Foi na Formiga de Langton que vi a referência e o link para o excelente artigo de Terry Jones (lembram-se do mais sério dos Monty Pythons) sobre os problemas semânticos na guerra do Iraque.
Deixo também aqui o link para o texto original mas para que os leitores que não dominam o Inglês não percam o conteúdo segue adiante a minha tradução.
Um dos principais problemas da actual e emocionante aventura no Iraque é que ninguém consegue decidir que nome dar a todos os outros.
Na segunda guerra mundial nós lutávamos contra os alemães e os alemão lutavam contra nós, toda a gente sabia quem lutava contra quem e é assim que uma verdadeira guerra deve ser.
Contudo, no Iraque, não há sequer unanimidade quanto ao nome a dar aos americanos. Os Iraquianos insistem em chamá-los “americanos”, o que parece , aparentemente, razoável. Os americanos contudo insistem em se referir a si próprios como “forças da coligação”. É talvez primeira vez na história que os Estados Unidos tentam partilhar a sua glória militar com outros.
Holliwood, por exemplo, está-nos sempre a dizer que foram os americanos que ganharam a segunda Guerra mundial. Foi um americano que conduziu a fuga do campo Stalag Luft III no “The Greate Escape”; foram os americanos que capturaram a máquina Enigma no filme “U571”; e foi Tom Cruise que sozinho ganhou a Batalha de Inglaterra (no seu último projecto, “The Few”).
Sendo assim acho reconfortante ver os generais americanos no Iraque realçarem o papel dos parceiros da América na construção de uma vida melhor no Iraque.
Depois há o problema de como é que os americanos hão de chamar os Iraquianos – especialmente aqueles que eles matam. O leitor pode chamar por algum tempo, “terroristas fanáticos” a pessoas que defendem as suas casas de “rockets” e mísseis lançados de helicópteros e tanques. Eventualmente até os leitores de jornais começam a sentir que alguma coisa “cheira a esturro”.
Igualmente é tremendamente difícil fazer as pessoas aceitarem o rótulo de “rebeldes” para aqueles Iraquianos mortos por “snipers” americanos quando – como em Falluja – se verifica serem mulheres grávidas, miúdos de 13 anos, e velhos parados à porta das suas casas.
Também parece um pouco enganador chamar “guerrilheiros” a condutores de ambulância – quando foram mortos por tiros que atravessam o pára-brisas na altura em que conduzem feridos para o hospital – todavia que outro nome se lhes poderiam dar que não os transformassem em alvos ilegítimos.
Espero que comecem a perceber o problema.
A questão chave, parece ser, chamar aos mercenários americanos “civis” ou “contratantes civis” e aos civis Iraquianos “guerrilheiros” ou “rebeldes”.
Descrevendo o recente ataque a Najaf, o New York Times, alegremente, encontrou o termo “milícias”. Tem a vantagem de ser meio vago (ninguém sabe bem qual é o aspecto de um miliciano ou o que é que eles fazem), ao mesmo tempo fá-los parecer aquele tipo de estrangeiros que qualquer governo responsável deve executar no local.
Contudo o problema semântico do Iraque ainda vai mais fundo.
Por exemplo, há “a entrega do poder” que deverá vir a ter lugar a 30 de Junho. Como nenhum poder real vai ser entregue, os tipos da coligação tiveram que encontrar uma expressão menos conclusiva. Falam agora da entrega de “soberania”, que é uma noção convenientemente elástica. Alem disso entregar uma “noção” é muito mais fácil do que entregar alguma coisa concreta.
Ainda por outro lado os americanos insistem em que levaram a cabo “negociações” com os mojahedin em Falluja. Estas “negociações” consistiram nos americanos exigirem dos mojahediin a entrega de todos os seus lança granadas em troca do que o exército americano não rebentaria com a cidade. Há o perigo que isto pareça mais uma “ameaça unilateral” do que uma “negociação” – que geralmente implica algumas cedências de ambas as partes.
Quanto à palavra “cessar fogo”, já se torna difícil perceber o que significa. De acordo com testemunhos credíveis de Falluja, o actual conceito americano permite significativas concessões ao lançamento de bombas “cluster” e “flares”, e ao uso de artilharia e “snipers”.
Mas talvez o desenvolvimento linguístico mais interessante se encontre fora das áreas de conflito – na calma Sala Oval, onde muito poucas pessoas são mortas por espreitarem da janela. Aqui palavras como “estratégia” e “política” são diariamente utilizadas para a automática reacção de políticos e comandante militares que pensam que a força bruta é o único meio de resolver questões difíceis numa situação delicada. Como diz o Major Kevin Collins, um dos oficiais responsáveis pelos “marines” em Falluja, “Se decidirem começar uma luta, nós terminamo-la.”
No passado talvez utilizássemos uma frase como “rematada estupidez” em vez de “estratégia”. Mas as línguas têm uma vida própria ... o que já não podemos dizer de uma série de iraquianos inocentes.
Terry Jones, escritor, realizador de cinema e Python
Tradução: Nuno Jordão
2004-05-01
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