a animação maior fica entre o “Terreiro do Paço” e o “Rossio”, daqui a dois passos.
A animação é dada pelas ruas exclusivas para pedestres, as esplanadas, umas atrás das outras e o canto permanente de grupos informais ao estilo Kusturica.
A baixa de Lisboa devia ser assim e ouvir-se fado pelas ruas.
Não sei o que tem Lisboa que expulsou os seus habitantes e odeia esplanadas, não obstante ter um excelente clima para isso.
Eu já me vou entendendo por aqui mas tive um inimigo, o alfabeto cirílico.
Na Sérvia há dois alfabetos oficiais o latino que é usado pelo comércio moderno e na generalidade das legendas dos canais de tv cabo, e o cirílico que é obrigatório em documentos oficiais e permanece na toponímia da cidade, pelo menos da cidade velha e que eu tenho vindo a estudar para sobreviver.
O mapa de turista que tenho está em latino, as placas na rua estão em cirílico, e esse simples facto tem-me feito derivar pela cidade e percorrer quilómetros para avançar 100 metros.
Felizmente isso está a acabar.
Cada dia domino mais esses sinais que têm a vantagem de tirar às línguas eslavas, aquela sequência de consoantes, que as torna ilegíveis para nós.
Com as luzes de polaco que tenho, muito do sérvio torna-se minimamente compreensível para mim.
Dominando o cirílico avanço uns paços para o domínio deste ambiente estranho.


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2009-09-09

Carta de Belgrado 2

Isto não é o Kosovo. Embora os Sérvios não reconheçam a independência da sua antiga província e tenham um enorme desprezo pelos albaneses (ou talvez por isso), há enormes diferenças.
Aqui vê-se a miséria, que não se via lá, pedintes aos montes, gente esgravatando os lixos para sobreviver, contudo é um mundo mais familiar para mim, os mesmos problemas os mesmos hábitos de vida.
Sinto um mundo Kusturicaneano.
O salário médio, dizem-me, ronda os 200€, a vida é mais barata do que em Portugal, muito mais barata nos géneros alimentícios em natureza mas ronda os mesmos preços na restauração e nos bares.
O que não têm aqui e existe entre os albaneses são os laços de solidariedade entre família alargada.
A moeda aqui é o Dinar, 98 Dinares, mais ou menos, fazem 1 €, As notas de 1000 Dinares, que são as que mais trago na carteira, são, grosso modo, notas de 10€.
A confusão vem daí para baixo, porque há notas de 500, de 100, de 50, de 20 e de 10, ou seja de um cêntimo, e ainda há moedas inferiores.
Eu costumo dar gorjetas generosas, que eles agradecem muito, ou seja, arredondo as contas, nos bares e restauração, aos 500 ou 100 Dinars (entre 5 e 1Euro).uma pequena despesa que me vai fazendo popular no bairro.
Quanto ao trabalho vai progredindo lentamente, por enquanto ainda estou a pousar.
É-me interessante ver a diferença de atitudes e comportamentos entre a gente da Delegação da UE e a do ministério, dois mundos que eu conheço e onde me movo com relativo à-vontade, mas fazem-me reflectir.

2009-09-07

Carta de Belgrado 1

Da viagem atribulada até à reconstituição do meu universo

O “check in” em Lisboa detectou 10kg de peso a mais na bagagem de porão, pudera são 41 dias no desconhecido, roupa quanto baste para o máximo de uma lavagem intermédia quando dominar o ambiente e vários livros para os tempos de solidão, tudo pesado davam 31Kg.
A graça custou 150€.
Depois o avião para Munique saiu com 45 minutos de atraso, o suficiente para após uma correria no aeroporto de Munique e mais controlo de passaportes fazer-me chegar, mesmo assim, com o “gate” para Belgrado já fechado.
No apoio a clientes do aeroporto disseram-me que tudo já estava previsto e que partiria 4h depois, e deram-me um “vaucher” para comer e/ou beber, no valor de 10€.
Cheguei a Belgrado perto das 21h e para cúmulo a minha mala não vinha, “veio mais cedo?” perguntei eu, “não, não chegou a sair de Lisboa” responderam-me, “agora só amanhã à tarde, levamo-la ao seu apartamento”.
Entretanto, quando liam a morada, esboçavam um sorriso, para mim preocupante, mas quando tentava indagar razão, respondiam-me sempre, “tudo bem, é no centro”.
Receoso, telefonei ao meu senhorio que me disse que me esperava à porta.
Cheguei de táxi e senhorio, nada, mais na porta estavam os nomes dos moradores de todos os andares.
Eu já tinha pago o aluguer adiantado, o ambiente, neste Domingo à noite era estranho, edifícios degradados, alguns bêbedos, mas também jovens de ambos os sexos passando.
Telefonei de novo ao senhorio que me disse que chegava em 3 m.
Chegou ao fim de 15m, com eu já desesperado, a ver-me a ter de ir para um hotel.
Mas tudo mudou, o apartamento não era aquele mas um outro ao lado, mostrou-mo, deu-me a chave e prometeu-me que no dia seguinte tinha internet.
À primeira vista, era minimamente aceitável.
Na manhã seguinte tinha prevista uma reunião na delegação da UE, o meu senhorio fez-me um contacto para um seu amigo taxista que ficou de me apanhar no dia seguinte e o dia terminou.
Só que, no quarto, apesar das cortinas havia muita luz e tive mais dificuldade em adormecer.
Hoje de manhã, vesti exactamente a mesma roupa, única que tinha, lá estava o amigo taxista à hora marcada, a reunião correu bem, e foram muito compreensivos para o meu problema da falta de bagagem e a minha relativa má apresentação, já é habitual perderem-se as malas, disseram-nos.
Passei a tarde a explorar o local e a ler alguns documentos.
Estou a viver no centro velho de Belgrado, assim como talvez no Cais do Sodré em Lisboa, mas à volta há tudo, pequenos supermercados, bares, restaurantes etc.
Abasteci-me do que precisava e finalmente chegou a minha mala e o meu senhorio cumpriu a palavra e apareceu para montar a internet.
Com a mala veio tudo o que me faltava e mais esperança para o resto da missão.

