Este excelente livro de Raul Brandão relata, dia a dia, a triste página da nossa história que correspondeu à primeira invasão francesa.
Aí se relata e fundamenta a vergonhosa atitude de colagem ao poder de facto, por parte da nobreza, que não acompanhou a corte na atabalhoada fuga para o Brasil.
Quando, por ordem de Junot, a bandeira nacional foi substituída pela francesa, o governo transitório, nomeado pelo Rei em fuga, participou na cerimónia, só o povo se enfureceu e respondeu com inúmeros motins.
Um notável nessa época era o Conde de Ega, conluiado com Espanha primeiro, enquanto valia o tratado secreto de Fontainebleau que partilhava Portugal e atribuía partes a nobres de Espanha, com os franceses depois, quando Napoleão rasgou esse tratado e pensou em ficar com todo o país no seu domínio.
É desta fase que transcrevo esta passagem exemplar de Raul Brandão:
Ega porém, escreve ainda para a província, para se formularem representações favoráveis a Junot. Isto explica-se por esta única palavra – dinheiro. sente-se, palpita ainda nos seus papéis essa suprema aflição. As letras são aos centos, aos maços; saltam de entre os documentos. São de judeus de Tanger, deste, daquele: não têm conta, não têm fim. Em toda a sua vida há esta ânsia, arranjar dinheiro. Recebeu-o decerto dos espanhóis, recebeu-o dos franceses. Para o obter não recua: a mulher é um meio – vende-a. Vende o Rei, o país, vende o pai, vendia, se pudesse o próprio diabo. Esta nota é dolorosa mas necessária: se o Ega se vende a troco de dinheiro, os outros vendem-se por comodidade. Só no povo – porque o frade é povo também – os franceses encontram resistência. É que os ricos são materialistas, e o pobre esse não hesita – que lhe vale a vida? – e salva-nos. O rico curva-se, roja-se para não perder o gozo e as honras; o pobre é de instinto espiritualista ferrenho. Estranho povo este: mais fundo, mais humilde, melhor. Um pouco de oiro enlameia-o. A massa obscura tem uma grandeza de espanto: logo que dela se destaca, o homem perverte-se.
2008-05-13
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