2009-03-31

Carta de Pristina – 3

Agora comecei a trabalhar.
A rotina mudou, o meu senhoria desfaz-se para me agradar, já me pôs a internet a funcionar, o comando da tv e ainda me proporcionou um outro candeeiro de leitura, dado que eu, de passagem, lhe disse que me faltava um pouco de luz para ler.
Entretanto chegou Bernard que já me mostrou Pristina, no seu todo, um parque onde se pode correr, quem gosta disso, e que tem um bar-café simpático.
Fomos jantar nos melhores restaurantes, onde só se come entre os 10 e os 20 Euros, em todos se pode fumar, o que, para mim, é bom, para outros é horrível.
Entretanto percebi porque é que cá em casa é tudo eléctrico.
Segundo me conta Bernard, a electricidade é fornecida por um empresa americana que fornece electricidade e emite facturas mas ninguém paga.
Quando uma vez ameaçou cortar o serviço por falta de pagamento, houve uma revolução de gente enfurecida com bastões e a coisa ficou assim.
Hoje ninguém sabe como é, supõe-se que alguém está a pagar, ou os contribuintes americanos ou os europeus ou ambos.
Em termos do meu trabalho, as estatísticas não existem ou existem para todos os gostos e para fundamentar qualquer decisão política.
Em conversa informal com alguns Kosovares, dizem-me que aqui não se sente a crise, todavia parece que há 40 % de desempregados, mas que lá vão sobrevivendo sem subsídio de desemprego ou será que não, que não são 40%.
O que é certo é que parece que tudo vai vivendo de biscates e da solidariedade tribal.
De facto não se vêm pedintes nem miseráveis pelas ruas.
Será que os Kosovares já descobriram o segredo da vida gratuita?

2009-03-29

Carta de Pristina – 2

Segundo dia e primeiras impressões

Acordei descansado, cerca das 8h 30 e aos poucos fui realizando tudo o que tinha de fazer para melhorar a minha estada.
Arranjei-me e saí de casa a explorar a cidade.
Desta vez segui outro caminho e consegui encontrar o tal “centro” que na véspera me tinham mostrado.
Entrei então num supermercado de maior dimensão, e aí tinha tudo o que precisava, como isqueiros, muito papel de todas as qualidades e até cerveja e vinho que os mais pequenos não vendem. Levei tudo para casa e voltei a sair mais animado.
Voltei ao “centro” e entrei num pequeno café; antes de entrar apaguei o cigarro que fumava, e já lá dentro, pedi um expresso. Foi com espanto que vi que com o expresso trouxeram um cinzeiro.
Acendi um cigarro e bebi calmamente o expresso que, não sendo uma bica, não era mau.
Pois é, ao kosovo ainda não chegou a fúria anti-tabagista, senti um prazer que me estava vedado há tempos, tomar um café fumando um cigarro, num café público.
Mas nem tudo são rosas, se o tabaco é livre, o álcool é muito limitado, ao almoço, agora num pequeno restaurante, nem cerveja havia, só a cocacola e os sumos reinavam.
São marcas do islamismo, o Kosovo é um país islâmico mitigado.

Pristina é uma cidade suja mas de facto jovem, vêm-se crianças por todo o lado, brincando nas ruas e jovens em toda a parte como já se não vê por essa Europa fora.
Jovens raparigas lindíssimas, algumas, muito poucas, com o tradicional lenço islâmico mas a grande maioria vestindo como as suas pares de qualquer país europeu.
O trânsito não é grande mas é caótico, os carros também sujos e muitos a pedir reforma, estacionam onde há um espaço, em cima de qualquer passeio. Andar a pé em Pristina é um constante ziguezaguear.
O povo é bastante simpático mas pouco atencioso. Já no avião tinha notado que o meu parceiro de lugar invadia com as pernas o meu espaço sem a mínima preocupação e vão-se vendo muitos exemplos desse tipo.
Creio que são efeitos da sua experiência traumática, de guerra e massacres Agora querem apenas viver e, desesperadamente, serem europeus como os que vêm na televisão mas são mais pobres e procuram justamente lutar para largar esse estatuto, embora passando por cima do que for preciso como sempre viram fazer.
Todavia não há uma criminalidade notável, como seria de esperar, talvez devido ainda ao seu islamismo mitigado.
Com tantas jovens lindíssimas e ansiando viver melhor, seria também de esperar prostituição intensa mas não se consegue vê-la às claras como em muitos outros lugares.
O povo de Pristina lembra-me o povo de Lisboa dos anos 50, da minha infância, a prosódia da língua é incrivelmente igual à do português europeu. Por várias vezes virei a cabeça pensando serem portugueses a falar, mas não, falavam o albanês do Kosovo.
A vida é incrivelmente barata. Produtos de multinacionais iguais aos que encontro em Lisboa estão aqui por metade do preço, o que faz reflectir sobre a questão do valor das coisas, como já procurei fazer, neste blogue, noutras ocasiões, os preços parecem ser os necessário para que as pessoas apenas comprem e não lhes sobre nada. A propósito o meu almoço custou 2€ e 15 c, foram uns bifes.
Durante a tarde, através de um café-internet, todavia sem café, consegui fazer 2 coisas das que precisava muito: telefonar para casa e publicar aqui a primeira carta de Pristina., custou-me tudo 1€ e 50c.

