2010-12-21

Parecia difícil de compreender

Como a Igreja Católica tão rápida a reagir contra tudo o que fere a sua susceptibilidade, como o livro Caim de Saramago, por exemplo, não tenha reagido, pelo menos de forma que eu desse por isso, ao ultrajante anúncio da Nexpresso, que trata do Céu e do Divino como sendo um antro de malfeitores, e S. Pedro como um Chefe da Máfia.
Estranhei este silêncio e só antevejo uma explicação:
A imagem do Céu que nos é dada no anúncio não difere muito, de facto, da própria imagem de Céu e do Divino que a Igreja Católica nos apresenta.

2010-11-22

A ajuda

Que ajuda é esta que a Irlanda foi obrigada a aceitar, chorando como se fosse para a forca?
Que ajuda é esta que Portugal combate desesperadamente para não recorrer a ela?

2010-11-20

Como montar uma estratégia mediática

Pegue numa bola de ping-pong e deixe-a cair à altura do peito.
Dê a notícia: “A bola está a cair”
Prepare debates, uns técnicos com especialistas que nos explicam a lei da gravidade, estimam a velocidade da bola, desenham o seu percurso e a sua posição a cada momento, outros debates para procurar culpados, porque caiu a bola? Porque não a segurou? Foi sozinho ou alguém empurrou a sua mão e por aí fora, debata de quem foi a culpa.
Entretanto a bola bate no chão e começa a subir.
Dê a notícia: “a bola agora está a subir”.
Prepare novos debates, uns técnicos, explicando tudo, determinando a velocidade a posição e o novo percurso da bola, outros especulando sobre se esta subida é permanente ou não, se é boa ou não, e o que irá acontecer à bola.
Entretanto a bola volta a cair e tudo recomeça seguindo os ciclos.
Nós vamos assistindo a tudo curiosos e tomando partido de acordo com as nossas simpatias embora já todos saibamos o que irá acontecer: que a bola há-de cair de novo e subir de novo, algumas vezes, em percursos cada vez com menor amplitude até se quedar no chão, rolar um pouco e aí ficar até que alguém a vá buscar ou não.

2010-11-12

Morreu João Serra

Só o vi uma vez, disse-me adeus.
Adeus, João Serra

2010-11-02

Agora sou mais de ler do que de escrever

Não é que me faltem tópicos e bocas para ir pondo aqui, só que quando decido escrevê-las logo me vem a ideia que não terão assim grande interesse público, que não vou conseguir dizê-lo de forma que me compreendam.
Passo mais tempo a ler, portanto e ler é bom também.
Li “Ecce Homo” de Nietzche em que este nos fala de si próprio e das sua história, “Eis o homem”, “Ecce Homo” é por tanto um bom título, só que não é o título da edição portuguesa, que é mais qualquer coisa como “O erro da civilização” mas que, em concreto, já não sei bem, já me esqueci.
Recomendo vivamente a sua leitura e conforta ver como Nietzche chegou há 150 anos à mesma conclusão que eu vou penosamente vislumbrando: O que importa na vida é o lugar onde vivemos, o país, a gastronomia e o funcionamento das nossa funções vitais, é isso que nos molda e que nos faz ser aquilo que somos.
Li também “A Inssureição que Vem” do Committé Invisível, e de que de uma passagem já dei conta aqui abaixo neste blogue. É um livro perturbador e deprimente na análise que faz do nosso tempo, no entanto é um livro muito lúcido que também vale a pena ler.
Li ainda “Mendigos e Altivos”, um clássico de Albert Corssery, autor Franco-Egípcio que relata a miséria e a natureza humana como mais ninguém,
Curiosamente revi ontem o excelente filme de Wim Wenders “The Million Dolars Hotel” e percebi agora que esse filme não é mais do que uma outra versão de “Mendigos e Altivos”.
Li também “Livros e Cigarros” de George Orwell, uma colectânea de pequenos ensaios auto reflexivos do autor, sobre experiências suas. Um grande livro também, embora pequeno em tamanho.
Recomendo a leitura de todos estes livros.
Não será certamente uma perda de tempo.

2010-10-21

O Caminho do sucesso

A revista humorística MAD, de banda desenhada ou de quadradinhos como dantes se chamava, foi minha companheira de muitos momentos da minha juventude.
Lembro-me, ainda hoje, de muitos episódios que então aí li e foi um deles que me veio agora à memória que eu vou recordar aqui:
“Um pai, de meia-idade falava com um seu filho jovem como um ar importante e paternalista, dizia-lhe:
- Meu filho, quando cheguei a Nova Iorque, tinha 20 anos, a roupa do corpo e apenas 50 cêntimos no bolso. Agora, passados todos estes anos, tenho esta casa enorme, um belíssimo carro e 500 milhares de dólares, de dívidas que tu, meu filho, ainda irás pagar um dia.”
Lembrei-me desta história e lembrei-me de Sócrates a falar aos portugueses.
Não sei exactamente porquê mas não deixei de associar as duas coisas.

2010-10-06

16 Toneladas

16 Toneladas e o que ganhas na vida?
Ficas um dia mais velho e mais fundo na dívida
S. Pedro não me chames, porque eu nunca iria
A minha alma pertence ao armazém da Companhia.

2010-09-21

Agora, com Paulo Bento seleccionador nacional

Vamos muito provavelmente falhar a qualificação mas, pelo menos assim vai ser com muito mais tranquilidade

2010-09-15

Pior a emenda do que o soneto

Ao PSD faz-lhe confusão a expressão constitucional “despedimento por justa causa”, que ninguém sabe ao certo o que será mas tem, pelo menos, o condão de referir a justiça como a noção que deve orientar as decisões naquele domínio.
Para substituir propôs, o PSD, “razão atendível”, sem referir atendível como e atendível por quem, aumentado a dificuldade de interpretação.
Reconhecida a dificuldade sai-se com uma “pérola” pior: “legalmente atendível” ou seja atendível pela lei e quer isto escrito na constituição.
Como é sabido é a constituição que condiciona a lei, é para isso que existe, para definir princípios universais que devem se consagrados na lei e impor-lhe limites inconstitucionais.
Ao condicionar esta norma constitucional à lei, o PSD produziu uma aberração cheia de som e fúria mas significando nada.
Se a lei ocasionalmente disser que não se pode despedir em caso algum, ninguém é despedido, se, pelo contrário disser que se pode despedir quem tem olhos castanhos, isso passa a ser uma razão atendível.
A norma constitucional não serve absolutamente para nada.

2010-09-10

A estranha proposta de queimar o Alcorão

A proposta desmiolada do Pastor Terry Russel de efectuar uma queima pública do Alcorão para comemorar o 11 de Setembro, sugere-me a mesma observação que ouvi atribuída a Tony Blair:
“Em vez de o queimar fariam talvez melhor que tentassem, pelo menos, lê-lo”

2010-09-09

A propósito da política xenófoba de França

Para os Portugueses que estão integrados, como terão aprendido na escola, no mais antigo Estado da Europa, em condições históricas quase únicas para terem ainda algum sentido de pertença, podem não sentir este texto da mesma forma que os franceses, embora este seja um texto muito lúcido e que toca exactamente no âmago da questão.

O rebentar de uma explosão de riso seria a resposta adequada a todas as graves «questões» que a actualidade tanto gosta de levantar. A começar pela mais repisada de todas: a «questão da imigração», que não existe. Quem é que ainda cresce no mesmo sítio onde nasceu? Quem é que vive no mesmo sítio onde cresceu? Quem é que trabalha no mesmo sítio onde vive? Quem é que vive no mesmo sítio onde os seus antepassados viveram? E as crianças desta época são filhas de quem, da televisão ou dos pais? A verdade é que fomos, em massa, arrancados a toda e qualquer pertença, já não somos de lado nenhum, e que daí resulta, a par de uma inédita propensão para o turismo, um inegável sofrimento. A nossa história é a das colonizações, das migrações, das guerras, dos exílios, da destruição de qualquer enraizamento. Foi a história de tudo isso que fez de nós estrangeiros neste mundo, convidados na nossa própria família. Fomos expropriados da nossa língua pelo ensino, das nossas canções pelos espectáculos de variedades, da nossa carne pela pornografia de massa, da nossa cidade pela polícia, dos nossos amigos pelo trabalho assalariado. A isto junta-se, em França, o trabalho feroz e secular de individualização levado a cabo por um poder de Estado que regista, compara, disciplina e separa os seus cidadãos desde a mais tenra idade, que tritura instintivamente as solidariedades que lhe escapam, de modo a que não reste nada senão a cidadania, a pura pertença — fantasmática — à República. O francês, mais do que qualquer outra coisa, é o espoliado, o miserável. O ódio que tem ao estrangeiro funde-se com o ódio a si próprio enquanto estrangeiro. O misto de inveja e terror que sente em relação às «cités» revela apenas o seu ressentimento por tudo o que perdeu. Não consegue evitar invejar esses bairros ditos «problemáticos» onde ainda persiste um pouco de vida comum, alguns laços entre as pessoas, algumas solidariedades não-estatais, uma economia informal, uma organização que ainda não se separou daqueles que se organizam. Chegámos a um ponto tal de privação que a única maneira de nos sentirmos franceses é barafustarmos contra os imigrantes, contra aqueles que são mais visivelmente estrangeiros como eu. Os imigrantes ocupam neste país uma curiosa posição de soberania: se eles cá não estivessem, os franceses talvez já não existissem.


L`insurrection que vienne – Comité Invisible

Livro, excelente, publicado em França em 2007, foi agora traduzido e editado em português pelas “Edições Antipáticas”.
O texto global pode e deve ser descarregado em PDF
aqui, site onde pode ainda descarregar outras pérolas filosófico-literárias.

2010-09-08

Bom dia

Hoje ouvi nas notícias que o INE tinha revisto em alta o crescimento desta nossa nação.
O crescimento homólogo não é de 1,4% como atrás parecem ter dito, mas antes
1, 5% .
Ficámos todos muito felizes.

O trágico acidente de viação entre Ceuta e Tetuão.

Hoje, nas notícias, ouvi um, parece que Secretário de Estado, que tem alguma coisa a ver com este tipo de acidentes, que o acidente ocorreu entre Ceuta e uma cidade que se designa “Tetouan” ou talvez “Tetuan”.
Na altura chamou-me a atenção uso desse termo: “que se designa por …”.
Será que se fosse Paris ele diria: “uma cidade que se designa por Paris”?
Mas Tetuão, como praticamente todas as cidades marroquinas, são-nos familiares, há séculos.
Eu, em miúdo, fui obrigado a decorar a cantilena das praças portuguesas em Marrocos das quais só permaneceram no meu consciente “Arzila” e “Marzagão”, mas que em Marrocos os próprios marroquinos me fizeram recordar com orgulho e escrevem nas suas ruas a toponímia portuguesa.
Algumas até têm, mesmo hoje designações portuguesas que os marroquinos conservam com orgulho e respeito como “Mogador” que é afinal, em Árabe, Essaouíra, na transliteração francesa ou Essauíra, na transliteração portuguesa e que os portugueses, infelizmente, vão esquecendo.

O caso Carlos Queirós

Só tenho duas palavras: “Uma vergonha!”.

2010-09-04

A sentença do Processo Casa Pia

Ludwig Vittgenstein, terá dito que “não há verdade nem mentira, apenas certeza e dúvida”.
A sensação que tenho relativa à sentença sobre o Processo Casa Pia é que ela traduz a certeza de muitos, a dúvida de muitos outros mas a verdade de ninguém.

2010-08-25

David e Golias

Os únicos combates que me interessam hoje são os combates entre David e Golias onde Golias ganha quase sempre.
Mas há vezes raras em que os deuses no Olimpo se conjugam para que David ganhe e são esses os momentos raros e únicos que valem e fazem suportar a permanente desilusão.
Ontem foi assim com o Braga: David bateu Golias.
Foi um momento raríssimo e, como tal, todos os adeptos exultaram, “fizemos o quase impossível!”.
Quem não gosta destes momentos raros é o sistema, a polícia, a ordem, que não suporta a felicidade dos outros.
Por um acaso, assisti em directo à chegada ao Porto da equipa do Braga, perto das 2 horas da matina. Foi um momento em que a felicidade de todos transbordava.
Só a polícia destoava, batia e punia o mínimo “excesso”, estragava a festa.
Hoje, nas notícias punha a capa de santa e dizia, “ninguém ficou detido”.
Eu digo “è mentira, ficou detido e maltratado um adepto do Braga, que eu vi, detido no pior momento, num momento em que estava eufórico de alegria, detido por quase toda a vida, portanto”.