2009-09-03

O clima

Não, não vou falar do clima de Belgrado, até porque ainda não parti mas também não é do sol e do calor que cá faz que quero falar agora. É do clima geral, do clima político-social, do ambiente que se instala nos países e ditam a forma de se viver em sociedade.
Nos tempos de Salazar, por exemplo, o clima era pesado, havia muitas coisas que ninguém se atrevia a fazer e que todavia nenhuma lei proibia, era o medo que impunha auto-censura, o medo de represálias, por mais absurdas que fossem, de não progredir no emprego ou ser despedido, de chumbar no exame arbitrariamente, de ser mal classificado num concurso, de atrasar a vida em suma, o que geralmente nunca acontecia mas todos sabiam que podia sempre acontecer e, para alguns, acontecia mesmo.
No Governo de Sócrates vamos lentamente sentindo esse ar pesado.
Os primeiros sinais foram dados pela anedota do Prof Charrua e a reacção da Direcção Regional de Educação do Norte, depois vieram vários outros episódios, de que já me esqueci, e é assim, o clima gera-se com muitas pequenas coisas, coisas pequenas mas muitas, a generalidade nem chega à comunicação social, são vivências individuais e mesmo quando chegam á notoriedade, “os cães ladram mas a caravana passa.” e, a partir daí apenas o ar começa a ficar mais pesado e o céu escurece.
Ultimamente vamos vendo coisas estranhas:
A ex-famosa música dos Chutos que fazia perguntas ao Sr. Engenheiro nunca se ouve na rádio embora pareça que ninguém proibiu, ouvi mesmo dizer que foi a própria editora que não lhe deu a devida prioridade, não temos, de facto, ouvido a música, e o ar tem ficado mais pesado; depois já transpira que no caso “Freeport” Sócrates não tem nem sombra de pecadilho, o que se calhar até é verdade, mas foi tratado como sendo invisível, nem teve nada a ver com o caso e isso não é natural.
Mas gora veio esta suspensão insólita do telejornal das sextas da TVI, segundo dizem a pedido da Prisa (empresa espanhola) do capital portanto e isto é estranho, tanto mais que o tal telejornal era líder de audiências, dava dinheiro, faz pensar que a Prisa pensa que o que perde ao proibir o “telejornal travestido” será compensado pelo que poderá ganhar assim ou pelo menos evitar perdas maiores.
Neste caso os cães vão ladrar, até porque a Manuela Moura Guedes tem boca para isso, mas suspeito que a caravana vai passar na mesma.
O clima é que começa a ficar irrespirável.

2009-09-02

Logística

Em Belgrado estarei a viver só durante 41 dias.
Tudo tem que ser previsto em detalhe, para imprevistos já bastam todos aquele que irei encontrar inevitavelmente.
Desde o alojamento até, sobretudo, às comunicações, tem que ser considerado.
Para me alojar aluguei já um apartamento. Sempre é mais privado e permite-me fumar, o que agora na generalidade dos hotéis é proibido ou é muito limitado e incomodativo. Para além disso, um apartamento é mais barato do que um hotel e vai-me fazer poupar algumas refeições que eu cozinhe.
Para comunicar, desta vez, tratei já de pedir o roaming mas os preços são incomportáveis, só permitem alguns SMS e comunicação por voz em situações de emergência.
Pelo que lia, pensava que isso já estava ultrapassado pelos deputados europeus, dado que é um problema que eles sentem e talvez esteja, de facto, para os países da UE mas a Sérvia ainda não é desses e os preços são insuportáveis.
Tenho que me basear na comunicação via Internet: Messenger, Skype e quejandos, mas a experiência também não foi fácil. Comprei câmara e microfone para o portátil, tenho feito ensaios, e até agora o único que se mostrou minimamente fácil e fiável parece ser o Skype.
E é com tudo isto, para além dos aspectos mais ligados à missão em si, que tenho ocupado os meus dias.
Parto no próximo Domingo, provavelmente só voltarei a este blogue já de lá.

2009-08-30

Rita sorriu-me

Rita é a minha nova neta nasceu há poucos dias, dizem-me que foi no passado dia 24.
Vi-a pela primeira vez perto das suas primeiras 24h, e vi-a sorrir quando me viu.
O meu genro dizia-me: são esgares, trejeitos do rosto.
Uma pesquisa no google reforça a sua opinião, diz-me que, de facto, só ao fim de umas semanas é que o bebé sorri pela primeira vez.
Dois dias depois, quando dormia, aproximei dela o meu rosto e disse-lhe: “Rita, tu é que estás bem, que boa vida, nesse berço com todos a servirem-te”.
Rita abriu os olhos, olhou para mim e rasgou um sorriso de prazer.
Pode toda a sabedoria dizer-me o que quiser, são trejeitos involuntários, esgares, o que quiserem que seja.
Eu e a Rita sabemos: foi um sorriso.
Rita sorriu-me!