2009-03-28

Cartas de Pristina –1

A Viagem e chegada

A ideia de chegar antes do fim de semana, para me ambientar tutorado pelo meu amigo Bernard, que já cá vive há dois anos, ficou gorada antes da partida: nasceu um neto a Bernard e a sua mãe entrou subitamente num estado terminal, voltou a casa por uns dias.
Todavia tudo estava arranjado e tive de prosseguir mesmo assim.
A viagem foi normal, avião, aeroportos, mais avião mais aeroportos, corridas até um canto onde se possa fumar desconfortavelmente um cigarro, olhar desinteressadamente as lojas de aeroporto, todas iguais em todos os aeroportos, olhar letreiros caminhar quilómetros até aos “gates” correctos e estar atento, não vá mudar o “gate” à última hora.
Fiz a viagem assim: de Lisboa para Munique, de Munique para Viena e de Viena a Pristina.
Estive no mesmo dia em 4 capitais europeias embora, pelo que vi, fossem todas iguais.
É isto o viajar de avião!
Em Pristina, como já temia, a minha mala não estava, quando encerrou o tapete, mas quando me encontro já no ”lost and found” para participar, eis que me chamam: a mala tinha aparecido, aparentemente caída do céu ou trazida por anjos.
À minha espera estava um motorista do projecto, que diz umas coisas em inglês.
O ambiente era estranho, bom tempo primaveril mas campos cobertos de neve.
O motorista entregou-me um telefone do projecto, referindo que era local e para uso interno, no fundo mais para me contactarem do que para contactar.
Mostrou-me onde podia comprar géneros e coisas e depois de muitas voltas trouxe-me até ao meu apartamento .
Estava ansioso por o conhecer e ficar um momento só, talvez dormir um pouco, dado que tinha saído de casa às 4h da matina.
O dono do apartamento, que só fala albanês e é amputado de um braço, mostrou-me tudo.
A primeira impressão foi agradável.
Tem um quarto, um “hall” com cozinha e um mínimo de utensílios, de electrodomésticos, e de louça, uma sala de estar com tv cabo e acesso à internet, uma casa de banho e um pequeno quarto com máquina de lavar roupa e uma tábua e ferro de passar.
Fiquei feliz.
Quando me vi sozinho, escrevi um SMS para dar notícias à minha mulher mas a mensagem não seguia, lutei com o telemóvel para mudar de rede mas não encontrava outra rede, vou para a internet, para o mensager ou o skipe, mas não tinha internet, lutei com o pc e nada, nada de internet.
Tentei ligar com o meu telemóvel directamente e ele recusava-se a fazer a chamada.
Fiquei só e incomunicável. Desesperadamente.
Por fim mandei um sms do telefone que me tinham dado, quebrando as regras,
O telemóvel diz-me que seguiu a mensagem mas não tive, não posso ter nenhum “feedback”.
Ligo a televisão, que funciona mas o telecomando não, e resolvi sair para as compras essenciais.
Foi-me impossível encontrar o local que me tinham indicado, apenas um pequeno supermercado onde comprei, conforme via tudo o que precisava mais.
Foi pouco, deu para fazer um jantar de ovos mexidos com arroz e uma salsicha, acompanhado de água da torneira, e sem café e depois, lavar a loiça? Eu tinha comprado detergente mas nada, nem um paninho para a esfregar. Ficou no lava louças.
Leio um pouco e, com a noite, o frio começa a chegar, apesar de ter trazido maços de cigarros mais do que suficientes para a estadia os meus dois isqueiros resolvem falhar os dois, o fogão é eléctrico e não há um fósforo em casa, encontro um cobertor para pôr sobre a cama, e deito-me quase a tiritar de frio até que lá consegui aquecer um pouco.
Dormi como um anjo.

