2007-08-24

O crédito aos estudantes

Sócrates anunciou ontem, com pompa, a nova linha de crédito bonificado para os estudantes universitários.
Funciona assim: o estudante sustenta-se com o crédito enquanto estiver a estudar, uma vez licenciado e após um ano de carência começa a amortizar o empréstimo.
Do jeito que as coisas estão, essa amortização será muito provavelmente feita com o subsídio de desemprego, se o arranjar é claro.

2007-08-22

Reflexão sobre alguns comentários

Certamente já têm reparado que os postes deste blogue têm suscitado poucos comentários.
Sendo um blogue, modesto, de certo modo, intimista, que reflecte mais as questões que me ocupam o espírito e que naturalmente não despertam paixões nem porventura suscitaram ainda grande reflexão por parte da generalidade dos visitantes, considero o facto como normal.
Imaginem então o meu espanto quando vejo que os meus 2 postes sobre Pedro Abrunhosa, aqui e também aqui, onde simplesmente digo e procuro explicar porque não gosto do “artista” em questão, tem atraído progressivamente a atenção de alguns visitantes inconformados e ávidos de demonstrar que é a minha tacanhez de espírito, pobreza intelectual, frustrações e grande atrevimento que me permitem exprimir tal opinião iconoclasta.
E é esse facto em si que se torna interessante para mim:
Primeiro, porque se um dia me passar pela cabeça querer aumentar a audiência deste blogue, já tenho uma pista válida (confesso que já me tinha lembrado, para o efeito, de colocar estrategicamente “tags” do tipo “sexo anal”, “gajas boas” ou então falar mais de futebol e da perseguição do famigerado “sistema” ao meu impoluto Sporting, mas dizer mal do Abrunhosa, não, nunca me tinha ocorrido).
Depois, porque desmente cabalmente a sabedoria popular quando diz “gostos não se discutem”, é mentira, é precisamente o que mais se discute.
Por último, dou graças a Deus por não ter dito ali toda a verdade em relação ao Pedro Abrunhosa ou o meu amor próprio já teria sido completamente arrasado, é que o homem, além do mais, não sabe cantar !

2007-08-20

A Guarda vermelha e a Guarda verde

A revolução cultural chinesa teve a sua Guarda vermelha impondo a sua verdade a bem ou a mal.
Agora, à escala global mas também já neste cantinho, começa a aparecer a Guarda verde impondo a sua verdade a bem ou a mal.
Só a cor mudou, os homens e as mulheres são os mesmos.

2007-08-16

Maddie

Se o sangue encontrado no quarto que foi dos Mc Cann, não for de Madie como diz o “The Times”, a PJ não fica num beco sem saída, fica é num beco com demasiadas saídas.

2007-08-14

Fiz um poema

Chamei-lhe “esquizofrenia”
É assim:

Esquizofrenia

Meu nome é pseudónimo embora tenha vida,
Tem passado, presente e futuro provável.
O sobrenome é de rio da terra prometida,
O nome é de luso herói, de condestável.

Como Nuno Jordão assino as minhas obras,
Nome de guerra para enfrentar manobras.

É nome armadura e traje de passeio,
Com ele represento o dia a dia,
Com ele exprimo a verdade e com ele falseio,
Até que um dia desça à terra fria.

Mas outro é o meu nome verdadeiro,
Outro é o cerne do meu ser primeiro,

Chamo-me Pentalomino de Arifante,
Trago nobreza no meu sangue ardente,
Tenho braços de leão e coração de amante,
Senhor de mim, maior que toda a gente.

Já enfrentei D. Quixote, perdido no tempo,
Com o meu exército de moinhos de vento.