2009-08-29

O Google

A Internet é, para mim, um espaço de liberdade único, que o Capital e o poder dos Estados toleram mal, dá-lhes muito jeito para algumas coisas, para saber dos outros, o que os outros pensam, dá-lhes ainda jeito para massificarem a sua mensagem e a sua moral, mas não a controlam totalmente ainda, é perigosa pelos bons “maus usos” que proporciona.
Mas mesmo nesta luta pelo controlo, hás uns e outros.
O Google, para mim, é um dos outros.
É um agente do capital, por isso quer ter tudo, controlar tudo, mas tem ainda a sensibilidade humana, veste honestamente a capa do serviço público, conserva ainda a ideia do “déspota iluminado”.
Canta também o hino que diz: “Eu presto enormes serviços a milhões”, “Eu cá sou bom, sou muito bom”.
E no panorama actual, é mesmo.
Em termos de motores de busca, como o Google começou, foi uma pedrada no charco. Percebeu que o mundo era muito vasto, que havia muitas culturas e línguas, que os humanos não são máquinas e cometem erros.
Como motor de busca, desenvolveu um algoritmo, que batia todos os outros pela sua qualidade e eficácia.
Como a Internet, para quem vence aí, é um negócio de biliões, cresceu e é o google quem está hoje mais perto desse ideal, que é o “ser dono da Internet”.
Hoje tem a base de e-mails, mais acessível e funcional da net, continua com o motor de busca mais eficiente e mais utilizado, desenvolveu o google earth, com os seus vários apêndices, percebendo que debaixo de água também há a Terra, que as estrelas são nossos vizinhos e que no mundo há vários níveis, desde os continentes e oceanos até à minha casa e às pessoas que estão na minha rua.
É um trabalho notável e útil.
Nas coisas mais comezinhas também actua, também já é o dono deste espaço cibernético que abriga este meu blog.
A luta contra esta competência é enorme e chega-se ao ridículo, como este casal português que ficou muitíssimo incomodado por o google o ter mostrado na rua no “street view”. Levando-o ao ponto de ter pedido 200 000 Euros de indemnização para restabelecer a sua paz, embora, aparentemente, não tenha nenhum incómodo em pôr a sua imagem (extraída do google) na TVI, em hora de ponta.
Com a notícia falava-se de processos deste tipo que em todo o mundo correm e que envolvem milhões de indemnizações.
Como o Google já tem esses milhões até é capaz de pagar alguma coisa.
Para os felizardos contemplados gostaria mais que dirigissem a sua raiva contra as colheitas da sua imagem feitas por câmaras de vigilância que pululam e crescem por todo o lado.
Mas isto é apenas uma derivação sobre o Google.
Para mim o Google continua a ser um exemplo de “serviço público” na Internet.
Agora na sua barra a “google bar” que tenho no meu “browser” apareceu-me uma nova função, a de tradução e, quando pedi a tradução do meu blog para inglês, tive uma surpresa agradável: Estava longe da perfeição mas não me envergonhava, dava para um anglófono poder ter uma ideia razoável daquilo que escrevo.
Depois tentei ler blogs em línguas estranhas e lá me apareceu a tradução em várias línguas que eu pedisse, mesmo em português.
A minha admiração pelo Google cresceu, é um feito notabilíssimo e que abre muitas portas no mundo.
Asssim, sim.

2009-08-25

Como o Mundo pode ser simples

Todas as ideologias se baseiam em simplificações do mundo.
Nem poderia ser de outra maneira, porque é a complexidade que reina, complexidade que transcende todas as capacidades humanas.
Como alguém já disse, ainda que tivéssemos um cérebro 100 vezes mais potente do que o nosso, ainda assim não o compreenderíamos totalmente, porque não disporíamos de outro instrumento para além desse mesmo cérebro e só poderíamos compreender o mundo através dele.
Como Auguste Comte referia a propósito da introspecção nunca poderemos observar-nos a nós próprios a passear na rua espreitando de uma janela.
E assim não temos outro remédio senão reduzir o mundo à nossa dimensão, o mundo é sempre como o vemos.
O que podemos discutir são as simplificações que uns e outros fazem, algumas bem primárias e simplificadoras
Por hoje, porque o ouvi há momentos, gostaria de comentar a visão de Paulo Portas, no que respeita à sociedade.
Paulo Portas vê no mundo uma ordem ideal, que consiste em trabalhar, assim ganhar o seu sustento honesta, digna e alegremente, constituir família e criar filhos que reproduzam este mesmo modelo de vida.
Depois reconhece que nem todos respeitam este modelo e define a sua ideologia deste modo:
Para o bom cidadão (o do modelo) todas as ajudas e consideração, para os malandros (que não querem trabalhar, como refere) nenhuma ajuda nem compreensão e toda a repressão para os obrigar a conformar.
Para Paulo Portas só não trabalha quem não quer, o desemprego é uma mera falta de empenho e de esforço.
Quem não tem meios para sobreviver, não merece sobreviver. Vá trabalhar malandro!
Paulo Portas considera que o mundo dá as mesmas possibilidades a todos, só que uns as agarram e outros não, e para esses é bem feita que sofram para aprenderem.
Se repararem bem vêm que todas as suas propostas são inspiradas e perfeitamente coerentes com esta visão do mundo.
Era, de facto tão fácil se o mundo fosse assim.
Só se deveria questionar ao analisar, por exemplo porque Camões morreu de fome.
Não trabalhava de certo, era um malandro, genial mas malandro.
Ou talvez ache que foi apenas porque ele, Paulo Portas e a sua ideologia não estava no poder.

