2010-04-05

Um post que deveria ser de 3 de Abril

Passaram hoje 42 anos e 2 dias desde que martin Luther King proferiu em Menfis, Tennessee uma notável peça de retórica que ficou para sempre conhecida pelo nome de “Last Speech”.
Notável porque é um texto magnífico em todos os seus aspectos, de uma enorme elegância e beleza e formalmente irrepreensível.
Notável também porque é um texto profético, onde Martin Luther King Junior depois de percorrer os grandes marcos da sua notável carreira, anuncia o seu próximo fim que iria ocorrer, por assassinato, no dia seguinte, no fatídico dia 4 de Abril de 1968.
No vídeo abaixo fica a memória do último, profético, parágrafo do seu discurso.
Mais abaixo fica o texto total do último discurso, traduzido para português do original por mim.
È um texto longo mas de modo nenhum fastidioso, pelo que apelo a que seja lido na íntegra.





O último discurso

Muito obrigado, meus amigos. Enquanto ouvia Ralph Albernathy na sua eloquente e generosa introdução, pensei em mim e questionei-me, de quem estaria ele a falar?. É sempre bom ter o nosso melhor amigo e companheiro a dizer coisas boas a nosso respeito e Ralph é o maior amigo que eu podia ter neste mundo.

Estou encantado de ver cada um de vocês aqui, apesar de se aproximar tempo tempestuoso. Vocês mostram que estão dispostos a continuar aconteça o que acontecer. Alguma coisa se passa em Memfis, alguma coisa se passa no nosso mundo.

Como sabem, se eu estivesse no princípio dos tempos, com a possibilidade de ter uma vista panorâmica sobre toda a história humana até este momento e o Todo Poderoso me dissesse “Martin Luther King, em que época gostavas de viver?” Eu faria o meu voo mental através do Egipto ou antes através do Mar Vermelho, pelos campos, até à terra prometida. Mas apesar da sua magnificência não me quedaria aí. Ter-me-ia movido pela Grécia e levaria a minha mente ao Monte Olimpo. E veria Platão, Aristóteles, Sócrates, Eurípedes e Aristófanes reunidos em volta do Partenon discutindo as grandes e eternas questões da realidade.

Mas não me quedaria aí, continuaria mesmo até aos dias gloriosos do Império Romano E assistiria aos acontecimentos que ocorreram por ali por vários imperadores e Chefes mas não me quedaria aí. Chegaria mesmo ao dia do Renascimento e teria uma imagem de tudo o que o renascimento fez pela vida cultural e estética do homem. Mas não me quedaria aí. Chegaria próximo do homem que inspirou o meu nome e do seu habitat. E veria Martinho Lutero a pregar as suas noventa e cinco teses na porta da Igreja de Wittenberg.

Mas não me quedaria aí. Eu chegaria mesmo até ao ano de 1863 para ver um Presidente vacilante, de nome Abraão Lincoln finalmente chegar à conclusão que tinha de assinar a Proclamação de Emancipação. Mas não me quedaria aí. Chegaria mesmo aos primeiros anos 30 para ver um homem enfrentar os problemas da bancarrota no seu país e proferir com um grito eloquente que não temos nada a temer a não ser o próprio medo.

Mas não me quedaria aí. Embora estranhamente voltar-me-ia para o Todo Poderoso e diria “Se me deixar viver apenas alguns anos na segunda metade do século XX, ficaria satisfeito” Embora seja um estranho pedido, dado que o mundo está totalmente baralhado, a Nação está doente, os problemas estão entranhados na terra. A confusão está em todo o lado. É um estranho pedido. Mas de qualquer modo eu sei que é apenas quando está suficientemente escuro é que se vêm as estrelas. E vejo Deus trabalhando neste período do século XX, duma maneira em que o Homem, de forma estranha, está respondendo – Alguma coisa se está passando no nosso mundo, as massas humanas estão a levantar-se. E seja onde for que se reunam hoje, seja em Joanesburgo, Àfrica do Sul, Nairobi, Quénia, Acra, Gana, Nova Iorque, Atlanta, Geórgia, Jacson, Mississipi ou Mênfis, Tennessee—o grito é sempre o mesmo “Queremos ser livres”.

