2007-01-11

O referendo

Diz a ciência que as atitudes humanas se fundamentam nos sistemas de crenças e de valores de cada indivíduo.
Auto-analisando-me procuro aplicar estas noções à minha inequívoca opção pelo sim neste próximo referendo sobre a despenalização do aborto.
No meu sistema de valores, a vida humana está num altíssimo grau, não admito, seja a quem for o direito de matar ninguém, mas precisamente por que prezo a vida humana e a sua dignidade admito o suicídio e a eutanásia.
No meu sistema de valores Eu, qualquer Eu, vale ainda mais que a sua própria vida.
Por outro lado a sociedade ou qualquer grupo organizado nunca pode valer mais que qualquer Eu, membro individual dessa ou de outra sociedade ou desse ou de outro grupo organizado, daí não aceitar nunca a guerra ou a pena de morte, que constrange, oprime ou suprime um indivíduo.
As únicas excepções toleráveis inserem-se apenas em situações limites onde estes valores entrem em conflito, em situações de confronto em que nem todos possam sobreviver. Aí e apenas aí, admito que se possa tirar vidas para se salvar vidas.

Posto isto, no meu sistema de valores o aborto deveria ser aparentemente, para mim, inaceitável em qualquer situação, ou talvez apenas em situações em que surja conflito entre a vida da mãe e a vida do filho.
Todavia, como já disse, sou pelo sim no referendo e a razão é simples. Insere-se não no meu sistema de valores mas antes no meu sistema de crenças..
E a minha crença é que um feto não é um ser humano.
Por mais perfeito e morfologicamente idêntico a um ser humano que seja não pode ter ainda esse estatuto.
A própria natureza lho retira ao fazê-lo biologicamente dependente da mãe, como um órgão desta.
Não é ainda o seu sangue que circula. O seu coração já bate mas não sobreviveria sem o coração da mãe.
É apenas um ser humano potencial. Se a mãe morrer o feto morrerá também, salvo se tiver já as condições necessárias para nascer, ou seja, para se tornar biologicamente independente e então poderá tornar-se um ser humano.
Tornar-se um ser humano é um acto solene, e é o parto que o determina, é na desconexão do cordão umbilical, é no grito do primeiro choro, da primeira respiração que surge o Homem.
Ouvi Emídio Guerreiro dizer, nos seus 105 lúcidos anos de idade que apenas se nasce quando nasce a consciência, e morre-se de facto quando esta se perde ainda que persistam todos os sinais vitais.
O meu sistema de crenças começa estar cada vez mais próximo deste conceito.
De qualquer forma, repito, tudo isto se insere nos meus sistema de valores e crenças, não porei nunca em causa nem criticarei quem baseie a sua posição diferente noutro sistema de valores e crenças diferente do meu.
O que me custa a aceitar é apenas a incoerência, embora esta também seja própria do Homem.

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