2011-04-11

QUASE

De repente, por razões que não sei explicar, veio à minha consciência a frase “um pouco mais de azul e eu ….”.
Lembrava-me um poema já escrito mas que poema? escrito por quem ?
Noutros tempos a frase seria de novo esquecida por mim mas agora, com a internet, foi fácil chegar à verdade.
Trata-se do belo poema de Mário de Sá Carneiro denominado Quase.
Aqui fica:

QUASE

Um pouco mais de sol — eu era brasa.
Um pouco mais de azul — eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d'espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho — ó dor! — quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim — quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
— Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... —
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol — vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol — e fora brasa,
Um pouco mais de azul — e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Mário de Sá Carneiro
(Paris, 13 de maio de 1913)

1 comentário:

Pedro Dornellas disse...

Um pouco mais de azul-eu era além...
Interessante saber que o sindicato dos pilotos angolanos (de que o meu irmão foi fundador e presidente até á sua morte prematura)...que se fundou contra a vontade da central sindical, nos tempos bolhevique, mas ainda e sempre controleira (a UNTA)tinha como palavra de ordem (tudo e todos tinham palavra de ordem) exatamente este lindissimo verso deste poema que sempre me acompanhará de Mário de Sá Carneiro
"Um pouco mais de azul-eu era além"