2009-03-25

Há um anúncio na televisão que me incomoda ao ponto da náusea

Trata-se de um anúncio onde um jovem que cai de uma escada e tem imensos acidentes, à medida em que dois colegas escondidos introduzem alguma coisa numa entrada USB de um computador e se riem a bandeiras despregadas das consequências terríveis de que sofre o colega.
Nem sei, nem percebo, nem quero perceber que produtos estão a promover.
Basear uma mensagem publicitária no gozo alarve pelos infortúnios de alguém provocado por outros gratuitamente é obsceno e insuportável para mim.
Sempre que o vejo saio da sala.
Mas também penso que é a única coisa a fazer, deixo o direito a qualquer imbecil de se exprimir como quiser.
Escrevi isto agora porque foi a seguir a uma reportagem onde se via o Sr. Le Pen afirmar que as câmaras de gás foram um detalhe da segunda guerra mundial e pela violência e repulsa que essa declaração gerou na assembleia francesa.
Eu tenho em conta o Sr. Le Pen como estando, também, muito perto da imbecilidade mas as suas declarações, todavia, não me fizeram sair da sala nem fazer “zapping”.

2009-03-24

É tudo uma questão de dose

Das aulas de fito farmácia que tive na formação de base do Fitiatra que sou, retive esta frase já não me lembro de que toxicologista famoso: “nada e tudo é veneno, é apenas uma questão de dose”, remetendo a toxicologia do domínio qualitativo para o domínio quantitativo.
Na altura retive a frase no contexto específico recorrendo a um exemplo que o próprio Professor dava: até a água pura e boa se nos fizerem ingerir brutalidades dela pode matar-nos.
Aos poucos fui generalizando esta frase para contextos diversos, e elegi-a ao estatuto de lei da natureza.
Lembrei-me disto a propósito dessa vergonha que foi a final do Taça da Liga.
A dose está a aumentar de ambos os lados mas não nos podemos esquecer que o erro de Lucílio Baptista, está na base das doses a mais.
Se há coisas imperdoáveis, que eu penso que não há, aquele erro foi uma dessas coisas.
Foi grosseiríssimo e no pior momento, numa final de uma taça.
Aquilo não se faz em nenhuma circunstância e se se fez tem que se pedir desculpa logo, é o mínimo que se pode exigir para fazer baixar a tenção.
A sobranceria de Lucílio Baptista de tratar tudo com um “woops! errei” só pede uma resposta: ameaças de morte.
Claro que falo apenas de ameaças, se alguém matar Lucílio Baptista por isto é evidentemente dose a mais, mas as ameaças magoam mas não matam (geralmente quem ameaça não mata, mais verdadeiro ainda do que “cão que ladra não morde”)
Isto é um apelo para dizer a todos que baixem a dose.
Aprendam e acabou.

O famoso ditado “Chinês?”

Nem sei se é Chinês mas é um bom ditado que todavia vejo citado, tanto quanto sei, completamente distorcido.
Como o aprendi o ditado era assim:
“Se quiseres matar a fome a um pobre por um dia, dá-lhe um peixe, se quiseres matar a fome a um pobre por muitos dias, dá-lhe uma cana de pesca e ensina-o a pescar.”
Só assim o ditado tem significado para mim.
O que hoje vejo é a valorização da cana em relação ao peixe, já vi referências que diziam “dá ao pobre a cana e não o peixe”, suponho que nenhum ditado milenar diria uma coisa destas.
O ditado em si, como eu o aprendi, não estabelece valores, apenas especifica situações e seguindo o ditado, neste momento de crise e de descalabro social, o apelo parece-me claramente que é para dar o peixe, muitos peixes para a quem tem fome e ensinar a pescar apenas quem não tem fome ainda.
Eu sei que o sistema tenta incorporar tudo a seu favor, até destorcer ditos antigos de sabedoria popular, mas ao fazê-lo, mostra apenas a sua própria miopia ideológica.