2010-08-10

Ser único

Um dos valores que a sociedade global valoriza e procura é precisamente aquela que parece tornar-se escassa: a qualidade da diferença, da unicidade.
Por isso se festejam os campeões, os primeiros a fazer algo, os que se inscrevem no “Guiness Book of Records”.
Todavia e felizmente ainda é essa unicidade que caracteriza cada um de nós.
Todos os dias somos únicos e primeiros a fazer alguma coisa.
Cada dia vejo e oiço coisas que só eu vejo e oiço, e que mais ninguém vê e ouve. Cada dia tenho pensamentos únicos, só meus, e que a mais ninguém são sugeridos. Cada dia sou um campeão de mim mesmo.
Só me falta o espectáculo global e o reconhecimento público, é verdade.
Mas. para mim, é precisamente isso que me torna mais único e diferente.
Esta reflexão foi-me sugerida pela notícia de alguém do mundo global (não retive o nome, no mundo global todas as proezas também são efémeras) que desceu a pé o rio amazonas da Venezuela até à foz, no Brasil. Na notícia diziam que foi sempre acompanhado e muito ajudado por um guia local e que sem ele, o tal guia, a proeza não seria conseguida.
Todavia, esse guia que possivelmente já fez essa proeza várias vezes e que provavelmente ganha a vida acompanhando cidadãos do mundo global nessas viagens, não teve o nome inscrito nesta história e apenas se viu o seu rosto, por detrás da imagem do “herói” global na entrevista final da sua apoteose.

2010-08-09

Afinal não são só os “bárbaros”

Há dias ouvi a notícia de que a Arábia Saudita tinha proibido os telemóveis “Blackberry” no país.
Hoje, de manhã, ouvi a notícia de que a Alemanha tinha proibido os telemóveis “Blackberry” na administração pública alemã.
Que raio terão aqueles telefones que começam a assustar governos ?

2010-08-08

Não há Rosa como ela

Há dias acordei ouvindo esta canção de João Gil na telefonia e passei todo o dia bem-disposto.
Tem toda a simplicidade profunda da poesia popular.

2010-07-29

A importância estratégica

Agora já sabemos qual era a importância estratégica fundamental para o país, que Sócrates referiu para usar a sua polémica “golden share” na PT.
Valia precisamente 350 000 Euros!

2010-07-25

O mercado divino

Harvey Cox é um professor de religião, de Harvard, agora aposentado.
Como ele próprio refere, foi com surpresa que ao se dedicar a analisar o mundo da finança e da economia “the real world”, o mundo real, como lhe diziam, não encontrou mais do que uma variante do seu mundo habitual de especialidade, as religiões.
E aí detectou o “deus mercado”, com todos os atributos dos outros deuses: a omnipresença, a omnisciência e a omnipotência, os seus sacerdotes, os seus locais de culto, os seus milagres e as suas punições.
Está tudo neste artigo, em Inglês, que não tive pachorra para traduzir, embora valha a pena ler.
É uma artigo pleno de sabedoria e de clarividência.
A quem domine minimamente o inglês, recomendo a sua leitura vivamente

2010-07-14

O que é que o episódio de Alexandre Magno e do nó Górdio, poderá ter a ver com Sócrates e a golden share na PT (explicado às crianças).

PARTE IV e última
Pois é não foi amanhã como prometi no último episódio mas foi depois de amanhã.
Mas vamos ao que interessa:
Como vimos o Estado tem a seu cargo os chamados serviços essenciais, aqueles que não podem falhar sem grande dano para os cidadãos, como a recolha do lixo, de que já falei, mas também a distribuição de energia e de água, por exemplo, e isto para que se não caia no risco de em mãos privadas eles falharem em qualquer ponto simplesmente porque não dão lucro.
Estes serviços ,contudo, são provisionados pelo mercado, eu pago a electricidade e a água que consumo e como são produtos essenciais têm venda praticamente garantida e todos os privados querem negócios destes.
O Estado, por outro lado, dá-lhe jeito vender estes serviços, porque arrecada mais algum dinheiro e não tem o trabalho nem os custos para os manter.
Assim tudo se conjuga para que o Estado venda essas empresas aos privados, só que há um problema, é que quando vende já não é dele e assim não pode mandar.
Mas como o Estado é engenhoso inventou um processo.
Perguntou, não posso mandar porquê? Se eu não mandar os malandros dos privados ainda lhes vão faltar posso criar uma figura chamada “golden share” “acções douradas”.
A Opinião pública, os cidadãos, percebem isto, faltar a luz e a água é que não, pois que seja que o Estado a continuar a mandar.
Com a opinião pública favorável, os privados pensam assim: “que seja, já que os lucros continuam nossos”, se houver algum problema logo vemos.
E a tal “Golden Share” é criada e diz mais ou menos isto, o Estado não põe dinheiro nesta empresa mas pode mandar nela sempre que seja preciso.
O que é normal é que sejam os donos a mandar, mas o Estado entende que isso não está escrito em lado nenhum e manda a espadeirada como Alexandre Magno madou no nó górdio.
E tal como para o Alexandre resultou, foi assim que o Estado português mandou na PT mesmo que da PT só tenha um bocadinho equivalente às torneiras do lavatório.
Como já disse, na história do Alexandre Magno não apareceu nenhum juiz a acusá-lo de batota, mas no caso português já apareceu um Juiz da União Europeia a dizer isso mesmo.
Mas como diz o povo: “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas” e estas pauladas vão ser a rítmo de caracol e no fim, mesmo que tudo corra mal, logo se inventa outra solução.
Para inventar os seres humanos são especialistas, essa é que é essa.

2010-07-12

O que é que o episódio de Alexandre Magno e do nó Górdio, poderá ter a ver com Sócrates e a golden share na PT (explicado às crianças).

PARTE III
Meus amigos, deixemos a Frígia, há muito, muito tempo.
Abram as vossas asas, liguem os vossos reactores de imaginação e voem pelo espaço e pelo tempo até um cantinho no Ocidente da Europa, chamado Portugal, e posem no ano de 2010.
O que se vê e se vive é a chamada civilização.
Como sempre, nos locais civilizados, existe um Estado, com o seu governo e com todo um aparelho de administração, de serviços públicos e de polícia e existe um mundo, dito privado, de lojas, de fábricas, de escritórios, que também nos prestam serviços e nos vendem coisas.
Como sempre, é o dinheiro que domina tudo e que tudo permite mas também que tudo nos impede, o dinheiro é como se fosse o sangue da sociedade.
E isto é válido tanto para o Estado como para o mundo privado, mas há uma súbtil diferença, o mundo privado pretende sempre ganhar mais e mais dinheiro é só para isso que trabalha. O Estado é mais movido pelo poder, pela possibilidade de mandar, embora que sem dinheiro também não mande nada.
Outra diferença é como o mundo privado e o Estado ganham o seu dinheiro.
O mundo privado recebe-o de nós directamente sempre que nos vende alguma coisa ou no faz qualquer serviço. É provisionado pelo mercado, como dizem os especialistas que sabem destas coisas de dinheiro.
O Estado vai-nos fornecendo serviços e coisas gratuitas, como as ruas e os jardins e os parques infantis que faz, a escola e os hospitais para quando estamos doentes , e cobra tudo por junto através dos chamados impostos que, como o nome já diz, são mesmo impostos, à força, vêm do seu poder, do tal poder do Estado. Os especialistas chamam a esta maneira de cobrar dinheiro, provisão pública.
Isto foi assim pensado no princípio da civilização e tinha uma razão de ser, como os privados só pensam em ganhar dinheiro, por exemplo, podiam não estar para vir buscar o meu lixo, por ser muito longe para eles e eu não ter dinheiro para pagar todos os custos que teriam para o fazer, esse tipo de serviços essenciais, como a recolha do lixo, é, então, geralmente feito pelo Estado, que apenas cobra por grosso e de forma proporcional ao rendimento dos cidadãos (pelo menos teoricamente) permite fazer tudo por todos independentemente das condições de cada um.
Estas eram contudo regras não escritas e, como Alexadre Magno ao partir a corda do nó górdio, com a sua espada,porque ninguém lhe disse que assim era batota (lembram-se dele), muitos começaram a usar as falhas das regras para seu proveito, como se vai ver.
Hoje, à medida que a civilização evoluiu as coisa começaram a ser mais complicadas e misturadas, muitos privados começaram a usar provisão pública para ganharem o seu dinheiro, é o caso, por exemplo, da internet e da TV por cabo que eu pago todos os meses independentemente de usar a internet ou ver a TV muito pouco ou nada. Por outro lado o Estado começou a usar a provisão pelo mercado para ganhar o seu dinheiro, como, por exemplo nas portagens da auto-estrada e nas chamadas taxas moderadoras dos hospitais.
Hoje já é normal para o estado usar expressões tipo “utilizador pagador” e coisas semelhantes que lhe permite arrecadar dinheiro de forma mais expedita e isto para além dos impostos, é claro, porque esses nunca acabam, o nó górdio foi quebrado à espadeirada.
Por agora fico por aqui, amanhã lá chegarei à “golden share”, espero.

2010-07-11

O que é que o episódio de Alexandre Magno e do nó Górdio, poderá ter a ver com Sócrates e a golden share na PT (explicado às crianças).

PARTE II
Ainda se lembram da história que eu contei ontem?
Essa história, como todas as outras histórias antigas e que persistem até hoje na memória de muita gente, assim como muitas histórias infantis, como a do capuchinho vermelho e a da branca de neve, procuram dar-nos ensinamentos, têm geralmente aquilo a que se chama uma mensagem semi-oculta que temos de descobrir e que cada um vai descobrindo à sua maneira, têm aquilo a que se costuma chamar uma moral.
Vejamos a moral desta história.
Toda a gente pensava, naturalmente, que o difícil seria desatar aquele nó, com as mãos, com muita habilidade, compreendendo como a corda se entrelaçava e desfazendo esse entrelace.
Mas isso não estava explícito em regra nenhuma, porque não precisava estar, toda a gente entendia que teria que ser assim.
Mas para isso já havia 500 anos de pessoas a tentar e o certo é que ninguém tinha ainda conseguido.
Aliás é por essa razão que se dá hoje o nome de” nó górdio” a qualquer problema que ninguém consegue resolver.
Alexandre Magno, que já sabia isso tudo e sabia também que certamente, como todos os outros, também não conseguiria desatar o nó, mas que sentia também que era muito importante para ele porque lhe daria muito poder e que ninguém lhe tinha imposto regras e que a sua espada cortaria toda a corda com facilidade, escolheu esse caminho mais fácil, o único ao seu alcance.
Hoje, nessa história, admiramos Alexandre Magno que assim conseguiu o que queria e que aproveitou uma falha do sistema, tirando partido dela.
Na história, poderia ter aparecido um qualquer mago ou juiz que dissesse a Alexandre que o que ele fez foi batota e lhe tirasse o reino, mas de facto não apareceu e a moral da história ficou, mais ou menos, assim: que é justo usarmos toda a nossa habilidade e também a esperteza para conseguirmos vencer os obstáculos que nos são colocados.
Essa moral tem orientado, até hoje, muita gente no mundo em situaçõe reais.
Poderia talvez formular-se assim: se o objectivo é muito importante todos os meios, que ninguém ponha em causa com sussesso,poderão e deverão ser usados.
Os exemplos são muitíssimos no desporto, na guerra, na economia e nas finanças mas perderia muito tempo a apresentá-los aqui, neste momento.
Continuarei então amanhã.

2010-07-10

O que é que o episódio de Alexandre Magno e do nó Górdio, poderá ter a ver com Sócrates e a golden share na PT (explicado às crianças).

PARTE I
Amiguinhos, começo por uma história antiga.
Conta-se que há muitos, muitos anos na Frígia havia um rei que estando a morrer sem ter deixado sucessor, anunciou que o próximo rei chegaria num carro de bois.
Certo dia chegou à Frígia um camponês, chamado Górdio, num carro de bois, tal como dizia a a professia e que assim conseguiu herdar o trono.
Górdio foi então Rei e como foi o facto de ter chegado nesse carro de bois que lhe deu o reinado, resolveu atar esse carro, com umas cordas, tão apertado e tão bem feito, “não fosse o diabo tecê-las”, que ninguém conseguia desatar.
Muitos tentaram, tanto mais que se começou a dizer que quem desatasse esse nó viria a ser o novo rei.
E, durante 500 anos, ninguém conseguiu desatar o tal nó Górdio (ou o nó do Górdio, mais propriamente).
Como a Frígia viveu sem rei todos estes anos, não me perguntem, porque a história não reza, mas presumo que viveram muito bem e felizes.
Mas certo dia chegou Alexadre Magno ou o Grande, que é o que “magno” também quer dizer.
Alexandre Magno era um pouco o que agora chamamos: chico esperto, não queria saber de regras, como muitos de vocês amiguinhos, mais a mais não havia normas escritas,”desatar o nó o que é? É soltar o carro evidentemente, com um golpe de espada parto estas cordas todas e pronto”.
E assim fez, cortou as cordas com a sua espada e ficou Rei.
Esta história ficou desde aí, até à memória de hoje como um hino à “chico espertice”Alexandre Magno foi Rei da Frígia e de grande parte da Ásia Menor (esta parte já não é estória, é mesmo história).

