A solidão de estar aqui, a língua estranha que me dificulta qualquer comunicação, o “broken English” que nos permite comunicar apenas na margem, a imunidade transitória à constante lavagem de cérebro a que estão sujeitos os meus compatriotas e, é claro, eu próprio, quando aí estou (embora esteja aqui sujeito a outra lavagem cerebral mas mais inofensiva, porque a deficiência na comunicação me defende muito), tudo isto faz-me ver melhor o mundo.
Hoje fui a Vinca.
Por vezes eu próprio me questiono porque queria visitar Vinca.
Pedja, o meu fiel motorista, estava atónito (ele sabe de Vinca há muito tempo mas nunca se deu ao trabalho de lá ir) e preocupado com esta visita, tinha passado o dia de ontem a contactar o telefone que o turismo fornecia sem nunca conseguir que ninguém o atendesse. Mandou-me um SMS alarmado.
“Vamos a Vinca, Pedja, e logo vemos, relax”. Respondi eu.
E fomos.
Quando chegámos próximo, pedimos informações ( a toponímia e as placas indicadoras na Sérvia são como em Portugal, uma seta, depois silêncio e mais adiante talvez outra seta que nos dá esperança se não falhámos já) o informador explicou tudo e ficou feliz de haver um visitante, sorriu para mim e esticou os polegares.
Finalmente chegámos, recebeu-nos um velho que só sabia um discurso decorado em Sérvio mas que depois chamou um jovem que falava inglês e nos acompanhou.
Vimos umas escavações cobertas de plásticos negros que ele levantou um pouco e um suposto museu que era uma sala com coisas recolhidas.
Com a intimidade que fomos adquirindo ainda nos mostrou um sala onde se amontoavam caixotes e caixotes de peças recolhidas: potes, estatuetas, instrumentos de trabalho, aguardando a devida exposição.
“Não há dinheiro para pôr isto decente” disse o rapaz.
Poderia, sem qualquer problema, ter trazido comigo um pote de barro com 10 000 anos ou uma estatueta de pedra.
Não o fiz e ainda não sei se bem ou mal.
Vinca está quase abandonada e como com as nossas gravuras de Foz Coa, o importante, para quem tem o poder, não é o testemunho que está ali, o importante é o dinheiro que gera ou que não gera.
Pedja, trouxe-me de volta intrigado com esta minha mania.
Disse-lhe: “Vinca é muito mais importante do que eles nos disseram, Pedja, por exemplo, reparou que não vimos uma única arma?”.
Os olhos dele iluminaram-se e respondeu-me: “De facto é verdade!”.
Nem ele nem eu, vimos que ao contrário do que é vulgar em ruínas neolíticas não havia ali casas apalaçadas na colina, mas apenas uma povoação equalitária onde as pessoas se diferenciavam apenas pela decoração e a arte.
2009-09-26
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2 comentários:
Realmente nota-se ainda a falta de apoios nessa área, o que pressupõe-se também o suposto atraso social relativamente a nós. Agora no que toca a Vinca, também a mim me tocou, pois eu que até tenho alguma curiosidade por história tentei pesquisar sobre essa antiga civilização e nessa "curta" pequisa pouco encontrei. Espero um dia também poder visitar algo assim tão antigo e que marcou um era na nossa existência, até lá espero que mais noticias e informações sobre esse antigo mundo sejam mais acessiveis na internet.
Caro Fábio
A história como a estudamos e a conhecemos é uma história de poder e de dominação.
Até hoje são os mais fortes, os mais espertos,os mais ricos, os mais tudo, que impôem a sua força, as suas idiosincrasias,as suas maneiras, este é o mundo como o conhecemos e conhecemos tão bem que pensamos que é o único possível, as utopias não existem, por definição.
Creta na época Minóica, sobretudo, e Vinca, e outros lugares do neolítico europeu mostram, mas só a quem tem olhos para ver, que uma sociedade baseada na cooperação e na parceria é possível, não só possível como real perdurou imensos anos, uma sociedade em que o esforço humano é dispendido em melhorar a sua vida e em iventar e criar e não como agora e sempre na história em que está voltado para dominar.
Quem tem olhos para ver pode encontrar ainda hoje, em tribos amazónicas, e na polinésia e sem lá onde, sociedade baseadas na parceria e na ajuda mútua, não gostamos delass porque não têm tecnologia como nós.
Para terminar, que já vou longe,só queria dizer é que Vinca tinha a tecnologia mais moderna na época.
Eu, por exemplo vi, em Vinca nos caixotes um fugão com os mesmos princípios de um fugão moderno, fogo por baixo e bicos por cima. Como não sei da matéria não sei se era vulgar na época mas suspeito que não.
Se fizesse a pergunta ninguém ali me sabia responder.
Nuno Jordão
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