2009-08-22

Fiquei angustiado

Hoje nas notícias entrevistaram os pais de Caster Smenya, de 18 anos que ganhou brilhantemente a prova de 800m senhoras no Campeonato do Mundo a decorrer em Berlim.
Foi tão brilhante que se começa a duvidar do seu sexo. Deve ser homem pois claro.
Os pais estavam naturalmente escandalizados com a acusação, a mãe dizia mesmo “a minha filha sempre correu muito mas agora, como é preta, não querem admitir”.
Simulações de que se é doutro sexo, sempre se fizeram, para permitir qualquer objectivo, a história e os romances estão cheios de casos desses.
Já terá havido um Papa mulher, os travestis estão por aí todos os dias, hoje no Afeganistão é comum alguns homens trajarem Burka para não serem detectados pelos controlos mas são tudo casos que se esclarecem facilmente, desde que haja a suspeita ou a denúncia.
Isto pensava eu, quando o jornalista que comentava a reportagem sobre Smenya, nos explicou que a definição era complicadíssima e necessitava de um corpo de psicólogos, ginecólogos, biológos e outros ólogos.
Pensei, talvez, parece de facto que o que faz ser-se mulher ou homem, é um conjunto de anatomia, biologia e cultura.
Não sei se algum dia chegaremos a saber se Caster Smenya é mulher ou homem e a mesma questão se pode colocar a qualquer um de nós.
Daí a minha angústia.
Deixo pois um conselho aos meus leitores jovens que se apaixonem por alguém do outro sexo, não se esqueçam de exigir um certificado assinado por psicólogos, médicos, biólogos, atestando o sexo do parceiro e tenham sempre o vosso convosco pronto a apresentar, antes de embarcarem numa aventura.
E esta hem! como será que a sociedade tem sobrevivido a esta incerteza até aqui?

2009-08-21

Reflexão sobre a notícia do dia

Na praia de Albufeira existia, talvez há milénios, uma falésia avançada sobre a praia, tipo torre de Pizza, que prestava um enorme serviço aos banhistas, proporcionava sombra. Bem de grande valor para quem está à torreira do sol.
A sombra na praia hoje custa muito dinheiro, é um bem escasso, o aluguer de toldos, os chapéus-de-sol privados que temos de carregar, as esplanadas cobertas, onde as há, tudo se paga, mas ali havia a falésia à borla, a civilização ainda não tinha encontrado uma forma de cobrar por estarmos ali.
Naturalmente estava muita gente estendida à sombra da falésia.
As falésias, como toda a natureza, estão em permanente transformação, em ciclos variáveis, alguns ultra rápidos, como os vírus, alguns rápidos como as estações do ano, outros ainda lentos e outros mais lentos ainda, de milénios ou mesmo de milhões de anos.
As falésias estão numa escala longa, nascem, vivem e morrem em períodos, de milénios.
Mas, um dia qualquer podem desmoronar-se, se a erosão natural as moldar contra as leis da física.
Na nossa vida curta, de alguns anos, nunca esperamos que esse dia surja num momento que nos afecta. Tal como não esperamos que nos saia o totoloto embora ele vá saindo para alguns.
Hoje caiu a falésia de Albufeira, com todo o ritual de feridos e mortos.
A minha reflexão deriva para imaginar uma situação em que em vez de humanos civilizados, se encontrava ali um bando de chimpanzés.
Não conheço nenhum estudo sobre o assunto mas pressinto que todos teriam fugido antes do grande evento, leriam na poeira, nas pequenas pedras caindo, nos ruídos singulares, que qualquer coisa de anormal se passava e o seu instinto diria para saírem dali.
Da minha varanda, no Inverno, noto os dias em que muitas pombas e rolas que vivem à volta da minha casa se abrigam, amontoadas, por baixo dum pequeno alpendre de um prédio vizinho, quando isso acontece é certo que vem borrasca, ainda que olhando para o céu me pareça, no momento, que não.
Mas o homem civilizado esqueceu e despreza esses sentidos que também tem, crê que a civilização vela por ele, a falésia torta vai continuar assim e alguma entidade competente já tomou certamente as devidas providências.
Neste contexto, parece que de facto já tinha tomado, já havia um letreiro a avisar o perigo de derrocada.
O homem civilizado não vê o letreiro porque há demasiados letreiros ou se vê pensa que é o negócio das sombras que pôs o letreiro para tirar o acesso a essa sombra que a natureza proporciona gratuitamente. Quando a derrocada começa, estranha, mas não reage, não vão chamá-lo maluco.
A atenção civilizada passa apenas para a “máquina civilizacional” que não funcionou, porque não funciona nunca quando estas coisas acontecem.
A pedra que caiu em cima da minha perna e a partiu só foi retirada 2 horas depois, falhou, foi tarde. O letreiro era talvez pequeno e desbotado, falhou, ninguém reparou nele. Os mortos ficam soterrados horas sem fim, falha também.
Vendo isto, eu, um dia em que me encontrar nesta situação, gostava de ser como os chimpanzés porque há momentos em que as qualidades de macaco superam as dos deuses.
Como exemplo vemos que naquele enorme tsunami que há anos assolou alguns países da Ásia, numa ilha de população indígena pouco civilizada onde todos os “média” previam que tivesse havido grandes tragédias, isso não aconteceu e todos sobreviveram.
Porquê?
Porque conheciam os sinais dos tsunamis e fugiram a tempo para as zonas altas.
Ali não havia televisão nem rádio para avisar, tinham apenas ouvido os avisos da natureza e esses não falham nunca.

