2004-01-08

Ouvi hoje

Pela milésima quatrocentésima trigésima sétima vez: “a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros” e, pela milésima quatrocentésima trigésima sétima vez, perguntei a mim próprio: o que será que querem dizer com isto ?.
O contexto em que a ouço, na maioria das vezes, aponta para o cerceamento das mesmas liberdades, nos outros, é claro. Leva ao seguinte raciocínio: a liberdade de todos termina onde começa a minha, gerando justificação para uma prepotência pseudodemocrática.
Quase nunca se lê assim: a minha liberdade termina onde começa a de todos os outros, felizmente, porque gera uma autoanulação insuportável.
Vejamos um exemplo:
Imaginemos que seguem dois carros por uma via única: o da frente segue lentamente travando necessariamente o de trás, que quereria ir mais depressa.
Apliquemos a velha fórmula a esta situação:
A liberdade de ir devagar, que é reconhecida ao da frente, termina onde começa a liberdade do de trás que quer ir mais depressa, logo este deve acelerar.
A liberdade do de trás, de ir mais depressa, termina onde começa a liberdade do da frente de ir mais devagar, logo este deve sujeitar-se ao andamento lento.
Em resumo, a velha fórmula, ainda que aparentemente bonita, não resolve nenhum problema e é absolutamente inútil. Espanta-me como é tão repetida e tão consensualmente aceite.

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