Kosovo

Passado o período de preparação técnica, vivo agora o da preparação logística.
Dentro de muito poucos dias, parto para essa nação que não é bem nação para esse país que não é bem país, onde o lixo enche as ruas, e a água e a luz avariam constantemente.
O Kosovo, um país com um ano de idade e que ainda gatinha.
Vou, contratado por um consórcio internacional, como “Senior Lag manager expert”, não queiram saber o que é isso porque nem eu sei bem.
As perspectivas são animadoras, estarei lá 20 dias, num apartamento que aluguei, com todo o conforto e acesso à Internet, isto é o esperado, a realidade logo verei e darei conta, se puder, aqui mesmo neste blogue.
Um dos aspectos que me parece mais interessante nesse país é o facto, único na Europa, de ter dois terços da população com menos de 30 anos e, por outro lado, ter uma enorme multiplicidade étnica, cultural e linguística.
Penso que vai ser interessante, logo direi o que vir e achar.

2009-03-21

Hoje é claramente um dia especial

Fundamentalmente comemora-se hoje o equinócio de Março, um dos dois dias do ano em que as noites duram tanto como os dias.
Embora, este ano, com rigor científico esse dia tenha sido ontem.
Depois marca o início da Primavera, Estação do ano com algum significado nos ciclos biológicos de muitas espécies nas zonas mediterrânicas, e um grande significado cultural em todo o mundo que bebeu da nossa matriz cultural comum Greco-latina.
È também o dia mundial da árvore e da floresta, por decisão de homens apoiados nessa matriz cultural.
Mais recentemente foi declarado dia mundial da poesia, traduzindo a sua dimensão telúrica.
Como a matemática é a linguagem divina, a poesia é a linguagem da dimensão imaginária do homem, e ambas falam sobre as mesmas coisa o Cosmos, a Terra, a Vida e o Homem.
Para comemorar este dia notável deixo aqui um poema igualmente notável de Almada Negreiros

A FLOR

Pede-se a uma criança.
Desenhe uma flor!
Dá-se-lhe papel e lápis.
A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas.
Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas.
A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu.
Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor!
As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor!
Contudo, a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas.
Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!


Almada Negreiros (1873-1970)

2009-03-17

Um outro poema simples


Notícia

Um ele-cóptero teve um ataque epilétrico

E caiu

2009-03-16

O valor do dinheiro

Hoje, no programa “sociedade Civil”, de que eu já falei aqui bastas vezes, mostraram um projecto de formação de crianças de 4 e 5 anos, que alguma instituição está a implementar, procurando educar essas crianças sobre a gestão do dinheiro.
E lá estavam as crianças jogando uma espécie de monopólio, com euros falsos, para aprenderem o valor do dinheiro.
Eu considero este programa obsceno, não são coisas que se ensinem às crianças, tal como o sexo, elas irão aprender tudo isso, mal ou bem, ainda que não se faça nada, o valor do dinheiro entra-lhes pela cabeça até pelos desenhos animados do Panda, deixem as crianças viver esses primeiros anos de vida sem ter que enfrentar esse problema de adultos, nessa doce ilusão de que o dinheiro é algo que terão quando crescerem para satisfazer as suas vontades.
Fiz “zapping” nessa altura para não ver essa obscenidade, que todavia todos apoiavam, até porque ensinava matemática às criancinhas.

Enquanto estou em “zapping” vou-lhes contar uma história que se passou comigo e com o meu neto Pedro.
Vindo nós dois da praia para o carro, vimos uma bonita auto-caravana estacionada ao lado do meu carro, não resisti e disse ao meu neto.
- Sabes Pedro, isto é que eu gostava de ter mas é muito caro!
Ao que ele, nos seus 4 anos, logo retorquiu para me animar
- Deixa lá avô, quando eu ganhar dinheiro dou-te uma.
- Obrigado Pedro cá fico à espera.
Desde aí, de tempos a tempos eu ia questionando-o sobre essa promessa
- Então Pedro a minha auto-caravana, quando vem?
Pedro, que nunca se esqueceu do prometido, desculpava-se sempre, ainda não era o tempo.
Certo dia, como a minha insistência era muita, acabou por me dizer:
- Pois é avô, eu prometi, deixa lá que vou falar com o meu pai.
Aí assustei-me, não cria conflitos com o meu genro que não me prometeu nada e encerrei a questão dizendo:
- Não precisas Pedro, eu espero que tu ganhes o teu dinheiro.
E nunca mais lhe toquei no assunto.