2009-08-20

Episódios de férias

A caminho do Algarve parei em Mértola para uma pausa de café.
Enquanto descansava fui abordado por um velho estranho de aspecto humilde e negligente, fazendo-me esperar sempre o momento em que me pediria alguma coisa.
Não me pediu nada, apenas queria conversar.
Recitou-me alguns troços de poemas de Florbela Espanca, falou-me sobre o absurdo da vida, disse-me que era Judeu, como o seu nome sugeria embora nascido em Mértola.
Chamava-se Elias, apresentou-se-me como escritor bêbado e louco.
Ainda não o esqueci e no regresso voltei a parar no mesmo café com a esperança de o reencontrar.
Em vão.

Durante as férias na praia o que mais fiz foi ler:
Li, um clássico de muitos estudantes de ciências humanas “A apresentação do EU na vida de todos os dias” de Erving Goffman.
È um belo livro que não me ensinou nada de novo, mas deu-me aquele prazer de constatar que há autores conceituados que descobriram e sistematizaram noções e conceitos que eu fui descobrindo ao longo da vida.
Dizia-me como Shakespear que “The world is a stage”, Falava-me daquilo a que eu chamo máscaras e que todos temos de envergar.
E são tantas e tão diversas como Erving Goffman refere e tipifica.

Li também um interessantíssimo ensaio sobre “Geraldo sem Pavor” de Armando de Sousa Pereira.
Onde aprendi sobre essa espécie de “Rambo” do século XII.
Começou cativo e por mérito ou astúcia adquiriu a liberdade, sabendo tudo sobre a língua e cultura do inimigo.
Conquistou Évora aos Mouros para chegar às graças do Rei.
Por duas vezes conquistou e arrasou Beja mas a sua obceção era Badajoz, dedicou grande parte da sua vida a flagelar e a tentar conquistar Badajoz, insistentemente, persistentemente, obcecadamente.
Mas esse sonho nunca o alcançou.
Badajoz não podia ser da coroa portuguesa.
A memória turva e difusa dos seus feitos persiste ainda hoje após IX séculos.

Por último li um livro fundamental e estruturante: “O Cálice e a Espada” de Riane Eisler.
Tinha há muito referências sobre ele e indicações de que era um livro a ler, tenho em MP3 algumas conferências de Riane Eisler, que sempre me revelaram interesse.
Todavia o livro superou todas as expectativas, penso que é um livro fundamental para compreender a história e mesmo o mundo de hoje.
Mas não me atrevo a falar sobre ele, para não sugerir ideias retorcidas, apenas recomendo que o leiam.

De regresso a casa tive a, para mim, alegre notícia.
Em Belgrado, finalmente, decidiram que era eu o escolhido (ler o poste a baixo “Estou de Férias”).
Parto dentro de alguns dias e este Blogue irá ter assim algumas cartas de Belgrado.

2009-08-16

Woodstock

No debate que ouvi, ver post abaixo, António Macedo falava que aquele concerto era irrepetível pela qualidade dos músicos que intervieram.
Perguntava mesmo, “Como poderíamos organizar hoje um concerto de tal nível ?”.
Não é verdade, os grandes nomes do momento não estiveram lá. Os Beatles, os Doors, e mesmo Bob Dylan, que até vivia em Woodstock, não estiveram lá.
Como também alguém disse, nesse debate, qualquer dos muitos festivais de verão que hoje se fazem em Portugal, têm um nível idêntico, alguns nomes famosos e uma quantidade de outros que tentam se mostrar.
Nomes sonantes na altura estiveram Janis Jopling, Jimi Hendrix, Joan Baez , the Band e Ravi Shankar, depois estrelas ascendentes e ilustres desconhecidos como Joe Cocker, Crosby Still and Nash, Santana, Reachie Heavens, que são hoje famosos precisamente por terem lá estado.
E ainda outros, que mesmo tendo lá estado, pouca gente se lembra deles, não obstante a sua enorme qualidade, como Swami Satchidananda.
Isto tudo entre outros nas diversas categorias.
Seria talvez por ter sido um concerto ao ar livre?
Também não, naquele tempo havia outros festivais assim, com êxito moderado, como o de Monterrey em 1967 entre vários outros.
Não, não foi nenhum pormenor de organização que tornou aquele concerto memorável, pelo contrário, foi precisamente a desorganização o caos que transformaram aquele evento num ícon.
Parece que foram vendidos cerca de 184 000 bilhetes mas estiveram lá para cima de meio milhãode pessoas, à borla, entraram e pronto.
Cada um se safou como quis e pôde.
O mundo organizado, perdeu o controlo, não houve polícia a regular, a chatear e a fazer rusgas, todo o mundo esteve temporariamente livre.
Woodstock foi um TAZ (Temporary Autonomous Zone) Zona Autónoma Temporária, um ZAT em português.
Este conceito, que eu já tenho referido neste blogue, foi tipificado por Akim bay que o considera como a única via verdadeiramente revolucionária para nos libertarmos das amarras e do sufoco da civilização.
Infelizmente são sempre momentos efémeros vividos em maior ou menor escala.
Evidentemente o mundo não suporta os TAZ, tenta sempre incorporá-los, quando não os pode vencer, como está tentando fazer com Woodstock ou então destruí-los para fazer renascer a velha ordem.
Viva Woodstock livre!
O TAZ contaminou tudo e os próprios músicos se transcenderam e tiveram “performances” únicas.
O que se lá passou está, felizmente, documentado em filme, em registos sonoros e em muitos escritos, mas julgo que nada poderá transmitir exactamente o que terá sido aquela vivência ou as múltiplas vivências de cada um que lá esteve.
Podemos apenas imaginar.
Eu imagino a força daquela primeira actuação, na abertura no dia 15, onde o jovem Reachie Heavens, tremendo de nervos, como nos confessa hoje, entrando naquele palco e cantando uma adaptação de um velho Gospel, gritando na sua voz rouca: “freedom”, “liberdade”.
Imaginem-se então neste momento, entre aquele meio milhão de homens e mulheres belos e jovens e temporariamente livres, exorcizando, naquele momento o fantasma de então, que os esperava, a estúpida guerra do Vietname.
E isto foi apenas o começo de um paraíso que durou 3 dias.