2010-07-07

Notícias

Ontem e ainda hoje, um pouco, os media ocuparam vários minutos dos telejornais para nos dizer e demonstrar com factos e entrevistas que está muito calor, que a proximidade à água ajuda, que temos de beber muito, àgua, de preferência, mas umas minis também têm muita àgua e também podem ajudar.
O ar condicionado sabe bem mas os táxi não têm porque sai muito caro e sem aumentar as tarifas, não dá.
Ficámos todos muito informados e esclarecidos.
Como viveríamos sem esta maravilha da tecnologia.
Ainda morríamos para aí de calor sem mesmo darmos por isso.

2010-07-01

As SCUT

Sempre me intrigou esta expressão.
Não que eu não ouvisse a interpretação, para os media sempre foi simples: “Sem custos para o utilizador”.
Eu pensava: “O S dá para sem, o C, dá para custos, mesmo o U sugere utilizador mas onde estará o P para para e aquele T o que quererá dizer ?
Fui consultar o “site” do ciberdúvidas e lá estava, a propósito do plural, SCUT é um acrónimo que significa “Sem custos para o utilizador”, não tem plural com s, naturalmente, uma SCUT, duas SCUT.
A dúvida persistiu, será que o T é a segunda letra de utilizador?
Consulto “acrónimo”e leio textualmente: “significa o seguinte: palavra formada pelas letras iniciais de várias outras palavras que constituem uma denominação e que se pronuncia como uma palavra normal.”
Formada por iniciais, dizia o meu velho e excelente mestre: José Neves Henriques, que acrescenta, como é seu apanágio, a explicação etimológica, vem do Grego “akron” que significa “extremidade.
O T das SCUT persiste misterioso, não é extremidade de nada.
Agora, com a nova política de Sócrates, começo a perceber.
SCUT deve ser mesmo: “Sem Custos, Uma Treta.”
Fiquei confortado por ter finalmente uma luz de compreenção.

2010-06-27

Catchup e Catch up

Tendo-me sido levantadas dúvidas sobre a expressão utilizada entre aspas, na crónica abaixo esclareço o seguinte:
Ketchup, é uma receita tradicional malaia, cujas diversas imitações industriais são designadas em Inglês pelas transliterações KETCHUP ou CATCHUP.
Catch up, como eu escrevi, é uma expressão coloquial da língua inglesa com o significado de “despacha-te; aproxima-te; chega até nós” dita a alguém que se atrasa.
É desta semelhança fónica que provem o humor de uma significativa anedota contada numa cena do filme “Pulp Fiction” que passo a recordar a quem viu o filme:
Dois tomates caminhavam na rua mas um foi espezinhado. O que passou volta-se para o primeiro e diz “Catch up”.
O que ao ouvido tanto significa “despacha-te” como “ficaste reduzido a Catchup”, ambos os significados apropriados àquela situação tão insólita.
Infelizmente, por uma pequena sondagem que fiz, já quase ninguém se lembra da anedota tendo eu, aparentemente, falhado o efeito que queria obter ao usar a mesma expressão, referindo-me ao ketchup a que Cristiano Ronaldo assimilou os golos que marcaria e, simultaneamente desejando que ele se despache a metê-los.
De preferência já contra a Espanha

2010-06-21

A Coreia do nosso contentamento

De frágil e timorato que Portugal tem sido, desde a fase de apuramento para esta fase final do Campeonato do Mundo de Futebol, até ao primeiro jogo desta fase, contra a Costa do Marfim, algo parece ter mudado hoje.
7-0 à Coreia, é obra notável e fez renascer alguma esperança no coração dos portugueses.
Tudo correu bem desde a invulgar hora do jogo que permitiu aos portugueses associarem dois dos seus maiores prazeres, o almoço e o futebol.
Ao fim da sopa um golito a prometer uma boa digestão, depois entre as dentadas no bacalhau, seguem mais quatro fazendo com que tudo soubesse melhor, por fim, com a bica e o bagaço, lá vêm mais dois, um dos quais que permitiu a Ronaldo abrir o “Catch up” sem contudo ter tido já tempo de estragar o bacalhau com aquele gosto “Yanky” homogeneizador.
Foi tudo perfeito, num dos fora, desta tarde, alguns participantes referiram: foi o melhor almoço da minha vida.
Também acho.

2010-06-20

Porque será?

Que alguns portugueses vivem em Londres e não em London, enquanto, para a generalidade dos jornalistas Saramago vivia em Lanzarote e não em Lançarote.

2010-06-15

O que me irrita mais na Vuvuzela é não conseguir comprar uma

A Vuvuzela é um instrumento irritante, emite urros de elefante que fazem bulir qualquer nervo ancestral da nossa estrutura nervosa que nos irrita, pelo menos à maioria de nós, como as notícias e muitos blogues têm reportado.
Mas esse condão de causar irritação também tem o seu valor: afecta a moral dos adversários, tem o valor artístico de despertar emoções.
Daí que eu queria ter uma para utilizar em momentos especiais.
Engano meu, apesar da vastíssima publicidade, já a procurei em variedíssimos postos da GALP e nada, não há, havia sempre muitas ontém mas hoje nunca há.

2010-06-11

Inversão de papéis

Nestes dias passeei acompanhado de dois dos meus netos.
Nem tudo foi rosas, quando estava com os meus amigos, era frequente algum ou os dois, nos interromperem constantemente com as suas frivolidades.
Hoje vi na TV a situação inversa, num grande encontro promovido pela “LEGO”, algumas crianças estavam concentradas nas sua criações, enquanto os jornalistas os importunavam com perguntas idiotas e infantilizadas, do tipo “achas que tens peças suficientes?”, a que eles iam tentando responder com o mesmo enfado que eu sentia quando os meus netos me interrompiam.
É a TV que vamos tendo, a um nível mental que também não deixou ainda a infância.

2010-06-01

Caçar baratas e invadir navios de ajuda humanitária

Quando uma ou outra barata me invade a casa, a sua eliminação, transforma-se numa das minhas ocupações dos meses quentes.
Até agora, tenho confrontado esta intrusão 3 a 4 vezes por ano.
Tenho guerra aberta contra as baratas, estudei a sua biologia e sei que alguma, mais corajosa, que consiga subir a um terceiro andar e penetrar no meu reino, pode ser macho ou fémea e, se fémea, pode estar grávida ou não.
A minha ciência ainda não consegue detectar esse facto com um simples olhar.
Apenas me resta esperar que não, e, pelo sim, pelo não, procuro matá-las logo.
Aprendi que uma barata grávida, com a capacidade de pôr ovos, muitos, muitíssimos, se deixada em paz, pode encher a minha casa de, para cima de 200, em pouco tempo. Desiquilibrando as forças.
E eu não quero, procura-as, persigua-as, tento matá-las, antes que seja tarde.
Porém, há um problema:
Elas sabem que não são benvindas, têm nos seus genes esta consciência, e lutam pela sua sobrevivência,com uma energia admirável, fogem, correm a uma velocidade alucinante e escondem-se em recantos inacessíveis.
Mas eu, que sou humano e, mais do que as minhas habilidades físicas, posso mobilizar, meios químicos, ardilosos, que só os humanos sabem conceber, uso todos os meios au meu dispôr.
Até agora, tenho ganho estas batalhas sempre, embora o inimigo não descance, nunca.
Esta reflexão particular também se aplica a Israel e ao criminoso assalto a um navio de ajuda humanitária para a facha de gaza.
Os terroristas palestinianos, são as baratas deles ou, como as baratas são para mim, formas de vida a eliminar de qualquer jeito, seja como for.
Quando houvi hoje a notícia, e filmes probatórios, de que militares Israelitas que abordaram o barco, todos artilhados com metralhadoras, coletes e capacetes protectores e tudo, se queixaram que llhes atiraram com cadeiras e paus, achei um pouco ridículo.
Eu também me queixo de que as baratas me fogem! Ora essa!, deviam estar ali submissas, e deixarem-se trucidar para o bem da humanidade.
O meu mundo seria melhor.

2010-05-31

Macacos-Deuses, como sempre


O parlamento, segundo Banksy

2010-05-30

Enquanto o tempo passa

Uma torneiras aberta, por homens, no fundo do Atlântico, jorra, continuamente petróleo para o mar, que enche, enche e vai chegando a terra.
Não é, não tem nada que ver, com petroleiros afundados, a diferença é que isto não tem fim à vista, é petróleo a jorrar, sempre.
Eu sei, que qualquer dia a BP, ajudada pelo governo dos EUA, vão encontrar uma solução espectacular que a vai compensar dos milhões de “ouro negro” atirado a porcos.
Mas um imenso mal fica feito.
È um novo “Chernobil”, desta feita do lado de cá, dos “bons”.

2010-05-23

Post Dedicado a José Sócrates

Que também nos quer empurrar para um samba no escuro

2010-05-22

Interpretação das sondagens

Ontem vieram publicadas novas sondagens sobre o ambiente socio-políticaportuguês.
Diversos analistas fizeram as suas análises e interpretações, complicando coisas simples, como geralmente fazem.
Eu vou dar aqui a minha leitura dos pontos mais significativos:
POLÍTICA
PS mantêm-se ou desce pouco, porquê?
Porque, como o povo pensa: para melhor, está bem, está bem, para pior já basta assim.
O PSD sobe um pouco, porquê?
Porque Pedro Passos Coelho poderá ser uma luz ao fim do túnel.
MEDIDAS FINANCEIRAS
Os portugueses concordam com o aumento de impostos, porquê?
Porque todos os dias lhe lavam o cérebro dizendo-lhes que ou isso ou a desgraça total.
Os portugueses preferiam outras alterações fiscais, porquê?
Porque, já que se tem de pagar mais impostos, que , ao menos, sejam aqueles impostos que só os outros pagam.

2010-05-19

A confissão de Sócrates

Como Sócrates confesou ser dono da estratégia económica em Portugal passámos todos a saber, de fonte insuspeita, quem é o culpado.

2010-05-17

Assim vai a educação em Portugal

Há dias, no programa “Eixo inclinado”, dedicado às nossas misérias, o Prof Nuno Crato mostrou duas perguntas utilizadas em testes do 6º ano de escolaridade (crianças de aproximadamente 12 anos):

Pergunta 1
Entre as 12 horas e as 12 horas e 25, quantos minutos há de diferença?
Claro que para ajudar a difícil resposta, havia apoio gráfico, com relógios analógicos (daí a dificuldade certamente).

Pergunta 2
Quantos são 8 a dividir por 4?
Utilizando, bocados de chocolate desenhados, para pôr o jovem em contexto (fundamental na moderna didática)

Como curioso, que sou, por estas coisas testei estas perguntas no meu neto Pedro de 5 anos.

Respondeu correctamente à primeira e não soube responder à segunda.
Teria metade da cotação, será que o meu neto é génio?
Não sei se feliz ou infelizmente julgo que não, o Pedro não é génio, o que talvez se passe é que os pedagogos de serviço no Ministério da Educação serão talvez imbecis.
Será?

A Promulgação do Casamento Gay

A declaração ao país do Presidente da República sobre o casamento homosexual, recordou-me uma história passada, de um Despacho de um antigo Secretário de Estado a propósito de qualquer coisa de que já não me recordo:
“Despacho
Concordo, contrariado
Seguia a assinatura”

2010-05-14

Mateus 18-19 (por exemplo)

Ontem ouvi uma peregrina, em Fátima, dizer que se queria aproximar do Papa para poder estar mais próxima de Jesus.Se a reflexão dessa peregrina se dedicasse mais à doutrina de Jesus do que ao “espectáculo” da Igreja, saberia que, naquele momento, Jesus estava precisamente ao seu lado.

