2009-02-20

Falemos de café

Como português o café é fundamental para mim.
Como Agrónomo, fitiatra, o meu primeiro emprego foi no Instituto do Café de Angola (então ainda colónia), estudando métodos de combate a uma praga do cafeeiro: a broca do fruto.
Aprendi aí alguma coisa sobre esta bebida: história, lendas, mitos, verdades científicas, e, fundamentalmente, aprendi várias formas de a consumir.
Aprendi as diferenças entre as duas espécies dominantes, o café “arábica” e o “robusta”, desde a planta até à chávena, as diferenças entre elas e algumas implicações dos loteamentos e da forma das múltiplas transformações até ao produto final, o café bebível.
Como português, porém, a minha predilecção recai na “bica”, o café dominante em Portugal e quase único no mundo, embora comecem a aparecer vagamente aproximações com o nome genérico de “expresso”.
Mas a bica, a verdadeira bica é uma ciência e, como questionava um atónito estrangeiro “como é que numa chávena tão pequena os portugueses ainda estabelecem diferenças quanto à forma de a encher?” De facto há quem a queira pouco cheia, a “italiana”, a meio, “o curto”, a dois terços, “o normal” ou totalmente cheia, “a bica cheia”, e há ainda uma bica normal em chávena maior, “o abatanado” e refilam e trocam o pedido se este não respeitar estes detalhes. Depois há ainda outras variantes, como a bica com um pingo de leite, “o pingado”, com mais leite, “o garoto” ou com um pouco de água, “o carioca”.
Quanto ao café em si, uma boa bica tem que ter uma cobertura de creme espesso, castanha e sem bolhas, a bica ideal tem que passar o que eu chamo “o teste do açúcar” ou seja o açúcar adicionado deve permanecer cerca de um segundo incólume sobre a cobertura antes de mergulhar na chávena mas, ao mexê-lo, deve-se ver a cor preta do café começando a dominar a espuma superior e, depois de um primeiro gole, a espuma só é tolerada como uma leve coroa junto à borda da chávena.
É neste comportamento que se diferencia a bica de um vulgar expresso.
O “nespresso”, por exemplo, que tenho andado a estudar, passa sempre o teste do açúcar, mas não se liberta da espuma. Em grande parte dos 16 tipos de café da “nespesso” a cor preta do café nem se chega a ver. Assim não vale, assim não é uma bica.
Um Professor americano com quem convivi uns dias em Portugal, ficou impressionadíssimo com a nossa bica e fez uma análise apressada, interpretou que isso se devia ao café ser muito forte. Quando por sua vez recebeu um grupo de portugueses, entre os quais eu, nos EUA, deu instruções na Universidade para que o café que nos servissem fosse incrivelmente forte, quase intragável, e confidenciou-me “Eu mandei fazer assim forte para imitar o vosso café, mas na verdade não me diga que assim é melhor” “não é melhor não” respondi-lhe eu, “é que a diferença não está na quantidade de café”, mas depressa desisti de lhe tentar explicar o que era uma bica.
Mas o café não é apenas a bica, nem só nesta forma nos pode dar um prazer intenso.
Na Polónia, nas áreas de apoio das auto-estradas, em 2003, pelo menos, só serviam o café turco, em copo grande.
Com um frio de rachar lá fora, era para mim um intenso prazer segurar no copo durante vários minutos, esperando que o pó sedimentasse, aquecendo confortavelmente as mãos e divagando sobre o meu quotidiano, depois ingeria o café bem quente e saboroso. Era uma maravilha reconfortante.
O café turco, naquele contexto, quase conseguia superar a “bica”.

4 comentários:

Fábio disse...

Muito bom post! e reforço ainda mais a ideia de que para ser bica, tal como foi descrita, não pode sre de qualquer marca, pois as semelhanças são enormes quando se bebe, por exemplo, uma bica da marca nicola e uma da marca delta, pois esta ultima sem dúvida possui todas essas caractrísticas essenciais no que toca a uma "bica bem tirada". Já do nicola não sei se posso dizer o mesmo...

Anónimo disse...

Falta a bica com cheirinho.

A questão das marcas para mim não é significativa, é mais de máquinas. Estou a caminho da bica, a moição estava muito fina.
Beijinhos
Adriano

Anónimo disse...

Esqueceu-se da bica com um cheirinho..., eu prefiro duas a três colheres de café de cognac.

Quanto ao café, o do comendador, sem dúvida.

Nuno Jordão disse...

Têm toda a razão esqueci-me do cheirinho, que é fundamental e ainda de outro pormenor, a chávena escaldada ou não.
Certamente ainda haverá mais porque a bica é uma ciência.