Acabado este “zapping” voltei ao programa, estava já na fase, de explicarem que era preciso ensinar as crianças desde pequeninas porque nem a maioria dos adultos sabe gerir o seu dinheiro, e deram-nos conselhos úteis:

1. Quando se pede um empréstimo tem que se ter em conta, não só a nossa situação financeira no momento mas também a futura situação ao longo do período de pagamento, e diziam que os portugueses não têm isto em atenção.
Fiquei curioso, mas nunca chegaram a explicar, o que para mim, era o mais importante, como é que vamos saber essa situação financeira futura. Indo à bruxa? Consultando um analista financeiro reputado tipo Madock? Fazendo algumas rezas? Consultando uma bola de cristal? Enfim era o que eu mais queria saber e não me disseram.

2. Quando se faz um investimento tem que se ter em conta se ele é bom ou mau, isto é fundamental, porque os bons investimento até podem render muito mas os maus podem levar-nos à ruína, é verdade pensei eu, até conheço vários exemplos, mas nunca chegaram a dizer como é que à partida se distinguem os bons dos maus e isto é que eu queria aprender, será pelo cheiro? Pela cor?

Fiquei na mesma.

2009-03-15

O segredo dos poetas

Ou da poesia que consegue, em poucas palavras, dizer tudo. Mais do que a linguagem comum permite, porque o que dizem é não só com as palavras mas com toda a imaginação que elas despertam.
Há dois magníficos poemas que me dizem o que eu vou tentando dizer neste blogue, já ao longo de 851 mensagens e procurarei continuar a dizê-lo naquelas que hão de vir.
São eles:

De Miguel Torga

Depoimento

De seguro,

Posso apenas dizer que havia um muro

e que foi contra ele que arremeti

A vida inteira.

Não, nunca o contornei.

Nunca tentei

Ultrapassá-lo de qualquer maneira.


A honra era lutar

Sem esperança de vencer.

e lutei ferozmente noite e dia,

Apesar de saber

Que quanto mais lutava, mais perdia

E mais funda sentia

A dor de me perder…

Miguel Torga

Para mim, toda a força do poema está nos primeiros 4 versos que eu tomei a liberdade de realçar.


O outro é de Carlos Drumond de Andrade, também brilhante e que me diz quase o mesmo:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drumond de Andrade

E é sobre estes gigantes que eu fiz o meu poema simples

O Muro

O muro de Torga é feito com a pedra de Drumond

2009-03-14

Incoerências

Vasco Pulido Valente na sua análise política semanal na TVI, começou ontem a criticar o governo, pela “faustosa” recepção a José Eduardo dos Santos atendendo a que este senhor não lhe parece uma pessoa digna e recomendável mas logo a seguir critica as críticas de José Lelo a Manuel Alegre, porquê?
Porque José Lelo terá feito exactamente o que Vasco acabava de fazer, confundir os planos, pessoal e político e ter classificado Manuel alegre como pessoa sem caracter.
A regra é então obrigatória para José Lelo mas não válida para Vasco.

Eu partilho com Vasco Pulido Valente a péssima impressão sobre a honestidade e o carácter de Sr. José Eduardo dos Santos mas Portugal não recebeu com pompa o Sr. José Eduardo dos Santos, o que Portugal recebeu foi Angola na pessoa do seu Presidente.

2009-03-13

Breve reflexão sobre o futebol

Não, não vou falar do descalabro do Sporting.
O que me move é o actual debate sobre as novas tecnologias aplicadas ao futebol.
O futebol é um jogo, um desporto e um espectáculo e este debate refere-se ao futebol espectáculo, neste contexto a utilização das novas tecnologias não adianta nem atrasa nada nesse espectáculo.
O vídeo pode passar a ser rei, a mediação deste espectáculo quase o exige mas o vídeo também não é Deus:
Lembro-me de um recente mundial de futebol, na Coreia, salvo erro, onde um árbitro foi mandado para casa mais cedo por uma decisão “errada” que um vídeo tinha demonstrado e quando o homem já estava em casa, outro vídeo, de outro ângulo, veio “demonstrar” que afinal a sua decisão tinha sido correcta.
Isto passou na altura como um “fait divers” mas eu retive na memória o facto, porque desde logo me colocou certas dúvidas sobre a validade e a superioridade do meio vídeo, sobre a capacidade humana que raramente é colocada.
Mas há outros meios tecnológicos à disposição, para além do vídeo, podem-se usar “chips” na bola e nos jogadores e sensores ao longo de todo o terreno para registar os fora de jogo para além de toda a dúvida.
Mas aqui, perde o espectáculo:
Como se vendem jornais quando deixa de haver dúvidas?
Como se despertam as paixões clubísticas, quando um fora de jogo não puder ser discutido?
Pressinto que se esse momento chegar as discussões e os ódios apenas mudarão dos árbitros para o pessoal que controlar esses meios tecnológicos, dado que aí também se podem fazer batotas.
E fazem-se.
É por estas e por outras que como futebol prefiro o futebol desporto, do tipo liga dos últimos, aí, pelo menos, temos a escala humana.