2010-05-12

Gastar dinheiro

Todos nós, comuns mortais, individuais e organizações, sabemos o que a expressão significa, as opções a fazer, a gestão de um bem escasso.
Todavia os analistas económicos e financeiros que deveriam ver a economia como um todo como um todo global, deveriam ver que cada euro que eu pago, pago-o a alguém ou a alguma coisa que o recebe e quando eu fico mais pobre num euro, alguém ou alguma coisa fica mais rica nesse mesmo euro.
Visto de cima, gastar dinheiro é, simplesmente, fazê-lo circular, mudar de mãos, é uma mera questão de distribuição da riqueza e se a riqueza não flui, tal como se o sangue não flui no nosso corpo, é a morte que ocorre, do nosso corpo num caso ou da sociedade no outro.
Sendo evidente, há muitos especialistas que ainda o não perceberam.

2010-05-11

A Festa do Benfica

De forma penosa mas muito meritória o Benfica lá conseguiu ganhar o Campeonato Nacional de Futebol.
A festa foi como o esperado, euforia dos adeptos em todo o mundo, que tem durado até hoje.
Até a bolsa entrou em euforia e subiu espectacularmente e por mais que os especialistas arranjem outras explicações, não me restam dúvidas de que foi graças ao Benfica.
Só teve uma mancha que resulta dos preparativos da vinda do Papa, os coletes reflectores, ostensivamente verdes, que por toda a cidade, a polícia envergava.
Até a mim, que sou sportinguista, aquele verde destoou na onda vermelha.
Porque será que os coletes têm que ser obrigatoriamente verdes?
Se eu fosse do Benfica refilava.

2010-05-09

Aventura na Feira do Livro – Parte 2

Lá passei para o lado Ocidental, e comecei descendo a primeira ala.
Não sei já se nessa descida ou depois encontrei, em saldo, 3€, um livro que deveria ser obrigatório: “Vivermos e Pensarmos como Porcos” de Giles Chatelet, matemático e filósofo francês, que se suicidou uns tempos depois de publicar este livro e que apresenta uma crítica feroz ao pensamento único e ao pós-modernismo, ainda por cima mal assimilado, que enferma a nossa actual cultura global.
Já o tinha, mas por 3€ era imperdível, comprei de novo para dar a alguém que o leia, é claramente uma pérola no meio do lixo.
Chegando abaixo, voltei para cima pela segunda ala da parte ocidental.
A princípio muitas editoras religiosa, explorando a próxima visita do Papa a Portugal, aqui e além literatura infantil, fui passando mais rápido até que mais em cima me atrai uma montra cheia de George Orwell. Era a Antígona.
Procurei nas minhas referências (Orwell, obviamente está lá com alta cotação) e por uma razão ou outra comprei:
“Na penúria em Paris e Londres”
e “Livros e cigarros”
Ambos de Orwell, passei depois a Corsery (outra referência altamente cotada) e comprei a sua obra principal: “Mendigos e Altivos”.
Estava já no topo da feira com tudo visto.
Quando me preparava já para me ir embora, veio-me à cabeça um grito silencioso semelhante àquele grito de Cruges, no regresso de Sintra descrito por Eça de Queirós, nos Maia: “Esqueceram-me as queijadas!”. Só que o meu grito foi mais: “esquecera-me a Viúva Grávida!.
Se bem leram o post anterior esse era o meu primeiro motivo para visitar a Feira mas após uma visita cuidada e atenta não tinha descoberto onde ele estava.
Na Apel lá me informaram e tive que voltar, de novo para baixo até que numa das associadas da Bertrand lá consegui comprar “A Viúva Grávida” de Martin Amis.
Voltei então feliz para casa.

2010-05-08

Aventura na Feira do Livro

Abriu a Feira do Livro de Lisboa, como sempre, é uma bela oportunidade para comprar livros um pouco mais baratos e ver tudo o que aparece.
Com as ligeiras limitações que a minha doença vai impondo, planeei percorrê-la em duas etapas.
O plano foi este, almocei no Botequim do Rei, mesmo em cima do Parque e da Feira, num “self-Service” relativamente económico e mergulhei nos livros já de barriga cheia, na ala oriental mesmo por baixo do restaurante.
Tinha um livro em mente: “A viúva Grávida” de Martin Amis, que saiu há dias, editado por uma qualquer Editora, tinha ouvido a notícia na TV.
O meu interesse por Martin Amis, nasceu de uma entrevista que passou na TV e que me interessou, numa pesquisa na internet que aumentou o meu interesse e na leitura do único livro de Amis até então traduzido em português e que é o “Money”, grande livro que recomendo a todos.
Mas a Feira tem os seus encantos, tem o lixo e as pérolas e o que nos guia na busca dos tesouros, são as referências que temos, nomes que ouvimos a quem confiamos ou que lemos em livros que gostamos ou que de qualquer modo nos despertam a atenção e a curiosidade. È um mundo privado de referências que vamos construindo ao longo da vida e também de preconceitos que nos fazem fugir a sete pés.
Logo há entrada deparei com uma dessas referências: Akim Bey, e a sua TAZ “Temporary Autonomous Zone” que já tinha lido, extraído da net, na língua original mas que agora via em português, editado pela frenesi, “Zona Autónoma Temporária” e apenas por 5 Euros. Comprei 2 exemplares, um para mim e outro, a ver vamos.
Depois, logo a seguir havia um espaço dos Açores onde perguntei, mais uma vez, em vão, pelas “Ilhas Encantadas” de Raúl Brandão.
Eu nunca li as “Ilhas Encantadas” de Raúl Brandão mas já li de Raúl Brandão o “Húmus”, “El-Rei Jounot” e “Sonhos”, o suficiente para perceber que é um dos maiores escritores da nossa língua, injustamente esquecido. È um prosador-poeta, estou certo de que não haverá melhor livro sobre o arquipélago Açoriano do que “As ilhas Encantadas”. Todavia nem nos Açores nem aqui o consigo encontrar. Porquê?
Como um miúdo numa loja de doces ou de brinquedos, continuei feliz a minha busca.
Mais adiante encontro o mais belo poema do século XX, a “Tabacaria” de Fernando Pessoa ou melhor, de Álvaro de Campos, com a versão original do poema e ainda as versões francesas, castelhana, italiana e inglesa.
Comprei esse livro.
Lembrei-me da história de António Tabuchi que mudou a sua vida e aprendeu português, apenas por ter lido a versão francesa da “Tabacaria”, “Bureau de Tabac”, a impressão que essa leitura lhe causou fê-lo querer sentir esse poema na língua original.
Quando estive em Belgrado conheci Remy, um Sérvio que falava de Fernando Pessoa, talvez lhe envie agora a versão inglesa, embora já a deva ter.
Já no fim dessa ala, estava o pavilhão dos pequenos editores e lá comprei mais um livro, referência militante, da editora Via Óptima, “A História de B” de Daniel Quinn, para oferecer, cumprindo uma promessa.
Chegando abaixo rodei para cima pela segunda ala oriental.
A feira este ano está mais rica em farturas, café e cerveja e pequenas esplanadas onde parei para uma pausa e um cigarro.
Numa banca da Alfaguara, foquei a atenção num romance Valter Hugo Mãe.
Quem é Valter Hugo Mãe? Para mim é uma referência breve de uma ou duas vezes em que o ouvi falar da sua obra, é um jovem escritor, da nova geração a quem tenho de dar o benefício da dúvida, além de que o título me atraía “A máquina de fazer espanhóis”.
Comprei-o para o ler um dia e promovê-lo na minha lista de rederências ou, eventualmente bani-lo de vez.
Cheguei finalmente ao topo da segunda ala oriental, metade da feira estava vista seria aí o suposto fim da primeira visita.
Porém sentia-me bem, a doença, ELA, parecia que me tinha abandonado transitoriamente, resolvi prosseguir para a primeira ala do lado Ocidental
Mas como o relato vai longo, depois contarei o resto

2010-05-02

Interpretações

O que mais admiro num intérprete é essa noção difusa, indefinível a que se chama precisamente a interpretação, a forma como consegue transmitir as emoções contidas na obra que interpreta.
Para exemplificar esta noção escolhi uma obra bastante conhecida, pelo menos pelos da minha geração, e que é “Just like a rolling Stone” de Bob Dylan.
Curiosamente de Bob Dylan que é ele próprio conhecido por nunca interpretar duas vezes da mesma maneira a mesma canção e impediu-me de encontrar a sua interpretação original que ficou mais conhecida pela gravação em disco.
O poema relata-nos a história de alguém bem sucedido na sociedade, orgulhoso e confiante, desprezando toda a marginalidade e que se vê subitamente caído, ele próprio, nessa marginalidade
A interpretação de BobDylan, traduz aquele misto de escárnio e superioridade moral por aquela lição de vida tão justa e apropriada.
No fundo procura dizer bem feita e foi desta mesma forma que os diversos intérpretes dessa mesma canção a têm interpretado, como Mick Jagger e os Rolling Stones a interpretam no filme que segue.



E é uma excelente interpretação digna da igualmente excelente interpretação original de Dylan.

Mas há dias conheci uma abordagem diferente ao mesmo poema, à mesma história.
Trata-se da interpretação de Barb Jungr, a quem o poema apenas lhe transmitiu tristeza simpatia e solidariedade e é precisamente esse sentimento que transmite aqui também excelentemente.
Quase que parece outra música





Por ultimo fica uma interpretação mais recente desta mesma música por um Bob Dylan muito mais velho e que se apresenta de forma muito diferente da original.
Aqui também já uma certa tristeza pela situação se começa a vislumbrar.




De qualquer forma são 3 excelentes interpretações, todas diferentes e todas brilhantes.

2010-04-30

Os Rankings

Portugal desce nas finanças mas sobe no futebol.
Decididamente o mundo acha que jogamos melhor à bola do que na bolsa.

2010-04-27

Daqui para a frente vou viver sempre com ELA

É verdade, de papel passado e tudo.
ELA, é a Esclerose Lateral Amiotrófica.Não tocarei mais neste assunto, tão pouco interessante para o mundo, a não ser que nessa ocorrência, alguma experiência relevante mo sugira.

2010-04-22

Assim vai a justiça

Esta absolvição de Domingos Névoa na segunda instância e, sobretudo as razões invocadas para essa absolvição, fez-me lembrar um caso que vivi há muitos anos:
Houve um fogo florestal e um jovem de boné foi visto em flagrante delito a atear esse fogo.
A população correu atrás dele e após uma atribulada perseguição lá conseguiram apanha-lo e traze-lo à autoridade.
A GNR libertou-o imediatamente visto que o autor do crime tinha boné e este rapaz que lhe apresentavam estava sem boné.
E não havia qualquer dúvida: estava mesmo sem boné.

2010-04-21

O muro

Ou a misteriosa essência da portugalidade

Hoje, no hospital de Santiago, em Setúbal, enquanto contornávamos o longo muro que nos impede a entrada e nos obriga a uma longa caminhada para chegar à porta, entabulei conversa com um outro utente sobre a irracionalidade desse muro.
Como em tantas situações veio-me à memória o poema de Torga que começa assim:

De seguro, só sei que havia um muro
Contra o qual arremeti a vida inteira.

E esse muro lá estava simbolizando todos os muros que, de seguro, existem na vida.
O tema da nossa pequena conversa foi a irracionalidade humana, portuguesa dizíamos porque para um português é só em Portugal que existe este muro omnipresente.
E era culpa de todos, de todos os portugueses com excepção de nós dois que falávamos e que naturalmente nunca poríamos ali aquele muro.
Partilhamos uma revolta honesta e pacífica e, para mim, ficou mais claro esta essência da portugalidade esta insatisfação com o nosso próprio país.
Somos todos Medinas Carreiras, velhos do Restelo, sempre insatisfeitos.
Mas é precisamente essa dimensão que nos enobrece, não nos contentamos com menos do que com um mundo perfeito, o V-Império.
Enquanto não o temos sonhamos com ele, sempre e lamentamos a nossa sorte.

2010-04-19

Descendo à terra e a este cantinho

Entretanto, por aqui, parece que, há poucos dias foi finalmente cumprida a ordem do Supremo, qualquer coisa, de destruir os registos das conversas telefónicas entre Sócrates e Vara.
Neste mundo de registos digitais eu tenho dificuldade em perceber em que consistirá a destruição de registos.
De facto estamos longe do mundo em que se queimou a biblioteca de Alexandria, em que se podiam queimar e destruir papéis aos bocadinhos e mesmo que se conservassem as ideias aí expressas, e cópias dos textos, faltaria sempre o timbre, as assinaturas pessoais que atestavam o facto e que não se conservavam mais.
Mas agora, em que os ficheiros são bits, as cópias, perfeitos clones dos originais o que quererá dizer destruir?
Em princípio seria destruir toda e qualquer versão destes registos mas quem saberá onde eles estão?
Pelo que conheço da natureza humana, presumo que deverá já haver, em diversa mãos insuspeitas, diversas cópias electrónicas e transcrições dessas conversas.
O que se destruiu, com pompa e circunstância, foram apenas os DVD iniciais onde uns polícias gravaram tais conversas e que têm andando em bolandas de Juiz para Juiz e de funcionário para funcionário.
É certo que não se poderá usar nada em tribunal mas como a justiça hoje anda pela praça pública estou convencido que, dentro de algum tempo, estas conversas voltarão a aparecer para gáudio do povo.

