2005-12-24

Reflexões sobre o Natal

Assim como o cristianismo se apropriou dos ritos sociais que desde as sociedades mais primitivas marcavam os ritmos cíclicos da natureza, introduzindo-lhes novos significados, novos conteúdos, começa a provar agora do mesmo veneno.
O “Deus Mercantilista”, insidiosa e persistentemente impõe uma nova alienação.
Para os cristãos é o nascimento de Cristo que se celebra e, por extensão, mesmo para os não cristãos, é também uma festa da família, da criança, dos grupos de vizinhança e da solidariedade em geral.
A sua importância na ordem social é ainda enorme. Dizia-me um advogado brasileiro especializado em divórcios, que, no Brasil, um dos aspectos determinantes que só um advogado muito inexperiente deixa passar em branco é o da formalização de regras claras e inequívocas sobre as futuras celebrações do Natal dos filhos do casal separado.
Os presépios que desde S. Francisco ou talvez mesmo desde os primeiros cristãos se construem nesta época, marcavam simbolicamente de forma directa a unidade familiar e a solidariedade. Muitas tradições regionais vão no mesmo sentido, doações a pobres, o perdão de faltas, o manter a mesa tão farta quanto possível e aberta a quem apareça, ou essa tradição lindíssima da consoada tradicional polaca, a “Vigilia” (ler o g como em gato) onde se põe na mesa sempre mais um lugar do que o necessário, pronto para quem chegue e, se alguém chega mesmo e o ocupa, novo lugar livre deve ser criado, são tudo tradições simbólicas daquilo que se denomina como “espirito de Natal” cristão.
Vestígios das velhas tradições pre-cristãs também se mantêm, sobretudo em certos ritos gastronómicos específicos da época.
Mas para o “Deus mercantilista” não se comemora nada, apenas se pretende aproveitar a tradicional boa vontade natalícia para encher o seu “ventre” ávido e trata de arranjar a sua estória e os seu próprios símbolos, que persistentemente se vão impondo ao Natal.
Falo, claro, do chamado “Pai Natal”, figura grotesca que vive no Polo Norte, e se desloca anualmente num trenó puxado por renas voadoras. Para explicar este absurdo e fingir que ainda estão na tradição cristã dizem que é um tal S. Nicolau Bispo da Ásia Menor e que, não sei porque artes, se viu assim condenado ao gelo polar.
Eu, não suporto o Pai Natal e as suas renas, que estão a matar o Natal. Aida por cima se deixa abandalhar despudoradamente pelos media.
Morra o Pai Natal ! Morra! pim!

2005-12-19

As desistências

Candidato que desista não tira votos a ninguém, dá-os apenas.
No caso presente é óbvio que ninguém, com um mínimo de senso, que pretenda votar em Cavaco Silva mudará o seu voto para Soares alegando que os outros desistiram. Di-lo o bom senso e as próprias sondagens que já abordaram o assunto.
No entanto é isto que afirmam mentes supostamente iluminadas, do PS e também Marcelo Rebelo de Sousa.
São burros ? não, simplesmente desonestos:
Marcelo quer promover Cavaco à primeira volta tentando manter uma imagem de comentador imparcial.
No PS parecem pretender evitar a humilhação de uma derrota de Soares com um número insignificante de votos ou será que no fundo, no fundo também eles querem uma vitória rápida de Cavaco ?

2005-12-17

Sol na eira e chuva no nabal

Foi o que colhi das notícias sobre o acordo financeiro alcançado na UE nesta madrugada.
A nós deram-nos muitos milhões, ainda mais milhões do que os da anterior proposta luxemburgueza.
Os novos Estados Membros também são bem contemplados.
A França mantém por mais algum tempo a sua PAC.
A Inglaterra fica com o seu cheque e perspectivas de o aumentar ainda mais, disse Blair.
Enfim, tudo feliz, não sei para que foi tanto barulho embora pressinta que alguém foi bem enganado.

2005-12-06

O « Debate »

Viram o debate ? A Alegre Cavaqueira como ouvi hoje referir na rádio, com muito humor mas pouco tino ? Porque, de facto, não foi cavaqueira, nem alegre.
Eu aguentei até ao intervalo, largos minutos portanto, posso mesmo dizer que vi praticamente tudo, só que não foi um debate, foi uma dupla entrevista, não simultânea mas alternada.
Parece que o modelo americano de debates entrou para ficar: O fundamental é o tempo, o que é importante e democrático é que ambos os candidatos falem o mesmo número de minutos e segundos. As emoções próprias de um debate, o “espírito” ou a “presença de espírito”, já não são valores a considerar, apenas a capacidade que cada um demonstra de dizer qualquer coisa, com um mínimo de sentido, em x minutos e y segundos, é preciso reduzir os debates a um concurso, a um “quiz show”.
Ah que saudades do: “olhe que não, olhe que não !”.

2005-12-02

Portugal – peças soltas



Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Fernando Pessoa – in Mensagem-