2009-08-15

Cheguei!

Agora já me é mais fácil postar.
Tinha já planeado falar aqui dalguns factos significativos das minhas férias na praia, no Algarve, mas a minha viagem de regresso ocorreu hoje, acompanhando na rádio a efeméride desse festival memorável que decorreu em Woodstock, entre 15 e 17 de Agosto de 1969, tinha eu 20 anos.
Pelo que ouvi, a grande questão será: O que terá feito de Woodstock um acontecimento memorável, ainda hoje? E aventaram respostas erradas.
Na verdade eu, que não estive lá, sei muito bem a resposta mas só falarei disso amanhã ou depois.
Aguardem pois.

2009-08-07

Estou de férias

Que tal as férias?
É a expressão que os meus colegas ainda no activo costumam usar quando me vêem, no dia a dia sem as obrigações comuns que a vida activa exige.
No seu imaginário a reforma que ambicionam é, sobretudo, férias, não fazer nada, de “papo para o ar”, como se isso, por si só, fosse a felicidade.
Não é!
As minhas férias, como a de muitas pessoas em muitas situações, são apenas uma alteração da rotina, a adaptação a um espaço estranho, que se vai descobrindo e tentando moldar à nossa imagem.
A presença constante dos meus netos, ora gratificante e cheia de surpresas, ora perturbante e quase insuportável.
O uso do computador portátil, o toque das teclas, a mania irritante de me dobrar os aa que escrevo, a Internet intermitente e lenta, tudo isso são pequenas dificuldades que contrariam a minha escrita.
Entretanto, em Belgrado, alguma equipa de jovens muito activos debruçam-se sobre vários currículos, entre os quais o meu, para escolher a pessoa ideal para ajudar o Governo Sérvio a definir a estratégia para a implementação da abordagem LEADER para o desenvolvimento rural, naquele país.
É-me evidente que sou eu a pessoa indicada, só que eles não sabem disso, ainda.
Aguardo ansiosamente a decisão.
A pressa com que me pedem, como pediram alguns esclarecimentos adicionais, é só necessária para mim, eles ,como sempre, são lentos, lentíssimos nas suas decisões.
Iremos ver o resultado.
Iremos ver se este blogue irá ter ou não algumas cartas de Belgrado.
Entretanto vou continuando a viver e tentando gozar o melhor possível as minhas férias.

2009-07-28

A pena de morte é o que os espera

Na Sic, hoje deram a notícia de alguém, que tinha sido preso nos EUA.
Era um americano loirinho, mas muçulmano, e que tinha amigos tenebrosos, nada loirinhos, também presos.
Parece que o homem até tinha ido ao Kosovo com o intuito de colocar uma bomba (embora não o tivesse feito), que outra razão haverá para se ir dos EUA ao Kosovo?
E não ficou por aí, também já tinha ido à Jordânia.
Certamente pertencia à Alcaeda.
A notícia acabava dizendo que vai enfrentar a possibilidade de uma pena de morte.

Esta notícia só me fez lembrar esta velha canção de Tom Waits:

2009-07-26

Reflexão sobre a volta à França

Para o ciclismo a Volta a França é hoje a “grande prova”, a prova das provas, capaz de fabricar “heróis”.
Hoje acompanhei, pela TV, um pouco dessa prova.
Os comentadores, como a transmissão, não é nada mais do que ver bastantes homens sobre bicicletas, têm a missão de nos dar conteúdo, dar-nos contexto, explicar quem é este ou aquele corredor e o drama que vive e também transmitir dados constantes sobre a importância e a seriedade da prova, valorizando aquilo que vemos.
Hoje a conversa incidiu sobre as medidas anti “doping”.
A organização é quase perfeita na detecção do “doping”, ao contrário, claro, de Portugal, embora às vezes também não seja assim: Marco Chagas (antigo ciclista e actual comentador) referiu-nos que em Portugal foi controlado em qualquer evento de veteranos, apesar de já ter 52 anos. As coisas estão a melhorar.
Depois falaram de qualquer peça da bicicleta a que chamaram extensores e que Marco Chagas lamentava não ter tido no seu tempo, embora alguns já a tivessem.

Eu, imaginando-me técnico de ciclismo e querendo que a minha equipa ganhe.
Só pensaria em duas coisas:
Ou o ciclista tem de correr mais, ter mais força muscular e cansar-se menos e isso consegue-se com os chamados bons ciclistas mas também com treino e com produtos químicos que ajudam a isso, alguns chamados “doping”, ou também, a bicicleta tem que andar mais por cada pedalada e também há produtos que ajudam a isso, talvez chamados extensores e quejandos.
São estas descobertas tecnológicas ou biológicas que fazem a humanidade avançar e dominar os problemas que se lhe colocam.

Os problemas que surgem é que a prova deixa de ter a ver com o ciclismo mas com o desenvolvimento tecnológico e com a eficácia de controlo.

Alguns ganharam provas apenas porque o seu método de “doping” ainda não era conhecido pelo controlo ou, de qualquer forma, conseguiram ultrapassar esse controlo.

Por isso eu penso que se queremos avaliar capacidade de homens, através do desporto, devemos seguir o exemplo da Grécia antiga e afastar toda a tecnologia.
Todos deveriam concorrer nus e descalços e mesmo assim não conseguiríam eliminar o “doping” de uma alimentação mais correcta para aquele fim.

