2009-03-11

O testamento de Kafka

Agora que o nosso parlamento parece considerar a hipótese de colocar no “main stream” a questão do “testamento vital”, para procurar evitar os embaraços que enfrentam os profissionais que têm que lidar com doentes terminais, ou talvez não, mas que absolutamente perderam a capacidade de exprimir a sua vontade, lembrei-me da grande questão ética colocada a Max Brod quando herdou os manuscritos de Kafka com expressas instruções para os destruir. Questão amplamente analisada e debatida por grandes vultos da alta cultura, como Witgenstein.
Max Brod, grande amigo e conhecedor de Kafka, sabia que esses manuscritos eram obras geniais, o que Kafka também sabia embora fosse muito descrente de que o mundo o reconhecesse.
Simplificando, porque esta questão suscita amplos debates, Max Brod, aparentemente, raciocinou assim:
Se ele queria destruir as suas obras, como aliás destruiu algumas, devia tê-lo feito ele mesmo. Quando mas deixou para eu as destruir, foi porque quis entregar a sua decisão final ao meu discernimento e, no fundo, sabia que eu não cumpriria essa promessa. Ao dar-mas, entregou-me o destino dessas obras.
Hoje, o mundo agradece a Max Brod essa “traição”. Sem essa “traição” não teríamos “O Processo”, a “Metamorfose”, “O Castelo” ou a “América” nem mesmo saberíamos, como ainda não sabemos de facto, como se chamaria esse romance, essa obra prima incompleta de Kafka.
Voltando ao testamento vital a minha questão coloca-se nesse nível.
O que me apetece escrever é “que se encarníssem nos tratamentos para me prolongar a vida”, mas isto apenas para chatear o sistema, como forma de terrorismo poético, porque no fundo o que quero nessa situação terminal, é que encontre decisores de bom senso e, sobretudo que ninguém seja punido pela lei, pela decisão que honestamente tomar, seja ela qual for.

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