2008-03-08

Navegando à volta de Shakespear

Shakespear é uma minha paixão antiga.
Aos 18 anos já tinha lido “Hamlet”, “Othelo” e “Macbeth” na língua original, com a peça numa mão e um dicionário na outra, dicionário que eu consultava quase linha a linha da peça.
Todavia li e percebi, pelo menos a meu modo. Sabia de cor vastas passagens, uma delas era a do famoso e magnífico solilóquio de Hamlet que começa assim: “To be, or not to be: that is the question...”.

Ontem, como tantas vezes actualmente, tive que me conformar (apenas com a retribuição de um sorriso irónico) com a arrogância ignorante que hoje enxameia a administração, hoje, pensei eu, não deve ser só de hoje, já Shakespear falou do assunto, recordo-me, mas onde ?
Primeiro ocorreu-me o discurso de Polónio a Laertes, de que me lembro vagamente mas depressa me ocorreu que não era ali, era no tal famoso solilóquio que já não sei de cor mas ainda sei de coração.
Procurei e achei, está nesta passagem onde Hamlet inumera os males do mundo:

“For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office, and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,”


Lembrei-me então da eternidade desta afirmação, creio que traduz também o espírito dos professores que hoje se manifestam em Lisboa, na marcha da indignação, exigindo uma coisa simples: “respeito”.
Pelo mesmo respeito que quero atribuir aos visitantes deste blogue, procurei uma tradução em português desse trecho que sublinhei.
Aí começou a aventura que quero aqui contar.
Há dezenas de traduções de Shakespear, todas boas e todas más, dependendo de como a cada um tocou o significado das palavras.
Dou um exemplo: o célebre “to be or not to be, that is the question” está consagrado em português como “Ser ou não ser heis a questão”.
Consagrado, disse, mas não, também há quem o rejeite: “Ser ou não ser, esta é a questão” diz alguém e tem o seu ponto de vista, heis remete-nos para “uma revelação”, apareceu aqui, vinda não se sabe de onde, não é isso que Shakespear disse, o que ele disse é que “esta é a questão”.
Estimulado por este ponto de vista, fui ainda mais longe, a questão? será que “question” é a “questão” em português ?
Eu sei que nalguns contextos isso é verdade, mas a nossa “questão” é semanticamente mais vasta do que a “question” inglesa engloba significados que em Inglês nos exigiriam outras palavras, como “issue” por exemplo.
Para mim, a tradução mais fiel será: “Ser ou não ser, é esta a pergunta”, perde poesia, talvez, para mim, é mesmo isto que ele nos queria dizer, para outros talvez não, mas, de qualquer modo, demonstra um ponto: não há traduções fiéis!.
Esta horas que passei na net em volta de Shakespear levaram-me ainda mais longe, não são só as traduções que colocam problemas é o próprio texto de Shakespear.
A dramaturgia de Shakespear não foi feita para ser lida mas para ser representada, e parece que há várias versões, umas mais longas outras mais curtas, par serem usadas conforme as audiências ou a reacção dessas audiências, há achegas que não se sabe bem se são de Shakespear se de algum actor que as acrescentou. Há os “in-quartos” e os “in-fóleos”, sobre os quais se debruçam, até hoje, grandes estudiosos da matéria e os textos que temos impressos não são mais do que aquilo que se fixou como sendo de Shakespear, até alguém descobrir que não foi bem assim.

Com tudo isto derivei do tema essencial, o que eu queria deixar aqui era a tradução do pedaço do solilóquio que destaquei acima, aqui fica uma versão que me satisfaz:

“O abuso do poder e a humilhação
Que do indigno o valoroso sofre,”


No entanto esta deambulação por Sakespear levou-me ainda mais longe e por caminhos inesperados, disso falarei depois.

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