2006-10-16

Luta contra a corrupção 3

Como referi no poste anterior sobre este assunto, constato que algumas culturas valorizam a sociedade mais do que o indivíduo enquanto outras, como a nossa, tende para o contrário.
Numa primeira abordagem pareceria lógico e natural, que relativamente à segunda dicotomia que referi como determinante no debate desta questão, segredo vs transparência, se pudesse observar uma associação do seguinte tipo:
Grupos culturais que privilegiam a sociedade tendem a valoriza a transparência (que facilita a equidade social); sociedades que privilegiam o indivíduo tendem a valorizar o segredo (que facilita a defesa dos direitos individuais).
Curiosamente, a minha experiência tem constatado precisamente o contrário.
Primeiro exemplo:
durante toda a minha vida de estudante, em Portugal, as minhas notas nas diferentes disciplinas, como as de todos os meus colegas, eram afixadas numa pauta afixada no pátio da escola, todos podíamos ver a classificação de todos e este procedimento transparente sempre me pareceu natural. No Mestrado que fiz, que embora feito em Portugal, respeitava totalmente o modelo de uma Universidade americana, incluindo grande parte dos Professores que eram Americanos dessa Universidade, as notas eram-nos comunicadas individualmente e em carta fechada, ninguém sabia as notas dos outros se esses a não dissessem e ainda assim mantínhamos a insegurança de não saber ao certo se falavam verdade.
Este secretismo era justificado na defesa da concorrência ou da competitividade mas eu não deixava de me questionar: e as injustiças ? e os compadrios ? e os efeitos da “graxa” e outros métodos estudantis de subverter o sistema ? como me defenderei eu disso.
Segundo exemplo: Em Portugal a filosofia subjacente em concursos públicos baseiam-se na transparência: tudo público, tudo claro, todos devem poder saber tudo.
Eu, aqui há anos, tive oportunidade de integrar uma delegação portuguesa que, em Washington, negociou com o Banco Mundial um empréstimo para um projecto e pude aí constatar que os mais difíceis aspectos negociais tinham precisamente a ver com essa nossa atitude para a transparência que era incompatível com o secretismo exigidos pelo Banco Mundial para os mesmos concursos.
O mais estranho é e ambos defendíamos os mesmos princípios em nome do mesmo valor, a equidade.
Para nós: Se eu for preterido num concurso, sem ver a proposta dos outros como é que eu posso saber se não houve um favorecimento ilícito ?
Para o Banco Mundial: Se eu for preterido no concurso, é certamente porque o outro concorrente tinha uma melhor proposta, com que direito vou eu vê-la para depois a copiar sem esforço a quem foi mais hábil do que eu ?
Referindo-se estes exemplos a grupos culturais anglo-saxónicos e não propriamente escandinavos, no entanto um tipo de sociedade aparentemente menos propensa à corrupção do que as nossas sociedades latinas, o caso não deixou de me intrigar.
No fundo, talvez seja o natural mecanismo de compensação de que a natureza é pródiga:
Para nós que procuramos desenrascar-nos da melhor maneira possível, e que sabendo que o outro é como nós, também com os seus esquemas rocambolescos, pensamos que será papel do Estado por tudo em pratos limpos e esclarecer-nos de tudo, reivindicamos a transparência.
Para os outros que vivem um dia a dia de controlo social intenso, de auto sacrifício pelo bem estar global, deverão ansiar por um Estado que lhes garanta a sua privacidade.

Seja isto ou não, o que é certo é que o Estado não é uma entidade etérea e abstracta, quem toma decisões são pessoas como nós, mergulhadas na mesma cultura , daí as dificuldades de lidar com este fenómeno e aí é que está o busílis da questão.
Mas como também sou português e um pouco preguiçoso, deixo por aqui esta questão.

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