2008-02-26

A ignorância esperta

O General Garcia Leandro já o disse (à General), a SEDES também já o disse (à SEDES), Marinho Pinto vai-o dizendo (à sua maneira) e eu também o vou dizer (à minha):
Alguma coisa está podre no reino da Dinamarca !
Para quem não nasceu em berço de ouro ou pelo menos dourado, e vê como uma vida bem sucedida uma vida com dinheiro, só tem duas vias disponíveis:
Uma é a do mundo espectacular dos media, ou dos desportos de massas e desde que se tenha um palmo de cara e um mínimo de jeito, não custa nada tentar e aí vemos os “castings” para concursos e novelas apinhados de gente, alguns, não muitos, lá conseguem.
Outra via é a do poder, e como o poder está nos partidos, é a via partidária.
Tanto faz ser o partido A ou B, existe uma teia transpartidária, começa-se, de preferência desde muito novo, a frequentar o meio, prestam-se serviços, aos estabelecidos, e se se tem algum talento, por isso a esperteza é importante, se se sabe falar, desempenhar uma tarefa sem cometer uma grande gafe, vai-se sendo notado e as oportunidades vão aparecendo.
Aqui, todavia é muito conveniente ser Dr. ou Eng, e isso dá algum trabalho e desvia a atenção do essencial mas ainda vai sendo importante e assim lá se procura obter essa coisa, que aliás agora começa a estar facilitada por muitas universidades privadas onde alguns deles já chegaram ao poder.
Sendo notado, começa a ganhar-se posições, velhos favores são retribuídos e a cada um segundo os seus talentos é-lhes dado lugares de nomeação, desde Chefe de Divisão na Administração até Director Geral ou Gestor Público, ou mesmo privados se se conseguiram os bons contactos e se serviram as pessoas certas.
Uma vez instalado só há uma preocupação manter-se no lugar ou se possível subir, a função que se desempenha é profundamente irrelevante.
A não ser para efeitos de salário que nalguns casos vão crescendo sempre até ao obsceno.
E então lá vemos muitos, dar cabo de um sector e quando isso se torna muito patente logo se passa para outro e outro e outro para não dar nas vistas.
É evidente que para se disfarçar, nos escalões mais baixos, existem concursos públicos, essa chatice legal, mas o que não existe é vergonha nenhuma, e eles ganham sempre, das formas mais tortuosas, algumas de bradar aos céus mas parece que nem os céus ouvem.
Todos este caminhos exigem esperteza e talento, o que lhes não dá é conhecimento da vida e das coisas e dos sectores em que supostamente têm “responsabilidade” (na prática nenhum deles responde nunca por coisa nenhuma) daí a ignorância.
Também não se lhes exige que façam grandes coisas, basta não causarem grandes embaraços e lá vão ficando e pagando favores também a jovens emergentes que os substituirão.
Tudo isto tem sido um processo lento que decorre já há vários anos só que aos poucos e a última geração que procurou trabalhar honesta e interessadamente já está quase desaparecida e o país está já quase na totalidade entregue a essa gente.
A mediocridade tomou o poder.
É daqui que vem o tal mal estar e a desconfiança do povo, que assiste a isto tudo impotente.
Até quando ?

3 comentários:

H. Sousa disse...

Absolutamente!

Anónimo disse...

O problema levantado , não e algo recente, sempre existiu umas vez mais ou menos camuflado, mas sempre existiu o favorecimento , a cunha enfim já vista com normalidade por alguns e aceite quase por todos.
Talvez a solução do problema esteja na falta de ética e moral da sociedade.
Muitos são os problemas a serem enfrentados pelo homem contemporâneo ao discutir a ética e moral, o individualismo, o narcisismo hedonista, a recusa da razão dominadora, o relativismo moral. Uma das preocupações actuais de hoje em dia e poder cada um de nos distinguir o bem d mal, onde esta o limite? Poderá aceitar uns presentinhos? depois vem uma doação e esta aberto o caminho para os favorecimentos e corrupção. O sujeito moral, ao se perguntar como deve agir em determinada situação, certamente se aproxima de questões teóricas e abstractas tais como: Em que consiste o bem? Qual o fundamento da acção moral?