E outra razão porque eu gosto de viver nesta época é porque fomos forçados até um ponto onde teremos que nos confrontar com os problemas com que os homens se têm tentado confrontar ao longo da história, mas as exigências não o forçaram a isso, a sobrevivência exigiu que nos confrontássemos, o Homem já há anos que fala de guerra e paz. Mas agora já não pode apenas falar disso, já não há no mundo, uma escolha entre a violência e a não-violência, agora é não-violência ou não-existência.
E é aqui que estamos hoje e na revolução dos direitos humanos, se alguma coisa não é feita e já, que leve as pessoas de cor, no mundo a sair dos longos anos de pobreza, dos longos anos de sofrimento e desprezo, todo o mundo estará condenado. Agora estou apenas feliz porque Deus me concedeu viver nesta época e ver o que se está a passar e estou feliz por Ele me ter permitido estar em Mênfis.

Consigo lembrar-me, consigo lembrar-me de quando os negros apenas andavam por aí, como Ralph disse, muitas vezes, coçando onde não tinham comichão, e rindo-se quando não lhes faziam cócegas. Mas esse dia acabou, agora é a sério, e estamos determinados a ganhar o nosso legítimo lugar no mundo do Senhor.

E é apenas disto que isto se trata, não estamos envolvidos em protestos negativos, nem temos argumentos negativos com ninguém. O que dizemos é que estamos determinados a ser homens, estamos determinados a ser povo, Estamos a dizer que somos filhos de Deus, e que não temos de viver como nos têm forçado a viver.

Agora, o que é que isto tudo significa neste grande período da história? Significa que temos que estar juntos, temos de estar juntos e de nos mantermos unidos. Sabem que quando o Faraó quis prolongar o tempo de escravidão no Egipto, tinha uma fórmula favorita para fazer isto. Qual era? Mantinha os escravos a lutar entre eles, mas sempre que os escravos se uniam acontecia qualquer coisa na corte do Faraó e ele não conseguia manter os escravos na escravidão, quando os escravos se unem é o princípio da saída da escravidão, Vamos nós manter a união agora.

Em segundo lugar, vamos deixar a questão onde ela está, a questão é a justiça, A questão é a recusa de Mênfis de ser correcta e honesta ao lidar com os seus funcionários públicos que por acaso são funcionários de limpeza. Agora temos que voltar a nossa atenção para aí. Há sempre problemas com o uso de uma pequena violência. Sabem o que se passou no outro dia, mas a imprensa só ligou à quebra de vidros. Eu li os artigos. Eles raramente chegam a mencionar o facto de que mil e trezentos empregados de limpeza estão em greve, e que Mênfis não está a tratá-los correctamente e que o Presidente da Câmara Loeb, precisa desesperadamente de um médico, Eles não chegaram a mencionar isso.

Agora vamos marchar outra vez e precisamos de marchar outra vez, para pôr o assunto onde ele deve estar. E forçar toda a gente a ver que há mil e trezentos filhos de Deus aqui a sofrer, às vezes com fome, passando noites escuras e ameaçadoras, esperando ver como tudo se vai resolver. É esta a questão. E nós temos de dizer à nação: Nós sabemos que se vai resolver, porque quando as pessoas são apanhadas com aquilo que é a razão e estão dispostas a sacrificar-se por ela, não há nenhum ponto de paragem tão perto da vitória.

Não vamos deixar que nenhum bastão nos faça parar. No nosso movimento de não-violência, somos mestres em desarmar forças policiais; eles não sabem o que fazer, já o vi muitas vezes. Lembro-me em Birmingham, Alabama, quando estivemos naquela majestosa luta lá, e saíamos da igreja Baptista da 16ª rua, dia após dia; saíamos às centenas. E Bull Connors mandava soltar os cães e vinham os cães, mas nós enfrentávamos os cães cantando “Não vou deixar que ninguém nos faça voltar para trás”. Bull Connors então mandava ligar as mangueiras de bombeiros. Mas como eu disse no outro dia Bull Connors não sabia nada de história. Sabia uma espécie de física que não se relacionava com a transfísica que nós sabíamos e era o facto de que há certo tipo de fogo que não se apaga com água e nós enfrentamos as mangueiras, nós conhecíamos a água, se fossemos Baptistas ou qualquer outra denominação teríamos ficado imersos, se fossemos Metodistas ou alguns outros, ficaríamos molhados mas nós conhecíamos a água.

