2006-01-10

O caso IBERDROLA

Lembra Jorge de Sena no prefácio à “A Condição Humana” de André Malraux, na edição “Livros do Brasil” que há quem diga que ninguém é o mesmo após a leitura deste livro.
Não sei se isto é inteiramente verdade, suspeito que não, ao ver algumas críticas e reflexões sobre este livro, que já tive oportunidade de ler e onde não vejo traduzida aquilo que é para mim a sua mensagem essencial.
Para mim e para outras pessoas que conheço foi, todavia, inteiramente verdade.
E é à luz de “A condição Humana” que vejo com enorme clareza através do nevoeiro lançado sobre o caso IBERDROLA.
Em primeiro lugar sei que não existe qualquer entidade mítica, como o Estado o Governo reflectindo sobre uma estratégia energética para Portugal, existem apenas actores particulares com os seus interesses ou a sua indiferença e as reflexões que parecem contraditórias são simultaneamente as forças e a resultante destas forças neste jogo.
Uma peça importantíssima neste caso é indiscutivelmente Pina Moura. Foi Ministro, embrenhou-se laboriosamente neste sector, fruto de um qualquer acaso ou de uma opção pessoal e criou condições para cimentar a sua vida neste sector, conseguindo mesmo chegar a Presidente da IBERDROLA-Portugal. Todas as suas posições, públicas, semi-públicas e privadas se orientam para um objectivo: manter e reforçar a sua posição na IBEROLA o que naturalmente passa pelo reforço da mesma IBERDROLA em Portugal.
Talone, tem uma estratégia semelhante perante a EDP, reforçando a sua já boa imagem de gestor de acordo com os padrões habituais, garantindo a sua presença ou a sua transferencia para outra empresa de igual importância para si .
As duas estratégias entram em conflito, mas aqui, Pina Moura é mais forte, para além das armas empresariais, que Talone domina melhor, tem as armas política/partidárias, com acesso credível às mais altas instâncias nacionais e mesmo algumas internacionais e o lobbing, os telefonemas os almoços e jantares de trabalho devem ter sido mais do que muitos.
Ganhou, conseguiu remover Talone. e colocar alguém da sua confiança e fez isto apresentando-se ou aparentando não ter nada a ver com o assunto, ele é apenas o Presidente da IBERDROLA-Portugal, não demite nem nomeia gestores públicos para empresas.
O Ministro, como quase todos os Ministros, foi apenas um pião neste jogo, mostrou-se dinâmico, actuante num sector vital, tomando medidas, mas no seu discurso não sabe explicar como isto é bom para o país, limita-se a dizer que é assim em muitas empresas, agentes da concorrência metidos uns na casa dos outros, porque não também na EDP ?
Assim se condiciona o futuro energético de Portugal e por estas simples decisões podemos vir a ser qualquer dia afectados.
Como, ainda não sabemos, ninguém se preocupou muito com isso, há apenas o sentimento difuso de que é um sector estratégico e que devia ser tocado com muito cuidado.
Se calhar até é importante mas não se preocupem, isto não é nada de novo, é sempre assim que se tomam as grandes decisões e nós temos sobrevivido até aqui, é assim “a condição humana”.

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