Colocando tais questões, estaremos entrando no campo da ética, teoria que realiza a reflexão crítica sobre a experiência dos bons costumes ou dos deveres, e que tem por fim discutir as noções e princípios que fundamentam a conduta moral. A palavra ética, nos dias actuais, quer dizer, a ciência de facto que tem por objecto a conduta dos homens, abstracção feita dos juízos de apreciação que dirigem os seres nessa conduta, com efeito, qualquer hipótese que se adopte sobre a origem e a natureza dos princípios da moral. É certo que os juízos de valor que tratam da conduta são fatos cujas características cabe determinar, e que o estudo da conduta não pode ser substituído pelo estudo directo destas, porque o comportamento dos homens nem sempre é conforme seus próprios juízos sobre o valor dos actos.

Creio que um dos grandes dilemas da moral pode ser resumido nas seguintes questões: Existem ou não valores morais válidos para todos os homens? Como justificar a classificação das acções em moralmente correctas ou incorrectas, boas ou más?
Mais uma vez aludindo a filosofia e as figuras tal como Platão, a justiça e a virtude centralizavam todo o problema moral. O termo virtude tem, em grego, um significado bem mais rico e bem diferente do que tem para nós hoje. Designa o que faz a excelência, a perfeição de um ser, impoluto, não se deixa comprar, em qualquer ser considerado e em qualquer domínio de actividade. É, para cada um, o poder de realizar aquilo que ele em conformidade com uma ordem, entendendo-se que ordem e correcto. Hoje em dia há sobretudo falta de valores morais.

A moralidade não é prática hoje em dia na nossa tão atarefada sociedade porque, por si mesma, não pode nos mover à acção, pois a moralidade não tem nada com as qualidades objectivas de acção ou carácter, mas somente com nossa resposta sentimental quando contemplamos tais acções ou estados de carácter.
Já vai longe esta reflexão , que de longa na sua essência muito mais haveria para dizer, Mas terminarei com uma frase em latim que penso que traduz a ideia central do pensamento " Veritas evidens non est probanda "
Fernando Monteiro

Nuno Jordão disse...

Caro Fernando Monteiro
Há duas áreas da filosofia que me tocam especialmente: A Ética e a Estética.
O seu comentário, lúcido e bem elaborado, como sempre, remete para o domínio da ética a questão que eu levantei no meu poste mas ao fazê-lo creio que renega a sua essência.
Sim, eu sei, que este modo de ser e de viver, tão português, das cunhas, dos favorzinhos, não é de agora. Tenho sempre presente (tão presente que apenas o cito de memória, correndo os riscos inerentes) a excelente prosa de Eça de Queiroz, em “Uma Campanha Alegre” onde fala do Sr, Influente e tem aquele episódio delicioso em que o Sr. Influente, ao meter uma cunha para um seu sobrinho é confrontado com a “ajuda” do “agente de poder” que lhe diz qualquer coisa como isto:
- Sim, o seu sobrinho, que é então um jovem prometedor, cheio de qualidades.
Ao que ele, o Sr. Influente, responde quase ofendido:
- O meu sobrinho ? não, o meu sobrinho é uma besta !, Eu é que sou influente !
E com este episódio creio que diz tudo o que há a dizer sobre essa faceta da nossa cultura.
Mas para não desviar do assunto, o que o meu poste procurou retractar foi um fenómeno novo e que sai desse domínio da ética.
Eu penso que o homem é o mesmo, o de agora e o de há 10 000 anos, a sociedade é que está diferente e faz com que esse mesmo homem se comporte de modo diferente, adaptado a esta nova “selva”.
Não creio pois que haja uma crise de valores e de moral, como é vulgar dizer-se, isto, independentemente das dificuldades que, muito bem, coloca, na construção dessa mesma categoria da moralidade ou da ética.
O que se passa agora é deste tempo, apenas deste tempo.
Penso que a pergunta agora dominante não é:
- O que mudou no homem para que “cace” hoje assim na selva ?
A questão que eu, toscamente, pretendi abordar no poste foi mais esta:
- O que mudou na “selva” para que o homem “cace” hoje assim ?