A água não nos deteve, e prosseguimos em frente dos cães e olhámos para eles, prosseguimos em frente das mangueiras e olhamos para elas e continuamos a cantar “Sobre a minha cabeça eu vejo a liberdade no ar” e depois metiam-nos em carros celulares e por vezes éramos amontoados como sardinhas em lata e eles atiravam-nos lá para dentro, depois o velho Bull diziam tirem-nos para fora e assim faziam. E nós nos carros cantávamos “we shall overcame” e, de vez em quando metiam-nos na prisão, e víamos os carcereiros a espreitar pelas janelas a comoverem-se com as nossas preces e as nossas palavras e o nosso canto. E aí havia uma força a que Bull Connors não se sabia ajustar, e então acabamos por transformar o Touro (Bull) num vitelo. E vencemos a nossa luta em Birmingham.

Agora temos que avançar para Mênfis da mesma maneira, eu apelo a que estejais connosco Segunda-Feira. Agora acerca de providências cautelares, nós temos uma providência cautelar e vamos a tribunal amanhã de manhã para combater esta providência inconstitucional. O que vamos dizer à América é apenas isto “mantém-te fiel ao que escreveste” Se eu vivesse na China ou até na Rússia, ou qualquer país totalitário, talvez eu compreendesse a negação de certos privilégios básicos da 1ª Emenda, porque eles ali não se comprometeram a tal. Mas eu li algures sobre o direito de reunião, eu li algures sobre a liberdade de expressão e li algures sobre a liberdade de imprensa, li algures que a grandeza da América provem do direito de protestar pelo que é direito. Portanto, tal como eu digo, nenhuma providência vai alterar o nosso rumo. Nós vamos continuar.

Precisamos de todos vocês, e sabem o que é belo para mim, é ver todos os Ministros do Evangelho, é um retrato maravilhoso. Quem será capaz de interpretar os desejos e aspirações do povo melhor do que o “pastor”? “Pastor que deve ser um Amos e dizer: “Deixem a justiça fluir como a água e a rectidão como um rio caudaloso”. Que deve dizer como Jesus “O espírito do senhor está sobre mim, porque me ungiu para lidar com os problemas da pobreza”.

E eu quero recomendar os “Pastores”, sob a liderança desse nobre homem: “James Lawson, um dos que tem vivido nesta luta desde há longos anos, que esteve preso por lutar, mas que ainda continua lutando pelos direitos do seu povo. Reverendos Ralph Jackson, Billy Kiles; eu poderia continuar lendo esta lista de nomes mas o tempo não o permite. Mas quero agradecer-lhes a todos e quero que vocês lhes agradeçam porque muitas vezes os “Ministros de Deus” não se importam com nada senão consigo mesmo. E eu fico sempre feliz de encontrar um “Ministério” relevante.

Está bem que se fale de “longas vestes brancas à distância”, com todo o seu simbolismo. Mas ultimamente as pessoas querem fatos e vestidos e sapatos para usar agora e aqui. Está bem que se fale sobre “ruas onde escorre o leite e o mel”. Mas Deus ordenou-nos que nos preocupássemos com os tugúrios aqui e com os seus filhos que não conseguem comer 3 simples refeições por dia. Está bem que se fale da Nova Jerusalém mas um dia, os pregadores de Deus, terão de falar da Nova York, da nova Atlanta, da nova Filadélfia, da nova Los Angeles, da nova Mêmfis, Tennesse. É isto que temos de fazer.