2010-04-17

A natureza diverte-se

A potestade que lá no Olimpo está encarregada de, de quando em vez, soltar a fúria dos elementos e que eu critiquei aqui por ter falta de senso, certamente leu este blog e, como potestade que é, aprendeu e superou mesmo todas as minhas expectativas.
Activou um vulcão na Islãndia, lançou uma nuvem de cinzas para a atmosfera.
Ainda a está a lançar e sabe que pode acelerar e ampliar este processo ou não, esta é uma parte do seu gozo, e bloqueou todo o tráfico aéreo em grande parte da Europa.
Não matou ninguém ou, julgo que quase ninguém, directamente, mas lixou o capital e perturbou a vida de centenas de milhares de pessoas.
Os PIGS odiados pela Europa arrogante, Portugal Itália, Grécia e Espanha foram precisamente os poupados, até ao momento, está bem assim, cruzes canhoto!
Mas está o caos para os que têm de viajar muito, numa vida hiperactiva.
A Sra Merckel está retida em Portugal sem poder resolver os grandes problemas da Alemanha, O nosso Presidente Cavaco tem estado retido em Praga sem poder resolver os grandes problemas portugueses e casos como estes deve haver às centenas.
As grandes companhias de aviação vêm milhões de “money” a escorrer pelo cano abaixo. Os transportes ferroviários vêm dias a que já não estavam acostumados, e da vida fácil de meia dúzia de passageiros diários passaram à grande procura e à incapacidade de dar resposta.
Apanharam muito “money” que escorria do cano da aviação mas não têm mãos suficientes para o apanhar. Que frustação!
Para o comum cidadão variam os casos, entre a felicidade por prolongar as boas férias, mantendo a compreensão dos patrões lá longe, e a infelicidade de ver e conviver com os amigos e família.
Isto sim, é uma calamidade digna de uma alta Potestade.
Os meus parabéns.

2010-04-12

O PEC

Este acrónimo tenebroso parece que veio para ficar.
Ele apareceu com Manuela Ferreira Leite que descobriu ou introduziu em Portugal um princípio revolucionário que consiste em considerar que a parte é independente do todo.
De facto, os impostos sempre foram definidos como a retirada de uma fatia do bolo individual, supostamente para ser aplicada no bem comum.
Toda a gente pode perceber isto ainda que não concorde, é o princípio do dízimo da Igreja, é a lógica do “Contrato Social” de Rousseau.
A inovação de Manuela, ao introduzir o PEC, foi a de considerar que poderia haver fatia independentemente do bolo, é um PEC, um Pagamento Especial por Conta, é uma fatia por conta do bolo que presumivelmente se vai criar, se não por ti, pelo teu filho ou alguém, usando a mesma lógica da fábula do lobo e do cordeiro, que La Fontaine nos contou.
É um pagamento por conta de algo imaginário, que eventualmente se pode realizar, embora isso já não seja um problema do cobrador.
Foi esta separação semântica entre bolo potencial e bolo real que foi assim cómoda e liminarmente ultrapassada.
Mas o acrónimo não ficou por aqui, hoje já temos outro PEC que dizem significar Plano de Estabilidade e Crescimento.
Será ?
Pelo que vejo, para mim, é apenas outra forma do mesmo princípio, é apenas outro Pagamento Especial por Conta, só que agora já nem precisa haver bolo potencial é apenas por conta da crise e pronto, paga que é o PEC, seja lá o que isso for.

2010-04-05

Um post que deveria ser de 3 de Abril

Passaram hoje 42 anos e 2 dias desde que martin Luther King proferiu em Menfis, Tennessee uma notável peça de retórica que ficou para sempre conhecida pelo nome de “Last Speech”.
Notável porque é um texto magnífico em todos os seus aspectos, de uma enorme elegância e beleza e formalmente irrepreensível.
Notável também porque é um texto profético, onde Martin Luther King Junior depois de percorrer os grandes marcos da sua notável carreira, anuncia o seu próximo fim que iria ocorrer, por assassinato, no dia seguinte, no fatídico dia 4 de Abril de 1968.
No vídeo abaixo fica a memória do último, profético, parágrafo do seu discurso.
Mais abaixo fica o texto total do último discurso, traduzido para português do original por mim.
È um texto longo mas de modo nenhum fastidioso, pelo que apelo a que seja lido na íntegra.





O último discurso

Muito obrigado, meus amigos. Enquanto ouvia Ralph Albernathy na sua eloquente e generosa introdução, pensei em mim e questionei-me, de quem estaria ele a falar?. É sempre bom ter o nosso melhor amigo e companheiro a dizer coisas boas a nosso respeito e Ralph é o maior amigo que eu podia ter neste mundo.

Estou encantado de ver cada um de vocês aqui, apesar de se aproximar tempo tempestuoso. Vocês mostram que estão dispostos a continuar aconteça o que acontecer. Alguma coisa se passa em Memfis, alguma coisa se passa no nosso mundo.

Como sabem, se eu estivesse no princípio dos tempos, com a possibilidade de ter uma vista panorâmica sobre toda a história humana até este momento e o Todo Poderoso me dissesse “Martin Luther King, em que época gostavas de viver?” Eu faria o meu voo mental através do Egipto ou antes através do Mar Vermelho, pelos campos, até à terra prometida. Mas apesar da sua magnificência não me quedaria aí. Ter-me-ia movido pela Grécia e levaria a minha mente ao Monte Olimpo. E veria Platão, Aristóteles, Sócrates, Eurípedes e Aristófanes reunidos em volta do Partenon discutindo as grandes e eternas questões da realidade.

Mas não me quedaria aí, continuaria mesmo até aos dias gloriosos do Império Romano E assistiria aos acontecimentos que ocorreram por ali por vários imperadores e Chefes mas não me quedaria aí. Chegaria mesmo ao dia do Renascimento e teria uma imagem de tudo o que o renascimento fez pela vida cultural e estética do homem. Mas não me quedaria aí. Chegaria próximo do homem que inspirou o meu nome e do seu habitat. E veria Martinho Lutero a pregar as suas noventa e cinco teses na porta da Igreja de Wittenberg.

Mas não me quedaria aí. Eu chegaria mesmo até ao ano de 1863 para ver um Presidente vacilante, de nome Abraão Lincoln finalmente chegar à conclusão que tinha de assinar a Proclamação de Emancipação. Mas não me quedaria aí. Chegaria mesmo aos primeiros anos 30 para ver um homem enfrentar os problemas da bancarrota no seu país e proferir com um grito eloquente que não temos nada a temer a não ser o próprio medo.

Mas não me quedaria aí. Embora estranhamente voltar-me-ia para o Todo Poderoso e diria “Se me deixar viver apenas alguns anos na segunda metade do século XX, ficaria satisfeito” Embora seja um estranho pedido, dado que o mundo está totalmente baralhado, a Nação está doente, os problemas estão entranhados na terra. A confusão está em todo o lado. É um estranho pedido. Mas de qualquer modo eu sei que é apenas quando está suficientemente escuro é que se vêm as estrelas. E vejo Deus trabalhando neste período do século XX, duma maneira em que o Homem, de forma estranha, está respondendo – Alguma coisa se está passando no nosso mundo, as massas humanas estão a levantar-se. E seja onde for que se reunam hoje, seja em Joanesburgo, Àfrica do Sul, Nairobi, Quénia, Acra, Gana, Nova Iorque, Atlanta, Geórgia, Jacson, Mississipi ou Mênfis, Tennessee—o grito é sempre o mesmo “Queremos ser livres”.

E outra razão porque eu gosto de viver nesta época é porque fomos forçados até um ponto onde teremos que nos confrontar com os problemas com que os homens se têm tentado confrontar ao longo da história, mas as exigências não o forçaram a isso, a sobrevivência exigiu que nos confrontássemos, o Homem já há anos que fala de guerra e paz. Mas agora já não pode apenas falar disso, já não há no mundo, uma escolha entre a violência e a não-violência, agora é não-violência ou não-existência.
E é aqui que estamos hoje e na revolução dos direitos humanos, se alguma coisa não é feita e já, que leve as pessoas de cor, no mundo a sair dos longos anos de pobreza, dos longos anos de sofrimento e desprezo, todo o mundo estará condenado. Agora estou apenas feliz porque Deus me concedeu viver nesta época e ver o que se está a passar e estou feliz por Ele me ter permitido estar em Mênfis.

Consigo lembrar-me, consigo lembrar-me de quando os negros apenas andavam por aí, como Ralph disse, muitas vezes, coçando onde não tinham comichão, e rindo-se quando não lhes faziam cócegas. Mas esse dia acabou, agora é a sério, e estamos determinados a ganhar o nosso legítimo lugar no mundo do Senhor.

E é apenas disto que isto se trata, não estamos envolvidos em protestos negativos, nem temos argumentos negativos com ninguém. O que dizemos é que estamos determinados a ser homens, estamos determinados a ser povo, Estamos a dizer que somos filhos de Deus, e que não temos de viver como nos têm forçado a viver.

Agora, o que é que isto tudo significa neste grande período da história? Significa que temos que estar juntos, temos de estar juntos e de nos mantermos unidos. Sabem que quando o Faraó quis prolongar o tempo de escravidão no Egipto, tinha uma fórmula favorita para fazer isto. Qual era? Mantinha os escravos a lutar entre eles, mas sempre que os escravos se uniam acontecia qualquer coisa na corte do Faraó e ele não conseguia manter os escravos na escravidão, quando os escravos se unem é o princípio da saída da escravidão, Vamos nós manter a união agora.

Em segundo lugar, vamos deixar a questão onde ela está, a questão é a justiça, A questão é a recusa de Mênfis de ser correcta e honesta ao lidar com os seus funcionários públicos que por acaso são funcionários de limpeza. Agora temos que voltar a nossa atenção para aí. Há sempre problemas com o uso de uma pequena violência. Sabem o que se passou no outro dia, mas a imprensa só ligou à quebra de vidros. Eu li os artigos. Eles raramente chegam a mencionar o facto de que mil e trezentos empregados de limpeza estão em greve, e que Mênfis não está a tratá-los correctamente e que o Presidente da Câmara Loeb, precisa desesperadamente de um médico, Eles não chegaram a mencionar isso.

Agora vamos marchar outra vez e precisamos de marchar outra vez, para pôr o assunto onde ele deve estar. E forçar toda a gente a ver que há mil e trezentos filhos de Deus aqui a sofrer, às vezes com fome, passando noites escuras e ameaçadoras, esperando ver como tudo se vai resolver. É esta a questão. E nós temos de dizer à nação: Nós sabemos que se vai resolver, porque quando as pessoas são apanhadas com aquilo que é a razão e estão dispostas a sacrificar-se por ela, não há nenhum ponto de paragem tão perto da vitória.

Não vamos deixar que nenhum bastão nos faça parar. No nosso movimento de não-violência, somos mestres em desarmar forças policiais; eles não sabem o que fazer, já o vi muitas vezes. Lembro-me em Birmingham, Alabama, quando estivemos naquela majestosa luta lá, e saíamos da igreja Baptista da 16ª rua, dia após dia; saíamos às centenas. E Bull Connors mandava soltar os cães e vinham os cães, mas nós enfrentávamos os cães cantando “Não vou deixar que ninguém nos faça voltar para trás”. Bull Connors então mandava ligar as mangueiras de bombeiros. Mas como eu disse no outro dia Bull Connors não sabia nada de história. Sabia uma espécie de física que não se relacionava com a transfísica que nós sabíamos e era o facto de que há certo tipo de fogo que não se apaga com água e nós enfrentamos as mangueiras, nós conhecíamos a água, se fossemos Baptistas ou qualquer outra denominação teríamos ficado imersos, se fossemos Metodistas ou alguns outros, ficaríamos molhados mas nós conhecíamos a água.

A água não nos deteve, e prosseguimos em frente dos cães e olhámos para eles, prosseguimos em frente das mangueiras e olhamos para elas e continuamos a cantar “Sobre a minha cabeça eu vejo a liberdade no ar” e depois metiam-nos em carros celulares e por vezes éramos amontoados como sardinhas em lata e eles atiravam-nos lá para dentro, depois o velho Bull diziam tirem-nos para fora e assim faziam. E nós nos carros cantávamos “we shall overcame” e, de vez em quando metiam-nos na prisão, e víamos os carcereiros a espreitar pelas janelas a comoverem-se com as nossas preces e as nossas palavras e o nosso canto. E aí havia uma força a que Bull Connors não se sabia ajustar, e então acabamos por transformar o Touro (Bull) num vitelo. E vencemos a nossa luta em Birmingham.