2009-03-11

O testamento de Kafka

Agora que o nosso parlamento parece considerar a hipótese de colocar no “main stream” a questão do “testamento vital”, para procurar evitar os embaraços que enfrentam os profissionais que têm que lidar com doentes terminais, ou talvez não, mas que absolutamente perderam a capacidade de exprimir a sua vontade, lembrei-me da grande questão ética colocada a Max Brod quando herdou os manuscritos de Kafka com expressas instruções para os destruir. Questão amplamente analisada e debatida por grandes vultos da alta cultura, como Witgenstein.
Max Brod, grande amigo e conhecedor de Kafka, sabia que esses manuscritos eram obras geniais, o que Kafka também sabia embora fosse muito descrente de que o mundo o reconhecesse.
Simplificando, porque esta questão suscita amplos debates, Max Brod, aparentemente, raciocinou assim:
Se ele queria destruir as suas obras, como aliás destruiu algumas, devia tê-lo feito ele mesmo. Quando mas deixou para eu as destruir, foi porque quis entregar a sua decisão final ao meu discernimento e, no fundo, sabia que eu não cumpriria essa promessa. Ao dar-mas, entregou-me o destino dessas obras.
Hoje, o mundo agradece a Max Brod essa “traição”. Sem essa “traição” não teríamos “O Processo”, a “Metamorfose”, “O Castelo” ou a “América” nem mesmo saberíamos, como ainda não sabemos de facto, como se chamaria esse romance, essa obra prima incompleta de Kafka.
Voltando ao testamento vital a minha questão coloca-se nesse nível.
O que me apetece escrever é “que se encarníssem nos tratamentos para me prolongar a vida”, mas isto apenas para chatear o sistema, como forma de terrorismo poético, porque no fundo o que quero nessa situação terminal, é que encontre decisores de bom senso e, sobretudo que ninguém seja punido pela lei, pela decisão que honestamente tomar, seja ela qual for.

2009-03-10

O discurso delirante

Enquanto preparo uma minha deslocação ao Kosovo, de que em breve darei conta aqui, vou assistindo ao debate que se vai fazendo em Portugal.
A crise que tinha sido prevista por muitos teóricos da margem, com base numa análise simplíssima que apenas constatava o óbvio: “Não pode ser sustentável um modelo económico que se baseie num crescimento constante, num mundo finito e limitado”, não foi ainda compreendido pelos analistas e decisores do “main stream” e eles lá persistem a construir diques, a abrir buracos, como baratas tontas, procurando que tudo volte ao normal ao tolerável, embora já reconheçam que no fundo, no fundo, ninguém sabe o que faz ou o que fazer.

Por outro lado os “media” regozijam com as “ignorantes cidadãs” que chamaram badalhoca a Carolina Salgado mas não disseram uma palavra quando, no âmbito do mesmo processo ou afim, um Senhor ou Senhora Juiz referiu que o livro de Carolina não tinha credibilidade porque vinha de quem vinha, uma ex-prostituta, subentenda-se, criando uma nova jurisprudência: “Uma prostituta ou ex prostituta é incapaz de falar verdade” dizendo a mesma coisa do que a simplicidade das “ignorantes cidadãs”: é uma badalhoca, fascista, nem me interessa o que ela diz.
Seja no mundo da política, da economia, da justiça da educação ou do que seja, vê-se a mesma alienação, apenas um discurso delirante.

2009-03-07

Os lucros da Galp e da EDP

Ambas estas empresas, apesar da grave crise internacional apresentaram enormes lucros.
A questão é a seguinte:
Devemos ficar contentes?
OuDevemos ficar tristes?

