2008-02-08

Reflexão sobre a ignorância

O que tem de paradoxal a ignorância é que tem que se saber para se saber que não se sabe.
Quando Sócrates, o genuíno, não este que temos por cá, terá dito “Só sei que nada sei” não o fez como uma mera figura de estilo, disse apenas a verdade que adquiriu com a sua reflexão.
Só sabendo, como Sócrates sabia do seu universo, se pode tomar consciência de como o nosso conhecimento é limitado face ao todo que há para saber, e esse saber limitado comparado com o praticamente infinito que se desconhece pode, legitimamente, inferir-se que será como nada.
Há pois uma ignorância esclarecida e uma outra, aquela a que vulgarmente chamamos de ignorância, que não tem consciência de si própria.
Vem isto a propósito de um filme que circula na net, e que eu, por ignorância, não reproduzo aqui, com o final da participação de uma jovem e bonita loira americana, no concurso homólogo do nosso “Eu não sei mais do que uma criança de 10 anos”:
Perguntam-lhe a pergunta de 25000 Dólares:
- Budapeste é a capital de que país ?
A rapariga só “sabe” que lá se fala francês mas será a França um país? a Europa sim, é um país, isso sabe ela bem, mas a França o que será ?
O diálogo hilariante continua neste registo, até que ela decide “copiar”. O apresentador dá-lhe a resposta certa: “Hungary”.
A jovem fica estupefacta e pergunta “hungry” (esfomeado) ? há um país com este nome? nunca ouvi falar!
Para seu espanto o miúdo de 10 anos tinha acertado a resposta e ela ganhou os 25000 Dólares.
Um dos pontos de reflexão que este filme me sugeriu, foi o facto de ele vir intitulado, no e-mail que a minha sobrinha Inês me mandou, como “loira burra” isto porque é, de facto, vulgar confundir-se ignorância com falta de inteligência, quando na realidade nada têm a ver.
Aquela loira não foi nada burra, lidou com a situação de forma racional, conseguiu até ganhar de forma expedita o prémio que estava em jogo e com é bem bonita, arranjará certamente um noivo endinheirado que a fará talvez feliz, saberá até, possivelmente, capitalizar com o sucesso internacional do espectáculo da sua monumental ignorância sem corar de vergonha.
Porque o que ela claramente é: é profundamente ignorante do segundo tipo, do tipo dos que não têm consciência da sua própria ignorância.
Ora o mundo está cheio desta gente e infelizmente muitos até são inteligentes, mas disto falarei talvez depois.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler esta pequena e deliciosa reflexao, sobre a ignorancia , nao poderia deixar de comentar ou pelo menos deixar um pequeno contributo.
A Socrates é-lhe imputado de facto, não a frase, "só sei que nada sei" mas "Todo o meu saber consiste em saber que nada sei" o que objectivamente terá uma amplitude similar.
Mas a Socrates tambem lhe é imputada a frase" Quem melhor conhece a verdade é mais capaz de mentir".
E se levarmos em conta que Socrates aplicava á sua vida o que tão bem ensinava , ficavamos num paradoxo, se ele de facto teria conhecimento da sua ignorancia, ou se conhecia de facto o tamanho do seu desconhecimento e mentia dizendo que nao o sabia.Pois
Sócrates era considerado pelos seus contemporâneos um dos homens mais sábios e inteligentes. Em seus pensamentos, demonstra uma necessidade grande de levar o conhecimento para os cidadãos gregos. Seu método de transmissão de conhecimentos e sabedoria era o diálogo. Através da palavra, o filósofo tentava levar o conhecimento sobre as coisas do mundo e do ser humano.
Conhecemos os seus pensamentos e idéias através das obras de dois de seus discípulos: Platão e Xenofontes. Infelizmente, Sócrates não deixou por escrito seus pensamentos.E provavelmente as ideias tidas como verdadeiras que chegaram ate aos nossos tempos não terao sido bem a verdade que foi talvez tida em conta pelo autor dessas frases.
Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Combateu a Potidéia, onde salvou a vida de Alcebíades e em Delium, onde carregou aos ombros a Xenofonte, gravemente ferido. Formou a sua instrução sobretudo através da reflexão pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da época,e se a bem estudarmos poderemos entao encontrar a ideias subjacentes aos seus pensamentos, em contato com o que de mais ilustre houve na cidade de Péricles. Mas na busca de um antidoto para o desconhecimento,
Inteiramente absorvido pela sua vocação, não se deixou distrair pelas preocupações domésticas nem pelos interesses políticos. Quanto à família, podemos dizer que Sócrates não teve, por certo, uma mulher ideal na quérula Xantipa; mas também ela não teve um marido ideal no filósofo, ocupado com outros cuidados que não os domésticos.O que demonstra que de facto quanto a esse facto teria um desconhecimento acima da média.
Quanto à política, foi ele valoroso soldado e rígido magistrado. Mas, em geral, conservou-se afastado da vida pública e da política contemporânea, que contrastavam com o seu temperamento crítico e com o seu reto juízo. Julgava que devia servir a pátria conforme suas atitudes, vivendo justamente e formando cidadãos sábios, honestos, temperados - diversamente dos sofistas, que agiam para o próprio proveito e formavam grandes egoístas, capazes unicamente de se acometerem uns contra os outros e escravizar o próximo.
Ja vai longo este singelo comentário terminando com os meus parabens pelo blog e reflexoes que neles vão surgindo por V Excelencias e os quais vou lendo deliciosamente.
Fernando Monteiro

Nuno Jordão disse...

Caro Fernado Monteiro
Obrigado pelas suas palavras simpáticas e mais ainda pelo seu "pequeno", para mim grande contributo.