Agora, a outra coisa que temos de fazer, é isto: Apõem sempre a nossa acção directa externa na nossa marginalidade económica. Agora, somos gente pobre, individualmente, somos pobres quando comparados com a sociedade da América. Somos pobres. Nunca parem e esqueçam que colectivamente, quer dizer todos nós juntos, colectivamente, somos mais ricos que todas as nações do mundo, com a excepção de 9. Já tinham pensado nisto? Tirando os estados Unidos, a Rússia Soviética, o Reino Unido, A Alemanha Ocidental, a França e poderia nomear os restantes, o Negro colectivamente é mais rico do que a maioria das nações do mundo, temos um pouco habitual rendimento de mais de 30 biliões de dólares por ano, o que é mais do que todas as exportações dos Estados Unidos e mais que o orçamento anual do Canada. Sabiam disto? Esse poder está aí se soubermos como o pôr a render.

Não temos que discutir com ninguém, não temos que rogar pragas e sermos malcriados com as nossas palavras. Não precisamos de nenhuns tijolos nem de garrafas, não precisamos de “cock-tails” Molotov, só precisamos de ir a estes armazéns e a estas indústrias de massas do nosso país e dizer: “Deus mandou-nos aqui para vos dizer que vocês não estão a tratar os seus filhos correctamente e viemos aqui para vos pedir que ponham isto no topo da vossa agenda – tratamento justo para com os filhos de Deus. Se todavia não estiverem dispostos a fazer isto temos uma agenda a cumprir. E a nossa agenda passará por retirar-vos todo o apoio económico”.

Como resultado disto pedimos a vocês agora que vão e digam aos vossos vizinhos que não comprem mais Coca-Cola em Mênfis, vão e digam-lhes para não comprarem leite “sealtest”, digam-lhes para não comprarem, Como se chama o tal pão? “wonder Bread” e qual é o pão da outra empresa Jesse? Digam-lhes para não comprarem “Heart Bread”. Como o Jesse Jackson nos disse, até agora só os homens do lixo sofreram; agora temos que distribuir o sofrimento. Escolhemos estas empresas porque não se têm portado bem nas suas políticas de emprego e escolhemo-las porque elas podem começar a dizer que vão atender as necessidades e direitos destes homens em greve e depois podem ir lá abaixo e dizer ao “Mayor” Loeb para fazer o que deve.

Mas não apenas isso, temos que fortalecer as instituições dos negros. Peço-vos que tirem o vosso dinheiro dos bancos por aí e ponham-no no “Tri-State Bank – nós queremos um movimento de concentração de poupanças em Mênfis, então passem pelas associações de poupança e crédito. Não vos estou a pedir nada que nós não façamos também na SCLC. O Juiz Hooks e outros podem-vos dizer que nós temos uma conta aqui na Associação de Poupança e Crédito da “Southern Christian Leadership Conference”. Estamos a dizer-vos que façam como nós. Ponham o vosso dinheiro aí.
Temos 5 ou 6 Companhias de Seguros de negros em Mênfis. Levem os vossos seguros para lá, Nós queremos ter uma concentração de seguros.

Agora há algumas coisas que podemos fazer. Iniciamos o processo de construir uma maior base económica. E, ao mesmo tempo, pressionamos onde realmente magoa. Peço-vos que sigais por aqui.

Agora que me aproximo da minha conclusão deixem-me dizer-vos que nos temos de dedicar a esta luta até ao fim. Nada seria mais trágico do que parar agora, em Mênfis. Temos de prosseguir. E quando fizermos a nossa marcha temos que lá estar. Preocupados com o nosso irmão. Podem não estar de greve. Mas ou vamos todos juntos ou cairemos todos juntos.