Agora temos que avançar para Mênfis da mesma maneira, eu apelo a que estejais connosco Segunda-Feira. Agora acerca de providências cautelares, nós temos uma providência cautelar e vamos a tribunal amanhã de manhã para combater esta providência inconstitucional. O que vamos dizer à América é apenas isto “mantém-te fiel ao que escreveste” Se eu vivesse na China ou até na Rússia, ou qualquer país totalitário, talvez eu compreendesse a negação de certos privilégios básicos da 1ª Emenda, porque eles ali não se comprometeram a tal. Mas eu li algures sobre o direito de reunião, eu li algures sobre a liberdade de expressão e li algures sobre a liberdade de imprensa, li algures que a grandeza da América provem do direito de protestar pelo que é direito. Portanto, tal como eu digo, nenhuma providência vai alterar o nosso rumo. Nós vamos continuar.

Precisamos de todos vocês, e sabem o que é belo para mim, é ver todos os Ministros do Evangelho, é um retrato maravilhoso. Quem será capaz de interpretar os desejos e aspirações do povo melhor do que o “pastor”? “Pastor que deve ser um Amos e dizer: “Deixem a justiça fluir como a água e a rectidão como um rio caudaloso”. Que deve dizer como Jesus “O espírito do senhor está sobre mim, porque me ungiu para lidar com os problemas da pobreza”.

E eu quero recomendar os “Pastores”, sob a liderança desse nobre homem: “James Lawson, um dos que tem vivido nesta luta desde há longos anos, que esteve preso por lutar, mas que ainda continua lutando pelos direitos do seu povo. Reverendos Ralph Jackson, Billy Kiles; eu poderia continuar lendo esta lista de nomes mas o tempo não o permite. Mas quero agradecer-lhes a todos e quero que vocês lhes agradeçam porque muitas vezes os “Ministros de Deus” não se importam com nada senão consigo mesmo. E eu fico sempre feliz de encontrar um “Ministério” relevante.

Está bem que se fale de “longas vestes brancas à distância”, com todo o seu simbolismo. Mas ultimamente as pessoas querem fatos e vestidos e sapatos para usar agora e aqui. Está bem que se fale sobre “ruas onde escorre o leite e o mel”. Mas Deus ordenou-nos que nos preocupássemos com os tugúrios aqui e com os seus filhos que não conseguem comer 3 simples refeições por dia. Está bem que se fale da Nova Jerusalém mas um dia, os pregadores de Deus, terão de falar da Nova York, da nova Atlanta, da nova Filadélfia, da nova Los Angeles, da nova Mêmfis, Tennesse. É isto que temos de fazer.

Agora, a outra coisa que temos de fazer, é isto: Apõem sempre a nossa acção directa externa na nossa marginalidade económica. Agora, somos gente pobre, individualmente, somos pobres quando comparados com a sociedade da América. Somos pobres. Nunca parem e esqueçam que colectivamente, quer dizer todos nós juntos, colectivamente, somos mais ricos que todas as nações do mundo, com a excepção de 9. Já tinham pensado nisto? Tirando os estados Unidos, a Rússia Soviética, o Reino Unido, A Alemanha Ocidental, a França e poderia nomear os restantes, o Negro colectivamente é mais rico do que a maioria das nações do mundo, temos um pouco habitual rendimento de mais de 30 biliões de dólares por ano, o que é mais do que todas as exportações dos Estados Unidos e mais que o orçamento anual do Canada. Sabiam disto? Esse poder está aí se soubermos como o pôr a render.

Não temos que discutir com ninguém, não temos que rogar pragas e sermos malcriados com as nossas palavras. Não precisamos de nenhuns tijolos nem de garrafas, não precisamos de “cock-tails” Molotov, só precisamos de ir a estes armazéns e a estas indústrias de massas do nosso país e dizer: “Deus mandou-nos aqui para vos dizer que vocês não estão a tratar os seus filhos correctamente e viemos aqui para vos pedir que ponham isto no topo da vossa agenda – tratamento justo para com os filhos de Deus. Se todavia não estiverem dispostos a fazer isto temos uma agenda a cumprir. E a nossa agenda passará por retirar-vos todo o apoio económico”.

Como resultado disto pedimos a vocês agora que vão e digam aos vossos vizinhos que não comprem mais Coca-Cola em Mênfis, vão e digam-lhes para não comprarem leite “sealtest”, digam-lhes para não comprarem, Como se chama o tal pão? “wonder Bread” e qual é o pão da outra empresa Jesse? Digam-lhes para não comprarem “Heart Bread”. Como o Jesse Jackson nos disse, até agora só os homens do lixo sofreram; agora temos que distribuir o sofrimento. Escolhemos estas empresas porque não se têm portado bem nas suas políticas de emprego e escolhemo-las porque elas podem começar a dizer que vão atender as necessidades e direitos destes homens em greve e depois podem ir lá abaixo e dizer ao “Mayor” Loeb para fazer o que deve.

Mas não apenas isso, temos que fortalecer as instituições dos negros. Peço-vos que tirem o vosso dinheiro dos bancos por aí e ponham-no no “Tri-State Bank – nós queremos um movimento de concentração de poupanças em Mênfis, então passem pelas associações de poupança e crédito. Não vos estou a pedir nada que nós não façamos também na SCLC. O Juiz Hooks e outros podem-vos dizer que nós temos uma conta aqui na Associação de Poupança e Crédito da “Southern Christian Leadership Conference”. Estamos a dizer-vos que façam como nós. Ponham o vosso dinheiro aí.
Temos 5 ou 6 Companhias de Seguros de negros em Mênfis. Levem os vossos seguros para lá, Nós queremos ter uma concentração de seguros.

Agora há algumas coisas que podemos fazer. Iniciamos o processo de construir uma maior base económica. E, ao mesmo tempo, pressionamos onde realmente magoa. Peço-vos que sigais por aqui.

Agora que me aproximo da minha conclusão deixem-me dizer-vos que nos temos de dedicar a esta luta até ao fim. Nada seria mais trágico do que parar agora, em Mênfis. Temos de prosseguir. E quando fizermos a nossa marcha temos que lá estar. Preocupados com o nosso irmão. Podem não estar de greve. Mas ou vamos todos juntos ou cairemos todos juntos.

Temos que desenvolver uma espécie de generosidade perigosa. Um dia um homem veio até Jesus, e queria colocar algumas questões sobre coisas essenciais da vida. Nalguns momentos ele queria atrapalhar Jesus, mostrar-lhe que sabia um pouco mais do que ele e assim subjugá-lo. Essa questão podia facilmente acabar num debate filosófico e Teológico. Mas Jesus apanhou essa questão no ar e colocou-a numa curva perigosa entre Jerusalém e Jericó. E falou de um certo homem assaltado por ladrões. Lembram-se que um Levita e um Padre passaram ao lado. Não pararam para ajudar o homem. Finalmente um homem de outra raça apareceu, apeou do seu cavalo e decidiu não ter compaixão por procuração. Mas directamente deu-lhe os primeiros socorros e ajudou o homem naquela necessidade. Jesus acabou por dizer que este era o homem bom, porque teve capacidade de projectar o “Eu” no “Tu” e de se preocupar com o seu irmão. Agora, como sabem, usamos muito a imaginação para determinar a razão porque o Padre e o Levita não pararam. Por vezes dizemos que estavam ocupados a ir para uma reunião na Igreja - uma reunião eclesiástica – e deviam seguir para Jerusalém para não chegarem atrasados a essa reunião. Outras vezes especulamos que haveria uma lei religiosa que determinava “Quem está envolvido numa cerimónia religiosa não deve tocar num outro corpo humano 24 h antes da cerimónia”. E às vezes pensamos que talvez eles não fossem para Jerusalém ou para Jericó mas antes para organizar uma “Associação de melhoramentos da estrada de Jericó”. É uma possibilidade. Talvez pensassem que era melhor lidar com as causas do problema em vez de se envolverem numa questão individual.

Mas vou dizer-vos o que a minha imaginação me dita. È possível que esses homens tivessem medo, estão a ver, a estrada de Jericó é uma estrada perigosa. Lembro-me quando a minha mulher e eu estivemos pela primeira vez em Jerusalém. Alugamos um carro e fomos de Jerusalém a Jericó, e no momento em que estávamos nessa estrada eu disse à minha mulher “estou a ver porque é que Jesus escolheu esta estrada para palco da sua parábola” é uma estrada serpenteante, cheia de curvas mesmo apropriada para emboscadas. Começa em Jerusalém que é cerca de 1200 milhas ou antes 1200 pés sobre o nível do mar e quando se chega a Jericó, após 15 ou 20 minutos estamos a 2200 pés acima do nível do mar. è uma estrada perigosa. Nos tempos de Jesus chamavam-lhe o “caminho sangrento” E, como vêm é possível que o Padre e o Levita olhassem para aquele homem no chão e pensassem que talvez os ladrões ainda andassem por aí. Ou talvez pensassem que o homem no chão estivesse a fingir. Como se tivesse sido assaltado e ferido, para os atrair para os manter ali e apanhá-los rápida e facilmente na sua armadilha. Portanto a primeira pergunta do Levita foi “Se eu paro para ajudar este homem o que me irá acontecer?”. Mas então veio o Bom Samaritano e inverteu a pergunta: “Se eu não paro para ajudar este homem o que lhe irá acontecer?”.

Esta é a pergunta que enfrentamos hoje. Não é “Se eu parar para ajudar os funcionários da recolha do lixo o que vai ser das horas que eu normalmente passo, todas as semanas, no meu escritório em trabalho pastoral?” A resposta não é “ Se eu parar para ajudar este homem necessitado o que é que me irá acontecer?”. “Se eu não parar para ajudar os funcionários da recolha do lixo, o que é que lhes irá acontecer?”. Esta é que é a questão.

Vamo-nos erguer hoje com grande prontidão. Vamos permanecer com grande determinação. E vamo-nos mover nestes dias poderosos, nestes dias de desafio para tornar a América no que ela deve ser. Temos uma oportunidade para tornar a América uma nação melhor. E quero agradecer de novo a Deus por me deixar estar aqui convosco.

Sabem, há alguns anos, estava em Nova York autografando o meu primeiro livro. Enquanto estava sentado autografando livros, chegou uma mulher negra louca. A única pergunta que ouvi dela foi: “O Sr. é Martin Luther King?”.

Eu estava a olhar para baixo, escrevendo e respondi “sim”. No próximo minuto senti uma pancada no meu peito. Antes de me ter apercebido fui esfaqueado por esta mulher louca. Levaram-me a correr para o Hospital de Harlem. Era uma escura tarde de sábado. E aquela lâmina tinha-me trespassado, o raio X revelou que a ponta da lâmina ficou à beira da minha artéria aorta, a principal artéria, que uma vez perfurada, afogamo-nos no próprio sangue. È o nosso fim.

Saíu no New York Times, no dia seguinte, que se eu espirrasse morreria. Bom, quatro dias depois, permitiram-me, depois da operação, depois do meu peito ter sido aberto e a lâmina retirada, permitiram-me começar a circular em cadeira de rodas no hospital, permitiram-me que lesse algum do correio que tinha chegado para mim, de todos os Estados e do Mundo. Chegaram cartas amáveis, li umas poucas mas há uma de que nunca me esquecerei. Recebi cartas do Presidente e do Vice Presidente, já me esqueci do que diziam esses telegramas, recebi visita e uma carta do Governador do Estado de Nova York mas já me esqueci do que dizia essa carta. Mas havia outra carta de uma miúda, uma jovem menina, aluna da Escola de “White Planes”. Olhei para essa carta e nunca me esquecerei, dizia, simplesmente: “Caro Dr. King, sou uma aluna do nono ano da escola de White Planes” Dizia “Embora isso não tenha importância gostaria de lhe dizer que sou branca. Li no Jornal sobre a sua infelicidade e o seu sofrimento e li que se tivesse espirrado teria morrido. Escrevo-lhe apenas para lhe dizer que estou muito feliz por não ter espirrado.”

