2007-08-07

A infantilização global

Eu já sabia isto, muitos pensadores o têm referido de diversas formas, mas permanecia discretamente oculto no meu cérebro.
Só na conjugação de circunstâncias específicas, certas parcelas difusas do conhecimento podem surgir à luz do dia com uma enorme clareza.
Piaget chamava a este fenómeno a equilibração do conhecimento acumulado, o momento em que aprendemos de facto uma coisa.
Eu vou contar-lhes o que se passou comigo:
Nestes dias de férias na praia, levámos connosco o nosso neto Pedro de 2 anos e meio e encetámos a delicada tarefa de lhe retirar o uso das fraldas.
Pedro, não obstante a sua tenra idade, como todas as crianças começa a desenvolver um sentido moral, tem já uma noção difusa mas efectiva do bem e do mal, há palavras chave que lhe impõem respeito: a palavra “perigoso”, por exemplo. Ele evita o perigoso, e para ele é perigoso tudo o que nós, pais e avós lhe dizemos que é perigoso de uma forma insistente e coerente. Também não gosta de ser apelidado de “porcalhão” é, para ele, claramente uma palavra insultuosa.
Foi manipulando este sentido moral que lhe fomos inculcando o comportamento que entendemos correcto:
- Não toques na tomada Pedro, é perigoso e podes morrer !
A ameaça da morte não parece convencê-lo mas o perigoso sim, e para nós tanto nos faz, a realidade é que ele evita mexer nos artigos eléctricos.
Mais tarde Pedro irá crescer, saber que nós não somos deuses e não temos o monopólio da sabedoria, que há coisas perigosas que se podem mexer, sim, em determinadas circunstâncias. Enfim, vai-se tornar adulto e fazer as suas próprias escolhas de acordo com a sua própria análise, conhecimentos, sentido do risco etc.

Ontem, na SIC, ouço qualquer coisa como isto: nenhuma praia fluvial do Douro está reconhecida por, não sei quem que deve fazer esse reconhecimento, não estão vigiadas e já morreram este ano 2 banhistas.
Eu, que sei o que é um rio, que já tomei banho em muitos e nunca senti falta da vigilância, que até já apanhei ultravioletas em períodos de enorme irradiação sem sequer saber quanto era, que já saí à rua em dias verdes laranjas e encarnados de calor, porque eles ainda não me diziam de que cor eram e consegui sobreviver a isso tudo, senti claramente que falavam comigo como eu falo com o Pedro, como se eu fosse uma criança sem o mínimo discernimento.
- Não vás a uma praia fluvial no Douro, Nuno, olha que é "perigoso" !
Depois entrevistaram veraneantes nessas praias e, felizmente, estavam todos felizes da vida e nada preocupados.
Preocupada só a “avózinha” jornalista.
É isto que os média procuram fazer: infantilizar-nos.
Assim poderemos ser todos manipulados tal como eu manipulo o meu neto.

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