Eu encerrava o almoço tomando o meu café. Pedro, meu neto de ano e meio, depois de procurar o meu colo, que neguei para não me estragar aquele momento solene, fugiu resignado para a varanda onde a avó recolhia alguma roupa da corda da roupa, deitando as molas para um velho cesto no chão, que há anos, cumpre essa tarefa exemplarmente.
Pedro sentou-se no chão, e olhava para o cesto onde iam caindo molas, coloridas, ao som de um pequeno estalido, quando caíam e chocavam com as outras que já lá se encontravam.
Eu compreendo que para um aprendiz de “homo sapiens” de apenas ano e meio, aquilo seja um espectáculo digno de captar a atenção, até que a avó terminou a tarefa, reentrou em casa, ficando na varanda apenas Pedro e o cesto das molas, mas agora num estado que não lhe agradava, “inútil”, estático, desinteressante.
Pedro, no seu ano e meio, já tem uma noção da lei da gravidade, pegou no cesto, na ânsia de lhe dar actividade e inteligentemente virou-o ao contrário provocando uma chuva de molas coloridas. Então sorria e pronunciava “a-tá”, expressão do seu palrar que terá um significado indefinido mas próximo do reconhecimento de um dever cumprido com sucesso.
Mas foi um prazer breve, as molas estavam agora espalhadas pelo chão, ainda mais desinteressantes.
Começou então uma tarefa de permanente insatisfação: ia apanhando umas molas e metendo-as no cesto, mas logo olhava para o cesto e para o chão e se insatisfazia com o resultado, despejava então de novo apenas as duas ou três molas arrumadas sem obter o efeito desejado.
Fartou-se breve, levantou-se e saiu da varanda, com o ar de quem diz “quem vier atrás que feche a porta !”.
Atrás de si ficou o caos.
Eu, que assisti a tudo isto enquanto bebia o meu café, percebi então que Pedro se comportou tal qual como todos os “Governos da Nação”: Um ímpeto inicial de destruição, de mudança, uma insatisfação com o resultado produzido e uma eterna e inglória busca de soluções para ir corrigindo o mal produzido.
Só que Pedro tem ainda apenas “ano e meio” !
2006-03-12
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