E eu quero dizer esta noite, quero dizer que estou feliz por não ter espirrado. Porque se tivesse espirrado, não andaria aqui em 1960 quando os estudantes do Estados do Sul começaram a sentar-se nas filas da caixa do almoço. E eu sabia que quando eles estavam sentados estavam de facto de pé para o melhor do sonho americano e levando toda a nação para as velhas fontes da democracia que tinha sido escavadas profundamente pelos pais fundadores na Declaração de Independência e na Constituição. Se eu tivesse espirrado não teia estado em 1962 quando os negros de Albany e Georgia decidiram endireitar as costas e quando os homens e as mulheres endireitam as costas podem ir a qualquer lado, porque ninguém poderá montar no vosso lombo se não estiverem curvados. Se eu tivesse espirrado não estaria aqui em 1963 quando os povo negro de Birmingham e do Alabama levantaram a consciência da nação e trouxeram à luz do dia a lei dos direitos civis. Se tivesse espirrado não teria tido a hipótese de, mais tarde nesse ano, em Agosto, tentar contar à América sobre um sonho que tinha tido. Se tivesse espirrado não teria estado em Selma, Alabama para ver o grande movimento que se passou lá. Se tivesse espirrado não teria estado em Menphis a ver a comunidade congregar-se em torno dos irmãos e irmãs que sofriam. Estou tão feliz de não ter espirrado.

E estavam a dizer-me, agora já não importa agora. Já não importa verdadeiramente o que acontecer agora. Deixei Atlanta esta manhã e quando levantámos no avião, havia 6 de nós., o piloto disse no altifalante “Lamentamos o atraso, mas temos o Dr. Martin Luther King no avião e para garantir que toda a bagagem fosse inspeccionada e para garantir que nada corra mal no avião tivemos que verificar tudo, com muito cuidado, e tivemos o avião guardado e protegido toda a noite”

Então cheguei a Menphis e alguns começaram a falar das ameaças que havia ou das ameaças que já não havia, do que me iria acontecer a partir de alguns irmãos brancos doentes.

Bom, não sei o que vai acontecer agora. Temos uns dias difíceis adiante. Mas isso já não tem importância para mim. Porque eu estive no topo da montanha. E já não quero saber. Como toda a gente, gostaria de ter uma vida longa. A longevidade tem a sua razão de ser. Mas não me preocupo com isso agora. Quero apenas a vontade de Deus e Ele já permitiu que eu chegasse ao topo da montanha. E olhei em volta. E vi a Terra prometida. Posso não chegar lá com vocês. Mas quero que saibam esta noite, que nós, como um povo, chegaremos à Terra prometida. E estou feliz, esta noite. Não estou preocupado com nada. Não tenho medo de homem nenhum. Os meus olhos já viram a glória da chegada do Senhor.


Martin Luther King Junior

2010-04-03

Elogio do tremoço

O tremoço, de seu nome oficial, “Lupinus Albus” tem o condão de saber conviver muito bem com a pobreza sem perder aquele ar nobre que lhe é próprio, a nobreza das grandes iguarias.
O seu valor de uso é quase infinitamente superior ao seu valor de mercado.
Depois, é bem português, encontra-se em todo o país e, ocasionalmente, nas ex-colónias portuguesas.
Vi-o muito em Angola, no tempo colonial, vi-o em Moçambique, já depois da sua independência, e nunca o vi no Brasil, embora me digam que é consumido no Sudoeste.
A verdade é que nunca o vi em mais lugar nenhum, nem em Espanha, aqui mesmo ao lado, nem por toda a Europa e América por onde andei. Na Ásia não sei ainda porque nunca lá fui.
Contaram-me que um famoso chefe internacional terá referido que o que mais apreciava em Portugal era este velho hábito de beber cerveja acompanhada de tremoços. Ele lá sabe.
Quanto a mim , lamento essas nações que não descobriram ainda o tremoço, costumo dizer que quando o tremoço estiver ao preço do caviar eu hei-de fazer umas poupanças para poder comer alguns gramas dele.
Todavia pode haver uma explicação para este desprezo.
Há muitos anos, quando trabalhava em Angola, um botânico belga que também lá trabalhava ficava horrorizado de nos ver comer tremoços com a cerveja e dizia-nos: “isso está cheio de alcalóides, não sei como vocês comem isso e sobrevivem”
Nós estavamo-nos marimbando para os alcalóides letais, nunca nos preocupámos e continuamos até hoje a comer tremoços, ora essa.
A verdade é que o belga tinha razão, o Sr. “Lupinus” nasce cheio de alcalóides, ele é a anigirina, a espartaína, a lupanina, a luteona e a wighteona e, qualquer um deles, é capaz de nos matar em pouco tempo, só que nós aprendemos a tirar todos esses venenos, com lavagens sucessivas e não sei mais o quê.
Em boa hora aprendemos a lidar com o tremoço, ficando assim a ser o único povo que tem o monopólio desse prazer.

2010-04-02

Tostões e milhões

Duas historinhas

O Sr. Fonseca tem uma pequena pastelaria de bairro.
Há uns dias a minha mulher e uma amiga, acompanhadas do meu neto estiveram lá para um breve chá, torradas e uns bolinhos. A despesa foi de 3,5€.
O Sr. Fonseca, a certa altura trouxe 2 rebuçados para dar ao meu neto.
Coloco a questão: O Sr. Fonseca terá querido corromper a minha mulher e a sua amiga?
Cometeu o crime de corrupção?
O seu intuito parece-me óbvio, foi ser simpático criar boa impressão de forma a facilitar que aquelas clientes lá voltem, façam despesas semelhantes e o seu negócio prospere.
O seu investimento terá sido de cerca de 0,3 por cento da despesa ocorrida, foi isto que despendeu para promover o seu negócio, para alcançar aquele objectivo.
Será isto corrupção? Ou apenas simpatia e boas maneiras?
Penso que a generalidade das pessoas responderão apenas que o Sr. Fonseca é atencioso

Entretanto.

O Sr. Klauss Lesker administra uma empresa que vende submarinos, cada um a um preço que parece rondar os 800 000 Milhões de Euros.
O Sr. Klauss, para promover uma venda de 3 submarinos a Portugal terá dado cerca de 1,6 Milhões de Euros ao Cônsul Honorário de Portugal na Baviera, Sr. Jurgen Adolf e, eventualmente, um pouco também a alguns outros intervenientes.
Foi uma simpatia inferior a 0,1 por cento do valor das prováveis vendas.
O Sr. Klauss Lesker investiu menos no seu negócio do que o Sr. Fonseca.
E não pergunto se isto é corrupção porque a justiça alemã e portuguesa, assim como ambas as opiniões públicas, dizem que sim.

Qual a diferença então?

È apenas uma questão de dose e que dose, de facto, passar de 2 rebuçados para 1,6 Milhões de Euros, embora nos dois episódios as motivações e o esforço empregue para defender os seus negócios tenha sido semelhante, quero dizer quase exactamente os mesmos.

A verdade é que na economia, na vida, existem dois mundos iguais porém completamente diferentes, apenas por uma questão de doze:
O mundo em que nos movemos nós, comuns mortais, é o mundo das unidades mas há também o mundo dos milhões onde vivem alguns outros ou porque os têm ou porque os administram e a eles têm acesso.
Num mundo ou noutros somos todos os mesmos homens com os mesmos comportamentos.

2010-03-26

Bulling

Eu não queria falar disto, até a palavra me incomoda, “bulling”.
No meu tempo de estudante e presumo que em todos os tempos de estudante, não havia “bulling” o que havia era porrada, andávamos muito à porrada e nesse jogos dá-se e leva-se, eu até fui um que levou bastante mas também deu alguma coisa.
E essa porrada não tinha sentido nenhum, no plano imediato, era, como julgo que agora, uma simples questão de afirmação de poder, na “alcateia”, a tentativa de estabelecer uma hierarquia.
Nesse jogo os mais fortes fisicamente levavam a melhor, e depois havia um séquito de fracos que adulavam os fortes e servindo-os escapavam, lamentavelmente, eram os fracos, independentes que apanhavam mais. Embora, mesmo para esses por vezes houvesse todo um jogo de alianças e de manhas, que minimizavam os danos, ainda que para alguns mais frágeis ficassem marcas profundas e um intenso sofrimento.
Aliás, no meu tempo, era na escola primária que isso se via mais, entre os 6 e os 10 anos, a partir daí a força física deixava de ser o único valor, o aspecto físico e a força económica ganhavam outro estatuto e a linguagem, o voto ao ostracismo, as pequenas sacanices levavam a melhor sobre a porrada.
Era duro, gerava medos e inseguranças mas sempre encarei tudo isso como uma parte do processo educativo, para nos preparar melhor para o “bulling” constante que enfrentamos na vida, a mesma agressividade gratuita, a mesma violência descabida.
Agora, com esta simples palavra em Inglês, ganhou, como tudo, o estatuto de espectáculo.

2010-03-20

A globalização contada às crianças

Parte V

A globalização


Amiguinhos

A globalização é a civilização mas em grande, em tão grande que envolve o mundo inteiro.
Nós já falámos de como o ouro se tornou essencial para termos acesso às coisas e falámos também no papel moeda que faziam alguns homens a que chamamos bancos, que guardavam o ouro dos outros e escreviam num papel a quantidade de ouro que guardavam e que restituíam quando o papel lhes era dado de novo, menos um bocadito para pagar o seu trabalho.
A imaginação do homem continuou a inventar coisas, muitas coisas, até ao dia de hoje, onde já temos carros aviões, televisão, internet e telefones que permitem que os vários bandos de homens e os vários Estados rapidamente contactem uns com outros e comprem e vendam produtos.
Entretanto os tais bancos começaram a notar que o ouro que gastavam ficava lá muito tempo guardado, porque o papel permitia comprar tudo sem se ter o trabalho de carregar o tal ouro e, então, pensaram assim, eu posso passar mais papéis do que o ouro que tenho porque eles nunca vêm buscá-lo todos ao mesmo tempo.
Assim foram fazendo e ficando mais ricos mas por vezes havia problemas porque muitas pessoas queriam o ouro ao mesmo tempo e eles não tinham para lhes entregar.
Então os Estados tomaram em mão o fazer esses papéis e, assim, cada um decidiu fazer a sua própria moeda que correspondia ao ouro que tinham guardado.
Acontece que mesmo os Estados pensavam como os banqueiros e começaram a fazer mais moeda do que o ouro que tinham.
Para as pessoas tanto fazia, porque os papéis valiam como o ouro e toda a gente o aceitava em pagamentos mas aos poucos o dinheiro ia sendo mesmo aquilo que era, apenas papel, embora um papel simbólico.
Com a internet e os cartões e tudo o mais nem sequer era preciso o papel moeda, bastava o registo, bastava ficar escrito o dinheiro que cada um tinha.
Claro que isto era uma confusão global, alguns estados tinham muito ouro e a moeda correspondente e outros não.
Certa vez houve uma grande reunião em Brenton-Woods com todos os estados para tentarem pôr ordem nisto e ficou combinado que para o dinheiro que cada estado fazia, tinha que haver a mesma quantidade de ouro ou de “dolars” que era dinheiro dos Estados Unidos, e que se prontificou a que cada “dolar” correspondesse aos seu valor em ouro. Até se criou uma espécie de polícia para fiscalizar isto, que se chama FMI, mas com ou sem polícia tudo descambou outra vez, porque mesmo os Estados Unidos começaram a fazer moeda sem terem o ouro para isso.
Para as pessoas isto tanto fazia porque o dinheiro tem sido sempre aceite mas como cada vez vale menos os preços das coisa começaram sempre a subir,.
É a chamada inflação que se diz sempre que são as coisas a subir de preço mas que na verdade é apenas o dinheiro a perder valor, sempre, sempre.
No mundo global tudo gira em volta do dinheiro e todos querem ter muito dinheiro e assim os Estados vão fazendo mais dinheiro até que um dia todos os homens percebam que aquilo é só papel, é uma abstracção é uma ficção.
È mais um produto da imaginação do homem mas que enquanto vale não temos outro remédio senão o usar porque não podemos ter nada sem dinheiro e temos de esperar que não haja mais crises financeiras que surgem quando aqui e ali se verifica o óbvio, que afinal o dinheiro não vale nada.
Mas no mundo global os homens têm que ser todos como aquele soldados do filmezinho a baixo, têm que ser como máquinas, fazer tudo como o sistema manda se não, não têm dinheiro, não têm essa coisa que só vale porque as pessoas estão convencidas de que vale.
Houve um homem sábio chamado Freud que escreveu um texto chamado “O mal estar da civilização”.
Esse mal estar, que é geral e crescente vem da constatação de que o mundo global só é viável se todos os homens deixarem de pensar pela sua cabeça e todos fizerem tal qual como o tal mundo global quer, só assim podemos viver todos juntos.
Mas, alguns, muitos de nós, não gostamos de ser máquinas.
Ainda que máquinas bonitas e bem lubrificadas e com toda a assistência técnica.
Isso dá-nos mal-estar.
No fundo, o que eu vos queria dizer é que a globalização é inviável, como ireis ver.

