2006-10-12

Luta contra a corrupção 2

Mas onde é que eu me fui meter ?
Querer resolver aqui grandes angústias com que a humanidade se confronta há milhares de anos, sobre as quais já se escreveram milhares de livros, por espíritos bem mais brilhante do que o meu !
Façamos assim: imagine o leitor que está comigo numa mesa de café.
Já comemos e bebemos bem, sentimo-nos bem, estamos numa daquelas disposições em que podemos resolver as grandes questões da humanidade, onde tudo é legítimo, onde podemos discorrer sobre o âmago da física quântica, construir as mais perfeitas utopias, ter opinião sobre tudo, mesmo o que nos é estranho, inclusive matar Deus, ou recriá-lo.
Eu vou assim mandar as minhas “bocas” com inteira liberdade e a superficialidade que este meio blogosférico implica, o leitor, pelo seu lado poderá comentar á vontade, insultar-me, louvar-me, ser indiferente, enfim, dizer ou não dizer o que bem lhe aprouver.
Iria abordar a primeira dicotomia que falei no primeiro poste sobre este tema:
indivíduo vs sociedade.
As principais utopias concebidas basearam-se na prevalência do interesse comum, da sociedade sobre o indivíduo:
Nesta situação de prevalência do social sobre o individual não existirá um campo fértil para a corrupção e quando esta aparece é mais facilmente arrancada e destruída como erva daninha.
A corrupção é um tipo de crime eminentemente antisocial. Em princípio ela serve os interesses de todos os intervenientes directos, corruptor e corrompido e os danos que provoca são eminentemente sociais, etéreos, não palpáveis, instalam uma percepção social de iniquidade, gera invejas, desmotiva os justos, conduz a um mal estar social, mas a mim propriamente, a cada eu individual, não afecta directamente, não aquece nem arrefece como diz o povo.
Será por isso que nas sociedades culturalmente impregnadas do sentimento da prevalência da sociedade sobre o indivíduo, as sociedades escandinavas por exemplo, os fenómenos de corrupção são mais raros e quando surgem são mais facilmente denunciados e expostos; cada cidadão, os sente como inaceitáveis e sente como um seu dever denunciar e combater.
Nós portugueses e brasileiros e outros povos latinos e os povos africanos, em geral, temos impregnado na nossa cultura a prevalência do indivíduo sobre a sociedade. Culturalmente uma denúncia é um acto feio, desde crianças que não toleramos os “queixinhas” que nos denunciavam aos pais ou professores. Denuncias anónimas (muitas vezes a única forma de denunciar e sobreviver) são consideradas como uma torpeza inaceitável, temos toda uma cultura que faz medrar a corrupção e que impede o seu combate.
Temos, é certo. mais firme do que os Suecos a solidariedade, aos nossos amigos, temos laços muito firmes a um grupo restrito que nos está próximo, mas laços diluídos para com a sociedade no seu todo.
Somos capazes de actos de grande nobreza e caracter em favor de um amigo concreto em dificuldades mas somos menos propensos à solidariedade social e às grandes causas mais abstractas. Contamos facilmente aos nossos amigos, com orgulho da nossa esperteza, como conseguimos roubar o fisco ou enganar a polícia, actos que um escandinavo ocultaria de toda a gente, mesmo dos mais íntimos, com uma vergonha que lhe tiraria o sono.
Leis ou medidas tendentes a combater a corrupção não alcançam a unanimidade, enfrentam frequentemente críticas e críticos.
É evidente que tudo isto, dito assim, é um estereótipo. Em todas as culturas podemos encontrar gente de um ou de outro tipo mas quando se está atento consegue-se sentir este padrão emergir como uma nata, nas mais pequenas coisas:
Na Dinamarca, em Copenhaga, um dos aspectos que me fascinou foi a disciplina e fluidez do transito automóvel, fiquei largos minutos em cruzamentos apenas observando com espanto e admiração aquela ultra-disciplina funcionando como uma máquina afinadíssima: impensável para um automobilista dinamarquês passar com o sinal laranja, mas, por outro lado, o arranque é imediato e simultâneo quando abre o verde, não se admite que ninguém perca tempo inutilmente. Medo da polícia ? certamente que não, medo sim do controlo social dos outros automobilistas.
Como este poste já vai longo, fico, de momento, por aqui.
Em breve continuaremos a nossa conversa de café.

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