2010-02-25

A arte de copiar

No pensamento único, como generalização homogeneizada do pensamento anglo-saxónico, o acto de copiar é encarado como praticamente um crime, um roubo, a obtenção desonesta de uma vantagem, à custa do esforço de um terceiro.
Até certo ponto, pode ser visto assim, de facto.
Todavia sem a cópia nunca haveria nenhum progresso na espécie humana:
As crianças, desde a mais tenra idade, aprendem precisamente copiando, imitando e a ciência só progride aos ombros uns dos outros, como dizia, salvo erro, Newton.
Nos meus tempos de jovem estudante copiar nos testes e exames era perseguido mas não moralmente reprovado.
Havia muita arte e engenho nas formas de copiar, de criar cábulas à prova de detecção e ao criá-las acabávamos por estudar um pouco, não sei se do mais importante mas, pelo menos, daquilo que pensávamos que iria sair e, como Deus é grande, geralmente saía.
Para os professores era também um estímulo e uma dificuldade, a missão ingrata de procurar detectar quem é que deveras sabia e quem é que trouxera o conhecimento consigo, no bolso das calças ou na aba do casaco.
E este processo vinha já de longe, lembro-me de o meu pai contar um episódio, certamente imaginado, da sua juventude onde perante duas provas exactamente iguais na justeza das respostas, o professor classificou uma delas altamente e anulou a outra.
Revoltado, o autor da prova anulada foi pedir explicações,
- Porque o senhor copiou tudo.
Justificou-se o professor.
- Copiei? Eu? Como é que o senhor sabe isso? Tanto quanto sei as provas estão quase iguais, quem lhe disse que não foi o meu colega que copiou por mim?
- É muito simples, na questão 3 o seu colega respondeu, “não sei” e na sua prova, na mesma questão, o que consta é “Também não”!
Passado anos fui eu próprio professor na Universidade de Évora e recordo-me do mal-estar que senti quando, em lugar da minha argúcia, foi um dos meus alunos que me denunciou um seu colega pelo crime de ter copiado.
A vontade que me deu foi a de louvar o infractor e punir o denunciante. Nos meus tempos de estudante, essa denúncia era impensável, só o mais reles e miserável dos alunos poderia ter o desplante de denunciar um colega.
Foi um dos momentos em que me apercebi como o mundo estava mudado.

2 comentários:

Eduardo Jordão disse...

Gostei imenso deste post Tio. Parabéns.

Joaquim Pulga disse...

Amigo Nuno,
O campeonato está cada vez mais competitivo. Daí a dar um tiro no parceiro mais próximo, vai um passinho de pardal.
Sinal dos tempos, deste horrivel tempo!