Temos que desenvolver uma espécie de generosidade perigosa. Um dia um homem veio até Jesus, e queria colocar algumas questões sobre coisas essenciais da vida. Nalguns momentos ele queria atrapalhar Jesus, mostrar-lhe que sabia um pouco mais do que ele e assim subjugá-lo. Essa questão podia facilmente acabar num debate filosófico e Teológico. Mas Jesus apanhou essa questão no ar e colocou-a numa curva perigosa entre Jerusalém e Jericó. E falou de um certo homem assaltado por ladrões. Lembram-se que um Levita e um Padre passaram ao lado. Não pararam para ajudar o homem. Finalmente um homem de outra raça apareceu, apeou do seu cavalo e decidiu não ter compaixão por procuração. Mas directamente deu-lhe os primeiros socorros e ajudou o homem naquela necessidade. Jesus acabou por dizer que este era o homem bom, porque teve capacidade de projectar o “Eu” no “Tu” e de se preocupar com o seu irmão. Agora, como sabem, usamos muito a imaginação para determinar a razão porque o Padre e o Levita não pararam. Por vezes dizemos que estavam ocupados a ir para uma reunião na Igreja - uma reunião eclesiástica – e deviam seguir para Jerusalém para não chegarem atrasados a essa reunião. Outras vezes especulamos que haveria uma lei religiosa que determinava “Quem está envolvido numa cerimónia religiosa não deve tocar num outro corpo humano 24 h antes da cerimónia”. E às vezes pensamos que talvez eles não fossem para Jerusalém ou para Jericó mas antes para organizar uma “Associação de melhoramentos da estrada de Jericó”. É uma possibilidade. Talvez pensassem que era melhor lidar com as causas do problema em vez de se envolverem numa questão individual.

Mas vou dizer-vos o que a minha imaginação me dita. È possível que esses homens tivessem medo, estão a ver, a estrada de Jericó é uma estrada perigosa. Lembro-me quando a minha mulher e eu estivemos pela primeira vez em Jerusalém. Alugamos um carro e fomos de Jerusalém a Jericó, e no momento em que estávamos nessa estrada eu disse à minha mulher “estou a ver porque é que Jesus escolheu esta estrada para palco da sua parábola” é uma estrada serpenteante, cheia de curvas mesmo apropriada para emboscadas. Começa em Jerusalém que é cerca de 1200 milhas ou antes 1200 pés sobre o nível do mar e quando se chega a Jericó, após 15 ou 20 minutos estamos a 2200 pés acima do nível do mar. è uma estrada perigosa. Nos tempos de Jesus chamavam-lhe o “caminho sangrento” E, como vêm é possível que o Padre e o Levita olhassem para aquele homem no chão e pensassem que talvez os ladrões ainda andassem por aí. Ou talvez pensassem que o homem no chão estivesse a fingir. Como se tivesse sido assaltado e ferido, para os atrair para os manter ali e apanhá-los rápida e facilmente na sua armadilha. Portanto a primeira pergunta do Levita foi “Se eu paro para ajudar este homem o que me irá acontecer?”. Mas então veio o Bom Samaritano e inverteu a pergunta: “Se eu não paro para ajudar este homem o que lhe irá acontecer?”.

Esta é a pergunta que enfrentamos hoje. Não é “Se eu parar para ajudar os funcionários da recolha do lixo o que vai ser das horas que eu normalmente passo, todas as semanas, no meu escritório em trabalho pastoral?” A resposta não é “ Se eu parar para ajudar este homem necessitado o que é que me irá acontecer?”. “Se eu não parar para ajudar os funcionários da recolha do lixo, o que é que lhes irá acontecer?”. Esta é que é a questão.

Vamo-nos erguer hoje com grande prontidão. Vamos permanecer com grande determinação. E vamo-nos mover nestes dias poderosos, nestes dias de desafio para tornar a América no que ela deve ser. Temos uma oportunidade para tornar a América uma nação melhor. E quero agradecer de novo a Deus por me deixar estar aqui convosco.

Sabem, há alguns anos, estava em Nova York autografando o meu primeiro livro. Enquanto estava sentado autografando livros, chegou uma mulher negra louca. A única pergunta que ouvi dela foi: “O Sr. é Martin Luther King?”.

Eu estava a olhar para baixo, escrevendo e respondi “sim”. No próximo minuto senti uma pancada no meu peito. Antes de me ter apercebido fui esfaqueado por esta mulher louca. Levaram-me a correr para o Hospital de Harlem. Era uma escura tarde de sábado. E aquela lâmina tinha-me trespassado, o raio X revelou que a ponta da lâmina ficou à beira da minha artéria aorta, a principal artéria, que uma vez perfurada, afogamo-nos no próprio sangue. È o nosso fim.