Li o poema mas não gostei, via-o recitado num salão dos Gouvarinhos, ou algo assim, recitado por um jovem bacharel bexigoso, com ênfase discursiva e provocando tremuras de emoção em muitas belas damas, escondendo o seu rubor por trás de um leque.
Sublime, diriam !
Mas eu estou no século XXI, o poema é anacrónico, tenho que ser um homem do meu tempo, vou voltar a escrevê-lo.
Saíu isto:

Esquizofrenia

O meu nome não é nome,
Apenas pseudónimo utilitário,
Como Pessoa dei-lhe vida e horóscopo,
Tem ressonâncias de herói,
Desfaz-se em água por fim.

Nuno Jordão, nome banal para assinar papéis
E assim desafiar os infiéis.

É nome de combate e de recreio,
Anda sempre comigo,
Serve-me para a verdade e para a mentira,
Assim será para sempre certamente.

Mas eu não sou apenas Eu,
Sou mais o outro que também sou eu.

Sou Pentalomino de Arifante,
Herói de fábula e pleno de nobreza,
Tenho comigo a força do sonho,
E sou gigante, olho de cima a natureza.

Já combati D. Quixote numa Mancha imaginária,
Levando comigo os meus moinhos guerreiros

Meu Deus, ainda não é isto, parece-me que não envergonha mas não tem génio !

Tentei então uma versão tipo Abrunhosa, sempre é mais fácil e alguns visitantes deste blogue parecem gostar do estilo.
Aqui está ela:

Esquizofrenia

O meu nome é uma quimera que percorre a cidade,
Sou um fantasma da noite que afronta a liberdade,
Não sou o meu nome, apenas a saudade.

Vivo no punho da minha espada alada
Enfrento exércitos de luz e nada
Eu sou só a realidade !


Não, não sou capaz, vou limitar-me à essência e disfarço a minha incapacidade de dizer o indizível, com esta expressão maliciosa: “se não compreenderem que se lixem !”

Esquizofrenia

Não sei quem sou.
A realidade é um sonho !
O sonho é a realidade !
O meu nome é apenas um instrumento do espectáculo.
O meu nome é um pseudónimo.
Talvez eu seja de facto, e só, o meu pseudónimo.

Desculpem-me, não tento mais, desisto !
Ou talvez o meu poema seja todo este poste !

2007-08-12

Ainda Miguel Torga

Coimbra, 29 de Junho de 1990

Já não tem remédio. As minhas relações com os governantes hão-de ser sempre uma confrontação crispada. Mesmo quando uma real simpatia nos aproxima, o diálogo nunca é naturalmente cordial. Há nele, subjacente, não sei que mútua reticência. O mais vulgar cidadão e ocasional interlocutor mantêm-se nossos semelhantes para além da condição social. Mas o político, só pelo facto de o ser, é sempre um estranho ao pé de nós. Tem qualquer coisa de um predador humano, que ameaça dia e noite a paz dos demais viventes da selva. É pelo menos o que sinto. Quero abrir-lhes o coração, e não consigo. Não sei que instinto de conservação tolhe-me o impulso de sinceridade e acirra-me a vontade de o defrontar. Sei que só um objectivo o move na vida: o poder. Que por ele de tudo é capaz, diga o que disser, pareça o que pareça. Ora nesse desejo obstinado de mando, de domínio, vejo, não sei porquê, potencialmente comprometida a minha liberdade. E retraio-me. É como se o soubesse caladamente armado contra mim.


Miguel Torga, in “Diário XVI”

O poeta telúrico

Faria hoje, faz ?, 100 anos Miguel Torga.
Certo dia escreveu o seguinte:

Montalegre, 1 de Setembro de 1990

Eram jovens, abordaram-me, gostavam do que escrevi, e queriam saber coisas de mim. Qual era o meu segredo ?
- Ser idêntico em todos os momentos e situações. Recusar-me a ver o mundo pelos olhos dos outros e nunca pactuar com o lugar comum.


