2006-08-28

Excelência 2

Um outro problema que uma meditação sobre a excelência poderá sugerir, poderá resumir-se nestas duas questões:
Haverá uma excelência absoluta, universal, reconhecida por todos, uma excelência para o mundo ? ou apenas uma excelência para cada um de nós ?
Haverá uma excelência permanente, impregnada em certas pessoas que determina todos os seus comportamentos, ainda que no exercício de uma actividade específica ? ou apenas comportamentos excelentes ?
Homens como Shakespear, Camões, Bach, Fernando Pessoa, Galileu, Sócrates, pertencem a uma lista interminável de personalidades excelentes para o mundo e excelentes em toda a sua obra, Shakespear, por exemplo, não escreveu uma única linha que não fosse excelente, que digo eu ? nem uma única palavra sem excelência; apesar disso, se considerarmos o universo de curiosos e estudiosos que conhecem as suas obras certamente haverá alguns que não deixarão de descortinar algumas nódoas, verdadeiras ou imaginárias ou ainda as daquele tipo que só se vêm de determinados ângulos, menos habituais.
Por outro lado haverá também muitos homens do mesmo estatuto daqueles mas que poucos conhecem e, pelo contrário, existem também os “anti-midas”, perfeitamente incapazes da excelência, e finalmente a generalidade dos homens com alguns momentos de excelência, que surgem como ilhas num mar de mediocridade.
Vejamos ainda um outro caso mais concreto:
George Steiner é, sem dúvida, um dos grandes pensadores do século XX, que perdura ainda e que pode facilmente ser colocado no domínio da excelência., seja por mim apenas, seja pela generalidade das pessoas que o conhecem e ainda por quem o não conhece mas que aceitará como bom este juízo generalizado.
Quanto a mim, já aqui falei do seu excelente ensaio “A ideia da Europa” mas podia referir ainda variadíssimos textos de uma obra vastíssima, traduzida em muitas línguas e divulgada por todo o mundo.
George Steiner é também uma figura mediática, reconhecida num vasto meio cultural para além do académico, constantemente solicitado para expor o seu pensamento em diversos contextos.
Para mim tem, além disso, algum interesse particular.
Partilho com ele algumas preocupações que não serão tão comuns e por isso reforçam essa aproximação, como o reconhecimento da importância da memória na aprendizagem e no conhecimento, essa memória que a minha geração tanto desprezou em favor da razão e a que chamava maldosamente “empinanço” e que quase baniu do ensino, assim que teve poder para isso, com os péssimos resultados que se vêem.
Manifesta também uma fascinação pela língua dos homens e o pelo seu mistério, fascinação que também me toca.
Na sua obra “Os Logocratas”, numa entrevista a Ronald Sharp aí reproduzida, Steiner afirma o seguinte:

“Todos os meus adversários, todos os meus críticos lhe dirão a mesma coisa: sou um generalista demasiado superficial num tempo em que isso deixou de ser possível, num tempo em que todo o conhecimento responsável só poderá ser especializado. Quando saiu a primeira edição de “Depois de Babel”, um linguista eminente, um homem já de idade, e que continua vivo, alguém que muito respeito – o grande sacerdote dos mandarins – assinou uma recensão que começava assim:
“Depois de Babel é um livro muito mau, mas, infelizmente, é um clássico.” Escrevi então, ao professor e disse-lhe que nunca uma recensão me honrara tanto, tendo em conta, o infelizmente que lhe tinha arrancado. O bastante para me contentar. Ele escreveu-me a seguir uma coisa extremamente interessante. Explicou-me que tínhamos chegado a uma fase em que homem nenhum podia cobrir todo o campo da linguística e da poética da tradução. ...”

Esta passagem, para além da questão vertente do conhecimento generalista versus conhecimento especializado, que releva de uma. angústia, muito presente em Steiner e que também partilho: a impossibilidade do homem sonhar sequer vira a ser um dia um especialista de tudo, a verdadeira excelência ? coloca-me ainda uma interrogação:
Depois de Babel é um livro excelente (dizem-me, ainda não o li), é um clássico, como refere o Professor citado por Steiner, todavia esse professor de excelência, nalgum aspecto superior a Steiner, como ele próprio reconhece, considera-o um mau livro ! Haverá assim uma excelência da excelência ?
E quem será esse Professor que presumivelmente só alguns privilegiados conhecerão e que Steiner se recusa a nomear ? porquê ?
Voltando à “vaca fria” das minhas questões iniciais talvez, no fundo, as respostas tenham que ser sempre “sim”, a todas elas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Assim que li achei que o professor era o Chomski. Qual é o outro eminente linguista já idoso e ainda vivo?

Nuno Jordão disse...

És bem capaz de ter razão.