2009-07-08

Uma aventura na estrada

Ou
“Como o capital encarnou e habita entre nós”

O meu carro, agora, é um Megane cheio de mariquices que eu gosto.
Acende os faróis sozinho quando ele acha que não se vê, fecha os vidros abertos, quando o abandonamos, como que dizendo “Estás a ver, que serias tu sem mim? Deixavas-me a saque!”.
Apesar de ter já uns anos e quase 100 000 Km de rodagem, é um carro já do “admirável mundo novo”.
Tem um computador de bordo que me avisa em português correcto, quanto gasóleo ainda tenho, quantos quilómetros posso ainda andar, que está na hora da revisão ou de mudar o óleo e também quando não se sente bem, embora aí seja parco em palavras.
Há poucos dias, quando entrava na ponte Vasco da Gama, vindo do Sul, o carro dá dois soluços súbitos e grita-me no computador: “STOP”.
Eu, encostei-me na margem e parei logo.
Pensei falar com ele, deixá-lo descansar um pouco e continuar para casa.
Mas ele, amuou, não me respondia, não me dizia nada, para alem de uma breve mensagem “problemas na injecção”.
O motor nunca mais trabalhou mas ele mantinha-se vivo, de luzes acesas que não se desligavam e surdo a todas as minhas ordens.
O que se seguiu foi a sociedade moderna, no seu melhor.
Ainda eu tentava chamá-lo à razão, já um reboque ao serviço da ponte (que certamente me tinha visto encostar, pelas múltiplas televisões que nos observam) se aproximava para me ajudar ou para desembaraçar o trânsito, talvez mais isto.
Sem gastar nada, logo deixei tudo arrumado, o carro a caminho da oficina e eu, de táxi, a caminho de casa.
A sociedade cumpriu o seu papel comigo, embora eu soubesse que o meu calvário individual estava apenas a começar.
E assim foi, no dia seguinte telefona-me o mecânico dizendo:
“Tem que cá vir rápido, o motor está todo partido, isto vai ser um bocado caro”.
Na minha cabeça, essas palavras: “partido” e "dinheirão”, associadas a "problema na injecção" ficaram a ressoar na minha cabeça, lembraram-me logo da praga dos gasolineiros, contra os combustíveis brancos: “Poupas na gasolina vais pagar muito mais no mecânico!”.
De facto, eu tenho alimentado o meu carro sempre a gasóleo de saldo. E sei que as ameaças que se ouvem não são mais que o jogo de diferentes tentáculos do polvo capitalista, tentando extorquir-me sempre mais: “Ou enches o meu ventre voraz, na bomba de gasolina ou no mecânico, mas vais enchê-lo sempre.
Mas é nesta luta entre os tentáculos do polvo que nós vamos sobrevivendo,
A verdade é que o gasóleo ou a gasolina “branca”, é legal, não pode estragar carros assim. E a experiência dos milhares que fazem como eu e estão pacientemente na “fila” (para os meus leitores do Brasil) ou na “bicha” (para os de Portugal) para poupar na gasolina não consta que estejam a “partir” motores com essa facilidade.
Foi então que me lembrei de uma vivência recente no campo do vídeo, os velhos aparelhos, pirateavam tudo mas os modernos já não porque os “tentáculos do polvo capitalista” se harmonizaram e têm “ordens de “software” para não permitir a cópia, nem ver os vídeos de outra região e todas essas invenções do capital para nos roubar.
Será que as “mariquices” do meu carro já teriam inclusas instruções para detectar a gasolina branca e “partir” o motor em conformidade?
Era muito verosímil.
Fiquei apreensivo e a delinear estratégia para não baixar os braços nesta luta.
Felizmente a minha ida ao mecânico sossegou-me neste domínio.
O mal foi de uma correia que, supostamente, tem que ser mudada de 90 000 em 90 000Km e que não tendo sido trocada, se partiu e, a partir daí, rapidamente seguiram-se os “pistons” e não sei que mais.
Porque não mudei então essa correia no devido tempo? Perguntará o leitor.
A resposta é simples: porque a porra do computador de bordo que é tão esperto para as coisas simples, nunca me avisou disto que era uma questão vital.
O capital ganha sempre mas, pelo menos vou continuar a usar gasóleo branco, que se lixa!.

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