Na minha recente visita à Irlanda tive oportunidade de visitar um interessante projecto, em fase de implementação, que visa a transformação de lixos de restaurantes e de matadouros em composto para a agricultura.
O promotor do projecto luta ainda afincadamente, com o apoio de vários cientistas, pela eliminação dos plásticos que lhe estragam o composto.
De momento é produzido um composto lindíssimo, de óptima estrutura, mas de onde saiem farripas de plástico que insistem em não se renderem à intensa actividade bacteriana.
O Promotor do projecto é porém um lutador e não duvida da sua vitória que antevê já alcançar através de um grande cone rotativo onde sopra um vento violento que há-de expulsar os malditos plásticos.
Nas suas palavras transparece o sonho, “eu sei que sou capaz” e prosseguindo no seu ideal diz-nos assim: “Para isto ficar perfeito eu tenho que conseguir despojos de estômago de bovino, isso sim, isso é um lixo limpo”.
Pat Boyle, que me acompanhava, como talvez alguns leitores deste blogue, ficou siderado por esta expressão: na sua imaginação via uma massa viscosa e nojenta que este homem se atrevia a classificar de lixo limpo.
Para mim, todavia, que por formação e gosto tenho uma visão mais telúrica do mundo, o conceito era perfeitamente perceptível: lixo exclusivamente orgânico, já meio transformado por diversos enzimas, e que integralmente se aliaria aos outros componentes orgânico e se transformaria perfeitamente em composto pela actividade bacteriana, e que, depois de incorporado na terra, geraria de novo vida é certamente um lixo limpo. Nojento, para mim, naquele contexto, eram de facto as malditas farripas de plástico.
Mas já no carro longe da fábrica, Pat Boyle repetia-me a “loucura” do homem: “lixo limpo ? despojos de estômago ? valha-nos Deus !”
Felizmente não vomitou a sua náusea, vómito que sujaria completamente o seu carro mas que não deixaria de ser “lixo limpo” para a fabrica de composto.
Uma coisa é certa, a semântica é fundamental também nas questões do lixo.
E foi isto que eu ouvi há dias num debate televisivo, na RTP2, sobre a questão candente da “co-incineração de resíduos perigosos”
Dizia um Professor que para evitar este clima de fobia colectiva, deveríamos ter feito como outros países, noutras línguas fizeram, chamar-lhe simplesmente “eliminação térmica de resíduos especiais”
Não tenho dúvida de que o Professor tem toda a razão.
Na imaginação popular “resíduos perigosos” tem de ser qualquer coisa de terrível que só de olhar nos deve matar, e a co-incineração (nem sequer é uma incineração como deve ser) se é que faz alguma coisa, será quanto muito separar o “peri” dos “gosos” que nós haveremos de respirar para morrer mais devagar.
Entretanto, segundo aprendi também recentemente numa reportagem radiofónica, os resíduos perigosos, ou especiais ou o que queiram, continuam a ser enterrados em Vale de Milhaços, num aterro sanitário onde só pastam cabras e ovelhas, felizes da vida.
2006-03-08
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