Saíu no New York Times, no dia seguinte, que se eu espirrasse morreria. Bom, quatro dias depois, permitiram-me, depois da operação, depois do meu peito ter sido aberto e a lâmina retirada, permitiram-me começar a circular em cadeira de rodas no hospital, permitiram-me que lesse algum do correio que tinha chegado para mim, de todos os Estados e do Mundo. Chegaram cartas amáveis, li umas poucas mas há uma de que nunca me esquecerei. Recebi cartas do Presidente e do Vice Presidente, já me esqueci do que diziam esses telegramas, recebi visita e uma carta do Governador do Estado de Nova York mas já me esqueci do que dizia essa carta. Mas havia outra carta de uma miúda, uma jovem menina, aluna da Escola de “White Planes”. Olhei para essa carta e nunca me esquecerei, dizia, simplesmente: “Caro Dr. King, sou uma aluna do nono ano da escola de White Planes” Dizia “Embora isso não tenha importância gostaria de lhe dizer que sou branca. Li no Jornal sobre a sua infelicidade e o seu sofrimento e li que se tivesse espirrado teria morrido. Escrevo-lhe apenas para lhe dizer que estou muito feliz por não ter espirrado.”

E eu quero dizer esta noite, quero dizer que estou feliz por não ter espirrado. Porque se tivesse espirrado, não andaria aqui em 1960 quando os estudantes do Estados do Sul começaram a sentar-se nas filas da caixa do almoço. E eu sabia que quando eles estavam sentados estavam de facto de pé para o melhor do sonho americano e levando toda a nação para as velhas fontes da democracia que tinha sido escavadas profundamente pelos pais fundadores na Declaração de Independência e na Constituição. Se eu tivesse espirrado não teia estado em 1962 quando os negros de Albany e Georgia decidiram endireitar as costas e quando os homens e as mulheres endireitam as costas podem ir a qualquer lado, porque ninguém poderá montar no vosso lombo se não estiverem curvados. Se eu tivesse espirrado não estaria aqui em 1963 quando os povo negro de Birmingham e do Alabama levantaram a consciência da nação e trouxeram à luz do dia a lei dos direitos civis. Se tivesse espirrado não teria tido a hipótese de, mais tarde nesse ano, em Agosto, tentar contar à América sobre um sonho que tinha tido. Se tivesse espirrado não teria estado em Selma, Alabama para ver o grande movimento que se passou lá. Se tivesse espirrado não teria estado em Menphis a ver a comunidade congregar-se em torno dos irmãos e irmãs que sofriam. Estou tão feliz de não ter espirrado.

E estavam a dizer-me, agora já não importa agora. Já não importa verdadeiramente o que acontecer agora. Deixei Atlanta esta manhã e quando levantámos no avião, havia 6 de nós., o piloto disse no altifalante “Lamentamos o atraso, mas temos o Dr. Martin Luther King no avião e para garantir que toda a bagagem fosse inspeccionada e para garantir que nada corra mal no avião tivemos que verificar tudo, com muito cuidado, e tivemos o avião guardado e protegido toda a noite”

Então cheguei a Menphis e alguns começaram a falar das ameaças que havia ou das ameaças que já não havia, do que me iria acontecer a partir de alguns irmãos brancos doentes.

Bom, não sei o que vai acontecer agora. Temos uns dias difíceis adiante. Mas isso já não tem importância para mim. Porque eu estive no topo da montanha. E já não quero saber. Como toda a gente, gostaria de ter uma vida longa. A longevidade tem a sua razão de ser. Mas não me preocupo com isso agora. Quero apenas a vontade de Deus e Ele já permitiu que eu chegasse ao topo da montanha. E olhei em volta. E vi a Terra prometida. Posso não chegar lá com vocês. Mas quero que saibam esta noite, que nós, como um povo, chegaremos à Terra prometida. E estou feliz, esta noite. Não estou preocupado com nada. Não tenho medo de homem nenhum. Os meus olhos já viram a glória da chegada do Senhor.


Martin Luther King Junior

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