Se queremos verificar o melhor em termos espectaculares, como é o caso de hoje, onde em causa estão homens mas também clubes e países e culturas, melhor seria deixar os homens e a sua cultura desenvolverem os “dopings” e a tecnologia que acham mais influente para a vitória.

O controlo “anti-doping” que quase todos acham fundamental, para mim, está a matar o desporto espectacular e a impedir o desenvolvimento científico.

2009-07-23

Você sabe o que é caviar?

É assim que começa uma interessante canção brasileira.
Sem entrar em mais detalhes, podemos dizer, com verdade, que são simplesmente ovas de esturjão.
O problema transfere-se para o de saber o que será um esturjão.
E a resposta que se ouve é que é um peixe nativo do mar Cáspio e rios que aí desaguam e que está em risco de extinção porque é demasiado pescado porque as suas ovas, o tal caviar, são apreciadíssimas e caríssimas.
É este o conhecimento que eu tinha até ontem quando vi uma reportagem na SIC sobre a pesca no Tejo, pesca essa também em extinção, e vi relatos de pessoas idosas e fotografias de um esturjão pescado no Tejo, em meados do século XX.
Pareceu-me que esse facto, por si mereceria uma reportagem bem elaborada.
Como será que um esturjão terá vindo do mar Cáspio até ao Tejo passear?
A minha imaginação criativa começou logo a conceber uma história:
Talvez um refugiado da segunda grande guerra, talvez judeu, tenha trazido daquelas bandas um ou uns quantos esturjões, lançando-os no Tejo para posterior exploração comercial.
Mas como se trariam assim esturjões?
Uma consulta ao google mostrou uma história bem mais simples e triste.
Desde a mais remota antiguidade até ao Século XIX sempre houve esturjões no Tejo, Douro, Mondego, Sado e Guadiana (onde ainda parece que ocasionalmente aparecem) e por todos os rios da Europa.
As barragens expulsaram-nos de todo o lado e, agora, só resistem no Mar Cáspio os últimos esturjões.
Esta história que mostra como com as barragens perdemos o que poderia ser um negócio de milhões, ou, mais do que isso, uma iguaria a que a nossa bolsa dificilmente permite chegar, recorda-me a polémica actual sobre a barragem do Sabor:
Esta prevista barragem, vai destruir o talvez único rio selvagem que corre na Europa, e, como alguém dizia, ganhamos alguns kilowats, mas nem sonhamos o que podemos perder.
Eu já chorava pelas ostras do Tejo (consideradas as melhores ostras do mundo) passo agora a chorar também pelos esturjões do Tejo.

2009-07-17

O que eu hoje mais queria era apanhar a gripe A, já

Nesta guerra, até agora, o vírus da gripe A está a levar a melhor.
Estamos num ponto em que, apesar do clima aqui estar muito desfavorável ao vírus, ele progride, em passos lentos, como os mais terríveis monstros do cinema.
102 casos em Portugal, para os 10 milhões que dizem que habitam aqui, é ainda muito pouco, mas sobe todos os dias uns pontos e “devagar se vai ao longe”.
A OMS, já disse que vai parar os seus relatórios sobre o número de novos contágios (perdeu já o controlo).
Portugal comprou já 3 000 000 de vacinas que ainda não existem, (talvez para Novembro ou Dezembro).
Com esta força, no tempo das vacas magras (para o vírus), quando o frio vier vai ser o caos.
Há quem preveja um terço da população portuguesa com gripe, talvez lá para Novembro.
Eu, não duvido, já vi este filme com a asiática, quando não tive nenhum amigo ou conhecido que não a tivesse apanhado embora agora os humanos tenham outros recursos.
O que penso é o seguinte, quando chegar a minha vez, se chegar, vai estar tudo à rasca, vacinas ainda não haverão ou se houverem não vão chegar para mim ou quando chegarem já é tarde porque eu já tenho a gripe.
Tendo a gripe vou querer “tamiflu” mas aí vai ser difícil porque toda a gente vai querer; ainda acabo por não o ter e ter de contar exclusivamente com o meu sistema imunológico para curar a gripe em 6 dias.
Se apanhasse a gripe HOJE já tudo seria diferente:
Aos primeiros sintomas, telefonava para o 808242424, seria bem atendido, faziam-me análise à borla e davam-me “tamiflu” a mim e a toda a família.
Ao fim de uma semana, estaria são como um pêro e, sobretudo, IMUNIZADO e protegido para o período da confusão, isto mesmo sem vacina nenhuma, “porque a natureza está muito bem feita”.
O problema é que não conheço ninguém com gripe para me chegar perto.

2009-07-15

Curiosidades

A fábrica de sapatos Investvar ou o maior grupo português de calçado, decidiu acabar ou foi corrida, para o caso é irrelevante, da ligação que detinha com a multinacional americana que gere a marca “aerosoles”.
Agora é exclusivamente portuguesa e para o provar vai lançar a nova marca muitíssimo portuguesa que é a “MoovON”.
Pelo nome vemos logo que agora vai ser tudo muito mais português.

2009-07-14

Parece que a ASAE é inconstitucional

Oxalá!