in “diário XVI

2007-08-07

A infantilização global

Eu já sabia isto, muitos pensadores o têm referido de diversas formas, mas permanecia discretamente oculto no meu cérebro.
Só na conjugação de circunstâncias específicas, certas parcelas difusas do conhecimento podem surgir à luz do dia com uma enorme clareza.
Piaget chamava a este fenómeno a equilibração do conhecimento acumulado, o momento em que aprendemos de facto uma coisa.
Eu vou contar-lhes o que se passou comigo:
Nestes dias de férias na praia, levámos connosco o nosso neto Pedro de 2 anos e meio e encetámos a delicada tarefa de lhe retirar o uso das fraldas.
Pedro, não obstante a sua tenra idade, como todas as crianças começa a desenvolver um sentido moral, tem já uma noção difusa mas efectiva do bem e do mal, há palavras chave que lhe impõem respeito: a palavra “perigoso”, por exemplo. Ele evita o perigoso, e para ele é perigoso tudo o que nós, pais e avós lhe dizemos que é perigoso de uma forma insistente e coerente. Também não gosta de ser apelidado de “porcalhão” é, para ele, claramente uma palavra insultuosa.
Foi manipulando este sentido moral que lhe fomos inculcando o comportamento que entendemos correcto:
- Não toques na tomada Pedro, é perigoso e podes morrer !
A ameaça da morte não parece convencê-lo mas o perigoso sim, e para nós tanto nos faz, a realidade é que ele evita mexer nos artigos eléctricos.
Mais tarde Pedro irá crescer, saber que nós não somos deuses e não temos o monopólio da sabedoria, que há coisas perigosas que se podem mexer, sim, em determinadas circunstâncias. Enfim, vai-se tornar adulto e fazer as suas próprias escolhas de acordo com a sua própria análise, conhecimentos, sentido do risco etc.

Ontem, na SIC, ouço qualquer coisa como isto: nenhuma praia fluvial do Douro está reconhecida por, não sei quem que deve fazer esse reconhecimento, não estão vigiadas e já morreram este ano 2 banhistas.
Eu, que sei o que é um rio, que já tomei banho em muitos e nunca senti falta da vigilância, que até já apanhei ultravioletas em períodos de enorme irradiação sem sequer saber quanto era, que já saí à rua em dias verdes laranjas e encarnados de calor, porque eles ainda não me diziam de que cor eram e consegui sobreviver a isso tudo, senti claramente que falavam comigo como eu falo com o Pedro, como se eu fosse uma criança sem o mínimo discernimento.
- Não vás a uma praia fluvial no Douro, Nuno, olha que é "perigoso" !
Depois entrevistaram veraneantes nessas praias e, felizmente, estavam todos felizes da vida e nada preocupados.
Preocupada só a “avózinha” jornalista.
É isto que os média procuram fazer: infantilizar-nos.
Assim poderemos ser todos manipulados tal como eu manipulo o meu neto.

2007-08-03

Desbastes pelo alto

Em gestão florestal, quando se pretende reduzir a densidade de uma floresta superlotada existem, entre outras, duas estratégias possíveis:
Retirar as árvores mais débeis e defeituosas, criando espaço para que as melhores se desenvolvam mais – desbaste pelo baixo.
Ou, pelo contrário, retirar as mais desenvolvidas e vigorosas, realizando algum proveito imediato e na esperança que as condições mais desafogadas permitam a recuperação das mais frágeis – desbaste pelo alto.
Transpondo esta imagem para a administração verificamos que, há anos, se vem seguindo um intenso desbaste pelo alto.
Quem está por dentro poderá referir muitíssimos exemplos dessa estratégia mas agora até já surgem alguns casos nos media:
A Senhora directora da DREN que tem apresentado enormes fragilidades fica, a Senhora Directora do Museu de Arte Antiga que todos dizem tem feito um excelente trabalho, sai.
A estratégia está lá bem nítida, é o desbaste pelo alto, só resta esperar que a mediocridade medre.
E tem medrado, de facto, muitíssimo !