2010-04-03

Elogio do tremoço

O tremoço, de seu nome oficial, “Lupinus Albus” tem o condão de saber conviver muito bem com a pobreza sem perder aquele ar nobre que lhe é próprio, a nobreza das grandes iguarias.
O seu valor de uso é quase infinitamente superior ao seu valor de mercado.
Depois, é bem português, encontra-se em todo o país e, ocasionalmente, nas ex-colónias portuguesas.
Vi-o muito em Angola, no tempo colonial, vi-o em Moçambique, já depois da sua independência, e nunca o vi no Brasil, embora me digam que é consumido no Sudoeste.
A verdade é que nunca o vi em mais lugar nenhum, nem em Espanha, aqui mesmo ao lado, nem por toda a Europa e América por onde andei. Na Ásia não sei ainda porque nunca lá fui.
Contaram-me que um famoso chefe internacional terá referido que o que mais apreciava em Portugal era este velho hábito de beber cerveja acompanhada de tremoços. Ele lá sabe.
Quanto a mim , lamento essas nações que não descobriram ainda o tremoço, costumo dizer que quando o tremoço estiver ao preço do caviar eu hei-de fazer umas poupanças para poder comer alguns gramas dele.
Todavia pode haver uma explicação para este desprezo.
Há muitos anos, quando trabalhava em Angola, um botânico belga que também lá trabalhava ficava horrorizado de nos ver comer tremoços com a cerveja e dizia-nos: “isso está cheio de alcalóides, não sei como vocês comem isso e sobrevivem”
Nós estavamo-nos marimbando para os alcalóides letais, nunca nos preocupámos e continuamos até hoje a comer tremoços, ora essa.
A verdade é que o belga tinha razão, o Sr. “Lupinus” nasce cheio de alcalóides, ele é a anigirina, a espartaína, a lupanina, a luteona e a wighteona e, qualquer um deles, é capaz de nos matar em pouco tempo, só que nós aprendemos a tirar todos esses venenos, com lavagens sucessivas e não sei mais o quê.
Em boa hora aprendemos a lidar com o tremoço, ficando assim a ser o único povo que tem o monopólio desse prazer.

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