A ASAE é a Santa inquisição do século XXI.
Enquanto a Inquisição, espalhava o terror e cometia crimes contra a humanidade para salvar as nossas almas, a ASAE faz o mesmo para salvar os nossos corpos.
Uma e outra não salvam nada, só destroem e têm a tendência para eliminar o talento e o que de melhor há no nosso país.
O mundo globalizado, evidentemente tem os seus perigos e necessita controlo. Em cada frasquinho ou latinha que compro muitas podem e, algumas vezes têm, adjuvantes químicos e toda a espécie de venenos que matam aos milhares. Mas quando isso acontece a indústria diz “woops”, finge que chora pelos mortos que causou, dá-nos a suposta paz retirando todo o lote do mercado e continua o “business as usual” como se nada se tivesse passado.
A ASAE não quer saber disto o seu inimigo é o Sr. Zé e a D. Maria que usam os tomates da sua horta: vê, cheira, pede os papéis e arruína-lhes a vida, a deles e a nossa que gostamos dos tomates.
Morra a ASAE morra, Pim.
A Santa Inquisição tirou-nos Espinosa, Joseph de La Vega e tantos outros espíritos brilhantes que tiveram que ir brilhar para Amsterdão.
A Santa ASAE tira-nos a bola de Berlim nas praias e a ginginha que não têm para onde ir brilhar.
Morra a ASAE morra Pim.

2009-07-12

Chegou-me em e-mail por duas vias

È uma bela peça de humor.
Infelizmente ainda não sei a origem.

2009-07-10

A comunicação social não tem a noção de dose.

A noção de dose é fundamental, eu já tentei explicar isto aqui.
Reportagens que envolvam: “Cristiano Ronaldo”, Michael Jackson” ou o “pequeno Martim”, que continuam a servir-nos diariamente, são já insuportáveis.
São “overdose”.

2009-07-08

Uma aventura na estrada

Ou
“Como o capital encarnou e habita entre nós”

O meu carro, agora, é um Megane cheio de mariquices que eu gosto.
Acende os faróis sozinho quando ele acha que não se vê, fecha os vidros abertos, quando o abandonamos, como que dizendo “Estás a ver, que serias tu sem mim? Deixavas-me a saque!”.
Apesar de ter já uns anos e quase 100 000 Km de rodagem, é um carro já do “admirável mundo novo”.
Tem um computador de bordo que me avisa em português correcto, quanto gasóleo ainda tenho, quantos quilómetros posso ainda andar, que está na hora da revisão ou de mudar o óleo e também quando não se sente bem, embora aí seja parco em palavras.
Há poucos dias, quando entrava na ponte Vasco da Gama, vindo do Sul, o carro dá dois soluços súbitos e grita-me no computador: “STOP”.
Eu, encostei-me na margem e parei logo.
Pensei falar com ele, deixá-lo descansar um pouco e continuar para casa.
Mas ele, amuou, não me respondia, não me dizia nada, para alem de uma breve mensagem “problemas na injecção”.
O motor nunca mais trabalhou mas ele mantinha-se vivo, de luzes acesas que não se desligavam e surdo a todas as minhas ordens.
O que se seguiu foi a sociedade moderna, no seu melhor.
Ainda eu tentava chamá-lo à razão, já um reboque ao serviço da ponte (que certamente me tinha visto encostar, pelas múltiplas televisões que nos observam) se aproximava para me ajudar ou para desembaraçar o trânsito, talvez mais isto.
Sem gastar nada, logo deixei tudo arrumado, o carro a caminho da oficina e eu, de táxi, a caminho de casa.
A sociedade cumpriu o seu papel comigo, embora eu soubesse que o meu calvário individual estava apenas a começar.
E assim foi, no dia seguinte telefona-me o mecânico dizendo:
“Tem que cá vir rápido, o motor está todo partido, isto vai ser um bocado caro”.
Na minha cabeça, essas palavras: “partido” e "dinheirão”, associadas a "problema na injecção" ficaram a ressoar na minha cabeça, lembraram-me logo da praga dos gasolineiros, contra os combustíveis brancos: “Poupas na gasolina vais pagar muito mais no mecânico!”.
De facto, eu tenho alimentado o meu carro sempre a gasóleo de saldo. E sei que as ameaças que se ouvem não são mais que o jogo de diferentes tentáculos do polvo capitalista, tentando extorquir-me sempre mais: “Ou enches o meu ventre voraz, na bomba de gasolina ou no mecânico, mas vais enchê-lo sempre.
Mas é nesta luta entre os tentáculos do polvo que nós vamos sobrevivendo,
A verdade é que o gasóleo ou a gasolina “branca”, é legal, não pode estragar carros assim. E a experiência dos milhares que fazem como eu e estão pacientemente na “fila” (para os meus leitores do Brasil) ou na “bicha” (para os de Portugal) para poupar na gasolina não consta que estejam a “partir” motores com essa facilidade.
Foi então que me lembrei de uma vivência recente no campo do vídeo, os velhos aparelhos, pirateavam tudo mas os modernos já não porque os “tentáculos do polvo capitalista” se harmonizaram e têm “ordens de “software” para não permitir a cópia, nem ver os vídeos de outra região e todas essas invenções do capital para nos roubar.
Será que as “mariquices” do meu carro já teriam inclusas instruções para detectar a gasolina branca e “partir” o motor em conformidade?
Era muito verosímil.
Fiquei apreensivo e a delinear estratégia para não baixar os braços nesta luta.
Felizmente a minha ida ao mecânico sossegou-me neste domínio.
O mal foi de uma correia que, supostamente, tem que ser mudada de 90 000 em 90 000Km e que não tendo sido trocada, se partiu e, a partir daí, rapidamente seguiram-se os “pistons” e não sei que mais.
Porque não mudei então essa correia no devido tempo? Perguntará o leitor.
A resposta é simples: porque a porra do computador de bordo que é tão esperto para as coisas simples, nunca me avisou disto que era uma questão vital.
O capital ganha sempre mas, pelo menos vou continuar a usar gasóleo branco, que se lixa!.