2009-03-04

Reflexão filosófica a propósito das correntes comemorações de Darwin

Para mim, assim como o pensamento dominante do Ocidente esteve, nos últimos 2 milénios, condicionado por duas grandes figuras: Sócrates e Jesus Cristo, desde o fim do século IXX emergiu um novo paradigma que se incorporou, como pôde, ao anterior, apoiado em Copérnico e Galileu, mas que é dominado por 4 novas grandes figuras: Marx, Freud, e Darwin e Einstein.

Simplifico assim para maior clareza, de facto, disse Ocidente, porque numa remota aldeia da China, por exemplo, Sócrates ou Jesus Cristo foram nomes provavelmente nunca ouvidos, mas numa remota aldeia de Portugal, se falarmos de Marx, Freud, Darwin ou Einstein, as pessoas não fazem ideia de quem foram, podem até pensar que são actores de cinema ou jogadores de futebol mas os nomes não lhes serão totalmente estranhos.

Por outro lado, quando falo de grandes figuras, não me esqueço de tantas outras, do mesmo ou de ainda maior calibre, como de Platão, de Copérnico e de Galileu, que já citei, de Newton e de Espinosa… enfim dum vastíssimo role mas que de facto não teve o mesmo efeito global, que transcenda um restrito, ainda que muito grande, grupo de estudiosos

Falemos todavia de Darwin, da origem das espécies, da evolução, da sobrevivência dos mais aptos.
Darwin, ele próprio, pressentiu a revolução que ia causar, os danos que poderia sofrer e atrasou bastante a publicação da sua obra.
Mas a clarividência impôs-se e a própria Igreja católica, com um golpe de rins, nos quais é hábil, conseguiu tudo incorporar, ainda que o criacionismo “stricto sensu” comece a ter hoje novos adeptos em novas Igrejas Cristãs, aparentemente menos aptas, sobretudo nos EUA.

Ficou todavia uma dúvida persistente, mesmo para os que não são católicos: a ética.

Darwin parece que descobriu que a natureza não tem ética, é o mais apto que vence, não o melhor ou o mais bom e, se a natureza é Deus, como para alguns filósofos, ou a Sua obra para os cristãos, Deus não terá então ética o que será também a sua negação.

E é aqui que nasce um mundo de reflexão, o que é a ética? O que é o bom? O que é o melhor?

Darwin coloca-nos assim uma nova questão: Será que a natureza não tem uma ética ou será que é na natureza que deveremos encontrar a ética?

Eu julgo que a Resposta que procuramos hoje será a resposta a esta questão.

2009-03-02

Os pobres ácaros dos colchões

Como fitiatra conheço ácaros há muito tempo.
São pequeníssimas criaturas, aracnídeos, que atormentam a vida a muitas plantas.
Temos já diversos acaricidas para os matar quando eles impedem o normal desenvolvimento das plantas que nos servem.

Segundo me demonstraram agentes de vendas de potentes aspiradores, os colchões das nossas camas são um óptimo habitat. Há centenas de anos que eles lá vivem, felizes da vida sem que eu me tenha nunca apercebido disso.
Dizem-me todavia que há gente que sofre e, de facto, é rara a criança que não demonstra alergia aos ácaros do pó, o meu filho foi um caso, analisado e comprovado pela ciência e muito provavelmente eu fui, sem saber, também uma dessas criança.
Provavelmente, dado que quase todo o ser humano, eu incluído, é alérgico à vida ou a alguns aspectos dela.
Mas, a verdade é esta, lá vamos vivendo e a presença de ácaros no meu colchão nunca foi para mim um real problema.
Hoje, ao ver um anúncio desses aspiradores, observei-o segundo o ponto de vista desses pobres ácaros.
E ouvi-os dizer:
“Há centenas de anos que convivemos com os humanos em pás.
Eles rebolam-se como querem sobre os colchões e vão deixando, células velhas escamadas da sua pele que são um maná para mim, De vez em quanto lá batem os colchões, matando-nos aos milhares mas são calamidades inevitáveis e logo a vida continua em paz.
Para quê eliminar-nos definitivamente? Para quê a “bomba atómica” desses terríveis aspiradores dizimadores.Porque será que os homens se preocupam tanto com a defesa dos animais grandes, que eles vêm à vista desarmada e, embora inteligentes, não têm nenhum respeito por nós pequeninos ácaros, ainda que sejamos visíveis com uma simples lupa?