2006-05-20

Entre-os-rios

Penso que quase todos sabem do que estou a falar.
Uma camioneta cheia de gente feliz, regressando de uma jornada organizada para ver amendoeiras em flor, jornada feliz de convívio, boa comida, descontracção, daqueles poucos momentos em que se podem esquecer os problemas da vida, passa na ponte Hintze Ribeiro em Entre-o-rios e a ponte cai, com ela, a camioneta e os passageiros que morrem inglória e desesperadamente afogados no Douro. Uma tragédia !.
Um Ministro, sensato, que provavelmente nem sabia bem de que ponte se tratava, adivinhando bem o que daí viria, pede imediatamente a sua demissão, assumindo a responsabilidade política e livrando-se imediatamente do problema.
Os média, e o pensamento único, encarniçam-se para punir os culpados:
“A culpa não pode morrer solteira !” era o que mais se ouvia e ainda se ouve.
Curiosamente, há centenas de anos, quando a civilização era mais simples e facilmente se podiam imputar responsabilidades, a opinião pública era sensível a influências estranhas, podia haver culpa dos deuses, do tempo, dos pecados do mundo, enfim haver a culpa de qualquer transcendência. mas agora, neste mundo global em que todos estamos alienados, sen nenhuma consciência do nosso papel no exército da produção, tempo em que todos nos limitamos a apertar um parafuso desta grande máquina e nem sabemos muito bem que parafuso é, tempo em que, por natureza, todas as responsabilidades estão diluídas, não toleramos nunca culpar as forças do sistema, tem que haver sempre um responsável humano: “a culpa não pode morrer solteira !”.
Eu estou a ver os técnicos que suspeitavam de que algo estava mal mas não os deixaram visitar o local, porque havia outras prioridades ou faltava verba para ajudas de custo e outros que o visitaram, e viram o que se passava e escreveram o que viram mas a quem ninguém ligou nenhuma, eram uns chatos com a mania do perfeccionismo, e outros ainda que também viram tudo, mas se limitaram a falar do assunto ao café porque sabiam já que a sua voz nunca seria ouvida.
E os vários chefes, na cadeia hierárquica, tentando conter o ímpeto despesista e alarmista dos técnicos, já que pilares corrompidos é o que para aí não faltará, a questão é apenas a de saber se a ponte vai cair e isso ninguém sabia ao certo, “com sorte ainda vai durar muitos anos” e duraria não fossem as maiores cheias do Douro dos últimos 300 anos que por azar vieram naquele preciso ano.
E é isto que os senhores juizes têm constatado ao aprofundar o assunto, embora o pensamento único, não aceite: “a culpa não pode morrer solteira”, e certamente alguém irá pagar, provavelmente o elo mais fraco do sistema, como sempre.
Pois eu, olhando para o mundo em que vivemos também estou a ver muitos pilares corrompidos e procuro ir alertando como posso.
Só espero não vira a pagar por isso quando o mundo ruir.
Aqui declaro que eu já avisei, a culpa não poderá ser-me imputada. Espero !

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