FIM

2010-03-18

A globalização contada às crianças

Parte IV

A civilização 2

Amiguinhos

Eu escrevo para vocês, meninos e meninas porque vocês vivem uma fase da vossa vida onde ainda estão próximos dos primeiros homens que povoaram a Terra.
Não têm de cuidar ainda do vosso sustento e de onde dormir, estão ricos de imaginação, que é o mais importante como dizia Einstein, só vos falta um pouco de conhecimento, que é o menos importante, mas requer que outros cuidem de vós.
Sei também que muitos de vós são maltratados e mal cuidados, por bem ou por mal, mas isso também acontecia a alguns dos primeiros homens.
No outro dia estive a observar com cuidado um grupo de meninos e meninas que se deslocavam da creche para uma piscina, acompanhados de 3 vigilantes adultos.
O comportamento era o que é de esperar de um grupo de seres humano, cada um diferente do outro e todos únicos.
Às vezes uns andavam mais depressa e saíam do grupo, e o vigilante tinha que os chamar, outros trocavam de posição, enfim vocês sabem como é que se deslocam em grupo. E já vi outros grupos de meninos, vestidos de igual, com bibes e dando as mãos, como lhes indicavam os vigilantes mas, mesmo assim, alguns corriam e passavam para a frente e outros paravam, por vezes.
È isto que se espera de homens livres e diferentes mas agora, olhem com atenção para este filmezinho e depois digam-me o que vêm.



Está visto, são soldados a marchar, coisa banal embora efectivamente estranha com seres humanos livres e diferentes, todos parecem um só, alinhados, vestidos de igual, até cada perna se levanta ao mesmo tempo.
Sabem o que tornou isto possível? Este comportamento hiper-disciplinado e perfeitamente inútil?
Foi precisamente a civilização.
Eles não se movem porque e como querem, andam assim porque são soldados e são supostos andarem assim. Não há outra razão.

2010-03-15

A Globalização contada às crianças

Parte III

A Civilização


Amiguinhos

Onde é que tínhamos ficado? Ah, foi na propriedade, é verdade, a propriedade que mudou tudo.
Primeiro era preciso saber o que era de uns e outros, porque sempre havia gente a pôr isso em causa. Como os humanos, entretanto, descobriram a escrita passaram a poder fazer registos mas mais importante do que isso teve que aparecer uma autoridade que esclarecesse as questões e uma polícia para evitar os roubos e juizes para arbitrar disputas e mais tudo o que faz um Estado, passou a haver Estados.
Depois, enquanto dantes se eu queria uma maçã só tinha de ir apanhá-la numa macieira, agora havia alguém que me dizia:
- Essa macieira é minha, se queres uma maçã tens que me dar alguma coisa em troca.
Dar o quê? Talvez uma pulseira que eu tivesse feito ou uma cabra que fosse minha mas uma cabra era muito por uma maçã e se lhe desse só um bocado, tinha que matar a cabra e todos perdiam, teve-se de inventar algo diferente, uma coisa que toda agente quisesse e se pudesse dividir em porções.
A certa altura usou-se o sal e assim, por uma maçã talvez pudesse dar um punhado de sal, aliás é por isso que ainda hoje se chama salário ao que se paga pelo trabalho de uma pessoa.
Mas o sal também não dava muito jeito, era difícil carregar grandes quantidades para comprar uma quinta, por exemplo, alem de que se dissolvia na água.
Falei de uma quinta porque entretanto começou também a agricultura, em lugar de apanhar o que a natureza dava os humanos começaram a imitar a natureza e a criar aquilo que mais gostavam para ter sempre à mão.
Escolheram outra coisa, o ouro, o ouro dava muito jeito, podia-se dividir em porções muito pequenas e sobretudo, por alguma razão misteriosa, toda a gente queria ter ouro.
Entretanto o dono do pomar de macieiras pensava assim, “tenho as maçãs todas que quero e ganho muito ouro por aquelas que vendo, não preciso cuidar do pomar, vou dar um bocadinho do meu ouro para que alguém cuide do pomar por mim”.
E assim foi, criaram-se cidades e como nas cidades não havia agricultura, compravam os alimentos com ouro e mais tudo o que precisavam como os tachos e panelas e a roupa enquanto outros faziam essas coisas por ouro.
Entretanto o homem ia usando a sua imaginação e inventando sempre novas coisas.
Todavia outros bandos de homens começaram a inventar carros puxados por cavalos e armas de todo o tipo, como arcos e flechas, espadas e lanças e, mais tarde, espingardas e pistolas e pensaram assim” Nós escusamos de ter esforço a fazer coisas, vamos conquistar aquele Estado e ficamos com tudo o que era deles.
Assim começaram as guerras que duram até hoje.
Mas uma coisa tinha de mudar, o ouro é muito pesado, e se eu preciso de muito ouro, para comprar coisas, como é que eu aguento com o peso? e quando vou para a guerra tenho que deixar o meu ouro sujeito a ser roubado.
Assim apareceram outros humanos que disseram “eu guardo o ouro comigo e dou-vos um papel a dizer a quantidade de ouro que deixaram comigo e quando vocês vierem mostram-me o papel e eu devolvo-lhes o ouro, menos um bocadinho que é para o meu trabalho mas se precisarem de comprar alguma coisa podem entregar esse papel ao vendedor e ele depois vem ter comigo que eu dou-lhe o ouro”. Foram estes que inventaram os bancos que perduram até hoje e o papel moeda, que são as notas como as que hoje temos.
A todo este processo, que dura até hoje chamou-se civilização.
Um homem sábio que se chamava Almada Negreiros pensou assim: “A civilização é uma intrujice”.
E, de certa maneira tinha razão, porque os humanos deixaram de ser livres e tinham que depender uns dos outros e se tinham ouro, tudo bem, mas se não tinham só podiam trabalhar para ganhar algum para sobreviverem e isto só se lhes dessem trabalho.

2010-03-14

A globalização contada às crianças

PARTE II

O amanhecer da humanidade

Amiginhos

Tínhamos ficado no ponto em que os homens e, naturalmente, as mulheres, apareceram na Terra, neste planeta que é o terceiro em volta do Sol que, por sua vez, pertence à Via Láctea e esta, como tudo, pertence ao Universo.
Naquele tempo os homens viviam mais ou menos como os seus primos macacos, em pequenos bandos de base familiar, comendo a fruta e as plantas que apanhavam e caçando e pescando os animais que comiam.
Não tinham horário de trabalho, nem havia polícia para os multar nem escolas para frequentarem, nada dessas coisas que hoje nos complicam a vida.
Mas como os homens tinham imaginação e falavam uns com os outros, lá foram inventando utensílios que o ajudavam a colher as plantas, a caçar, a pescar, a preparar os alimentos a cobrirem-se quando estava frio a abrigarem-se do mau tempo e dos animais ferozes, enfim a tornar a sua vida mais fácil e também faziam desenhos nas paredes das suas cavernas e em grandes pedras e faziam também colares, pulseiras outros adornos para andarem mais bonitos. Já eram artistas.
Vivia cada bando no seu sítio, sítio que era de todos e não era de ninguém.
Alguns bandos partiram para outros locais, alguns bem distantes e, aos poucos, acabaram por ocupar todo o planeta.
Por vezes havia disputas, por um fruto mais suculento ou porque uns arranjavam o melhor sítio para dormir e outros também queriam esse sítio e lá iam resolvendo essas questões como podiam, com palavras ou com lutas mas sem polícia, que não havia.
Aliás não havia propriedade, era tudo de todos e cada um só tinha o que conseguia arranjar ou fazer, aquilo que precisava para si e conseguia manter.
E assim passou muito tempo com os homens nesta boa vida, e de tal modo que os bandos foram crescendo.
Havia muita gente e alguns mais espertalhões, certo dia começaram a apropriar-se de lugares e de coisa que passaram a dizer que era só deles ou da sua família e não dividiam com os outros.
Quer dizer, inventaram assim a propriedade e partes do planeta passaram a ser só deles.
Foi por isso que muitos anos mais tarde, mais próximo do nosso tempo, outro homem sábio chamado Proudhon disse assim:
“A propriedade é um roubo”.
As pessoas que, no tempo de Proudhon, como agora, tinham todas as suas coisas, compradas a alguém ou herdadas e não as queriam perder, e se queriam comer fruta não tinham outro remédio se não comprá-la ao dono da fruta, diziam que Proudhon era maluco, e revolucionário.
Mas vocês, amiguinhos, já sabem que ele não estava a sonhar com um novo mundo para a frente, como fazem os revolucionários, estava apenas a meditar sobre os tempos antigos em que tudo era de todos até que alguns se apropriaram de terra e de coisas que, de facto, roubaram aos outros, enfim.

2010-03-13

A Globalização contada às crianças


PARTE I

O princípio

Meus amiguinhos:

No princípio havia a Terra mas só no princípio que nos interessa mais, porque antes, muito antes, já tinha havido o “Big Bang”, ou coisa parecida, que libertou muito fumo e muita poeira que com o tempo se foram juntando, formando estrelas e planetas a rodarem à sua volta e cometas e por aí fora, além doutras coisa que não vemos mas já aprendemos como buracos negros que puxavam tudo para si e que assim juntaram as estrelas e os seus planetas em volta, em grupinhos que se chamam galáxias.
Mas como tudo isto é muito complicado e na verdade não explica nada nem nos diz nada sobre o que existia antes do tal “Big Bang”, se é que existia coisa alguma, e se não existia que coisa havia? È tudo muito complicado, alguns homens resolveram o problema dessa complicação com uma palavra e um conceito: Deus ou deuses que fizeram tudo, porque sim, e pronto é uma explicação como outra qualquer.
Cabe a vocês descobrirem o resto.
Mas vamos ao que interessa.
Numa galáxia chamada “Via Láctea”, uma pequena estrela dessa galáxia, que se chamava Sol e que tinha alguns planetas à sua volta, tinha um, que era o terceiro mais longe de si e que se chamava Terra e que parecia diferente dos outros, tinha ou ganhou muita água e ar o que lhe permitiu a formação de uma coisa nova a que se chamou Vida.
A Vida são todos os bichos e plantas que vocês vêm que nascem, vivem, reproduzem-se e morrem deixando material que vai alimentar a nova vida que vai nascendo, mas são também bichos e plantas ou coisa parecida que vocês não vêm, porque são minúsculos e os nossos olhos não vêm, mas estão por todo o lado, até nas nossas mãos e por todo o nosso corpo e, como os bichos grandes, também estes às vezes nos ajudam outras vezes nos fazem mal, chamamo-lhes “micróbios” e há muitos e de todos os tamanhos e feitios.

Ora, parece que toda esta vida apareceu antes de uma outra forma de vida, muito especial, que somos nós e vós e a que chamamos Seres Humanos.
Tão especiais que há quem diga que fomos feitos explicitamente por ideia do tal conceito, Deus, mas outros, que não acreditam nessas coisas, dizem que não, que aparecemos como os outros bichos, por evolução, por resposta ao ambiente porque nos adaptamos melhor, porque por mero acaso enfim, adquirimos características que nos fazem viver bem neste mundo e nos tem permitido sobreviver com sucesso
O que é certo é que somos muito diferentes dos outros bichos:
Quais serão essas diferenças ?
Na realidade, no fundamental, somos como todas as outras formas de vida, nascemos vivemos reproduzimo-nos e morremos um dia.
Interagimos com os outros seres vivos, que nos ajudam, uns e nos prejudicam outros ou noutras ocasiões os mesmos mas temos armas que mais nenhum tem:
A chamada inteligência, seja lá o que isso é, a fala, que nos permite comunicar uns com os outros de forma muito precisa, e, sobretudo a imaginação.
Um homem sábio chamado Einstein, parece que disse um dia:
“A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.
Ele percebeu bem a essência do homem, é só a imaginação, por exemplo, que vos permite ver na tela do monitor do computador estas manchas coloridas de formas estranhas a que chamamos letras, e atribuir-lhes um significado.
Nenhum outro ser vivo, que conheçamos, é capaz de fazer isto, é capaz de ver mais do que dizia um outro sábio chamado Fernando Pessoa:
“Livros são papéis pintados com tinta”.
São-no para todos os seres vivos e eram para nós seres humanos, ao princípio mas a imaginação e muita evolução de que falaremos aqui depois, até chegarmos ao que somos hoje, permitiu-nos dar um sentido a toda essa tinta.