2008-12-08

A relevância da relevância

No tempo histórico actual, complexo, denso de informação que jorra a rodos, de todo o lugar, onde tudo é medido com o mesmo peso, a mesma importância, o mesmo estatuto espectacular, seja a notícia de uma nova cria de golfinho nascida no zoomarine, a neve que cai no Marão, o assalto “terrorista” em Bombaim, o frio que faz, o aquecimento global que fará, a eleição nos EUA, os acidentes que se verificaram hoje na A24, o debate no parlamento, a nova “gaffe”, ou talvez não, de Manuela Ferreira Leite, tudo debatido e escalpelizado por especialistas reputados, coloca na ordem do dia a questão da relevância.
Uma magna questão.
O que é de facto relevante?
Um grande professor que tive, chamado John O´Shaugnessy, dizia que o sentido da relevância não se ensina, adquire-se com a experiência, é o que faz um médico experiente distinguir entre uma miríade de sintomas que lhe possamos descrever o que é que realmente conta e indicia uma doença ou um velho mecânico de automóveis (raça em extinção) distingue entre um chiado irritante do carro que nos assusta mas que não tem importância, um suave, grunhido que, esse sim, impõe uma cirurgia urgente no carburador do carro.
E é assim que não conseguimos ver claro no complexo de informação que nos chega.

Entre os muitos exemplos que poderia dar, falo agora dos 10 anos da célebre decisão de Guterres de não construir uma barragem em Foz Côa para salvar as gravuras milenares, consideradas pela Unesco como de grande importância mundial.
Todavia, gravuras que avós nossos terão desenhado nas rochas há 10 000 anos, são para o mundo de hoje, para os media, apenas fontes possíveis de dinheiro.
Ele é o museu, os espectáculos de luz e som, os imaginários milhões de visitantes a pagar bilhetes e a comprar lembranças, é para isso que, para os media, servem as gravuras, foi para isso que visionários nossos antepassados capitalistas as desenharam há 10 000 anos.
Mas como, passados 10 anos esse novo quadro ainda não existe, e os sonhados euros ainda não correm, já questionam a decisão de Guterres:
Assim, mais valia construir a barragem, as gravuras que se lixem, dizem.

Eu, já visitei algumas dessas gravuras, deslocando-me num jipe desconfortável e suportando um calor de 50 graus. A impressão que me causaram, jamais a esquecerei, senti-me ligado a esses meus antepassados de há 10 000 anos, que buscavam a caça, para sobreviverem, com o mesmo afinco que os de agora buscam os Euros e terão desenhado essa caça para mobilizar forças ocultas que os ajudassem a encontrá-la ou talvez simplesmente para as contemplar e sentir o poder da criação artística.
Sinto-me feliz por saber que essa marca ainda ali permanece após tantos milénios.
Para mim é óbvio que o museu, os turistas, o dinheiro que não se gerou em 10 anos é completamente irrelevante no contexto dos 10 000 anos destas gravuras.

1 comentário:

Anónimo disse...

mui boeno